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Resgate da noção de dever – Artigo

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24.04.2010 Opinião
André Luis Tabosa de Oliveira
O mundo não é mais o refúgio de segurança que conhecemos. Nossos pais e professores ensinavam conceitos fechados e rápidos de modo a nos preparar para a vida adulta: respeite os mais velhos, obedeça às autoridades, cumpra as leis, não brigue com seus colegas, não bata em seus amigos, cuide de seus irmãos, etc. Uma série de regras clássicas ensinadas de geração a geração capazes de tornar a criança no que se costuma chamar “homem de bem“.
Sucede que a vida real em cada manhã no início de um novo século é bem mais complexa. Pessoas mais velhas abusam de crianças, autoridades abusam de seus poderes, apropriam-se de dinheiro público; religiosos ficam sob suspeita de abusos sexuais; as leis, por vezes, são geradas para o benefício de grupos políticos e sociais e se uma criança voltar para casa com o “olho roxo“ ouve de logo a advertência paterna sobre a obrigação moral de fazer o mesmo. Afinal, precisa aprender a se defender… e se preparar para o que se conhece
por vida adulta.
O homem moderno se sente só. As referências legítimas e clássicas de autoridade se esvaíram. Pais, igrejas e autoridades públicas não mais são capazes de gerar um sentimento de respeito a si e ao próximo e infundi-lo nos filhos, fiéis e cidadãos. Vivemos, como destaca Zygmut Bauman, “tempos líquidos“ em que as sólidas certezas do passado se desmancham na realidade cotidiana. Surge nas pessoas, com isso, uma ética de sobrevivência marcadamente individualista. Isolado da ideia ancestral de segurança nas instituições, renova-se em cada homem e mulher um impulso de autopreservação de si mesmo e de seus familiares. Sem mais acreditar em castigos divinos, reprovação social ou penas criminais, a violência primitiva deságua naquele que ousa violar qualquer de seus direitos pessoais. Sem acreditar que um batedor de carteiras receberá a pena devida por seus atos, a própria comunidade assume o dever de reprimir o crime, julgando, condenando e aplicando de imediato a violência sobre ele.
Incumbe ao Estado e aos grupos sociais que o integram o resgate da noção de dever. Não apenas isso. Mas a reinvenção desse conceito. Não mais como uma noção vaga e sem contorno prático, no sentido de uma obediência cega e inconsequente. Mas, uma revisão de seus significados. Infundindo em cada homem e mulher o sentimento de que cumprir deveres para com seus próximos e com o Estado é uma garantia de segurança para sua própria existência pessoal.
É a nova aurora de um sentimento conhecido por “alteridade“, tão bem exposto por Levinas, no sentido de reconhecer que o próximo me completa e permite resgatar minha própria segurança e fé em valores de maior altitude. Enfim, o homem não existe solitário. Ele nasce, vive e morre em meio a outros. Sem reconhecer seus deveres legítimos para com seus iguais, perde em si a própria noção de dignidade e humanidade que lhe é ínsita.
ANDRÉ LUIS TABOSA DE OLIVEIRA
Promotor de Justiça de Cariré