Ministro Marco Aurélio diz que sua sina é divergir
- 572 Visualizações
- 01-12-2009
Por Fernando Porfírio
?A minha sina é divergir. Detenho uma alma, reconheço, irrequieta, um espírito irrequieto, e não posso menosprezar a minha ciência e a minha consciência jurídica?. As palavras foram ditas pelo ministro Marco Aurélio, que foi homenageado na segunda-feira (30/11) no Tribunal de Justiça de São Paulo.
Várias personalidades do mundo jurídico compareceram ao Salão do antigo Tribunal do Júri paulista, no 2º andar do Palácio da Justiça, para acompanhar o lançamento do livro ?Ministro Marco Aurélio Mello: Acórdãos ? Comentários e Reflexões?. A obra analisa votos do ministro, realçando aspectos que contribuem para o Direito.
O livro, um trabalho coletivo em que 20 juristas comentam julgados proferidos pelo ministro do SFT, foi coordenado pelo desembargador do TJ paulista Francisco Vicente Rossi, da 11ª Câmara de Direito Público, e pela advogada Eliane Trevisani Moreira, do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajs).
A obra é apresentada pelo ex-ministro das Relações Exteriores, o professor Celso Lafer. Os acórdãos do ministro foram comentados pelos juristas Antônio Rulli Júnior, Antônio Rulli Neto, Celso Antônio Bandeira de Mello, Edson Alexandre da Silva, Eduardo Arruda Alvim, Eliane Trevisani Moreira, Francisco Vicente Rossi, Ives Gandra da Silva Martins, José Henrique Rodrigues Torres, José J. G. Canotilho, José Renato Nalini, Licínia Rossi Correa Dias, Luiz Rodrigues Wambier, Marcus Vinícius dos Santos Andrade, Maria do Carmo Honório, Nelson Nery Júnior, Paulo de Barros Carvalho, René Ariel Dotti, Teresa Arruda Alvim Wambier e Willis Santiago Guerra Filho.
Na obra, o que não falta são elogios a singular eficiência e celeridade de Marco Aurélio na produção de votos que, mesmo quando dissidentes, contribuem para a evolução da jurisprudência da corte suprema. Nas palavras do ministro Celso de Mello, ?aquele que vota vencido deve merecer o respeito de seus contemporâneos, pois a história tem registrado que, nos votos vencidos, reside, muitas vezes, a semente das grandes transformações?.
Os coordenadores reuniram 20 acórdãos proferidos em diferentes épocas pelo ministro. Os votos têm como característica posições polêmicas defendidas por Marco Aurélio. ?A obra foi feita com o propósito de mostrar um Direito dinâmico, pujante, que nasce e renasce da controvérsia e brota de polêmicas?, afirmou o desembargador Francisco Rossi.
Figura singular no STF, desde o seu ingresso naquela corte em 13 de junho de 1990, o carioca Marco Aurélio tem se distinguido pela originalidade de muitas das suas decisões, tanto as monocráticas quanto as proferidas nos órgãos colegiados, Turma ou Tribunal Pleno.
Diversas personalidades do Direito comentam no livro os acórdãos do ministro. Dentre elas, José Joaquim Gomes Canotilho, Eduardo Arruda Alvim, Ives Gandra da Silva Martins, Paulo de Barros Carvalho e Marcus Vinícius dos Santos Andrade. Durante o lançamento, foi outorgado o título de sócio emérito do Ibrajs ao ministro.
Posições polêmicas
O ministro, como demonstrou em seu discurso, não se importa em ser voto vencido no Supremo. Perder virou uma espécie de marca cultivada por Marco Aurélio que pode ser acompanhada no livro. Como aconteceu esse ano quando votou contra o fim do diploma para jornalistas.
Um dos principais argumentos dos ministros do Supremo foi o de que qualquer tipo de restrição para se tornar jornalista seria o mesmo que fazer censura prévia. Para Marco Aurélio, este argumento não fazia sentido ?justamente em um momento em que o país goza de liberdade maior na arte da expressão?.
Em seu voto, Marco Aurélio ressaltou que nos 40 anos de vigência do Decreto-Lei 972/69 a sociedade se organizou para cumpri-lo, com a criação de muitas faculdades e de um sistema sindical próprio. ?E agora chegamos à conclusão de que passaremos a ter jornalistas de gradações diversas, jornalistas com diploma de nível superior e jornalistas que terão, de regra, o nível médio e, quem sabe, até apenas o nível fundamental?.
Para ser jornalista, o ministro entendeu que é preciso colar grau no nível superior, formação que ensinará técnicas de entrevista, edição e pesquisas. E também habilitará o cidadão para prestar serviços proveitosos à sociedade brasileira. ?Para essas atividades não basta formação prática. Há, acredito, nas grades, nos currículos das faculdades, o direcionamento do ensino a um domínio básico, que será aprimorado posteriormente, tendo em conta as diversas áreas do saber, as diversas áreas da inteligência?.
Em junho, os colegas de corte de Marco Aurélio votaram no sentido contrário, seguindo o voto do relator, ministro Gilmar Mendes. Entenderam ser inconstitucional o decreto que exigia para o exercício do jornalismo ?registro prévio? no Ministério do Trabalho ?que se fará mediante diploma de curso superior de jornalismo?.
Os ministros definiram que a exigência não foi recepcionada pela nova ordem constitucional, especificamente em razão do inciso XIII, do artigo 5º, da Constituição. A regra estabelece que ?é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer?.
O ministro Gilmar Mendes comparou a formação do jornalista à de um chefe de cozinha ou de um profissional de moda. ?Um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área?, disse o presidente do STF.
O estilo polêmico do ministro Marco Aurélio ainda pode ser constatado quando votou a favor das pesquisas com células-tronco embrionárias nos termos da Lei de Biossegurança. Marco Aurélio fez jus ao título de polêmico. Primeiro, elogiou o ministro Menezes Direito e seu pedido de vista no início do julgamento. Em seguida, criticou a solução apresentada por Direito em seu voto. ?O Supremo Tribunal Federal não é órgão de aconselhamento?, disse Marco Aurélio.
O ministro se referia às ressalvas que Direito fez ao permitir as pesquisas com células-tronco. ?Nestes praticamente 18 anos de tribunal, jamais presenciei, consideradas as diversas composições, a adoção desse critério, a conclusão de julgamento no sentido de recomendar esta ou aquela providência, seja para adoção pelo Poder Legislativo, seja pelo Executivo, em substituição de todo extravagante?, afirmou. E emendou. ?Em processo como este, de duas uma: ou declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade, total ou parcial, do ato normativo abstrato atacado?, completou.
O ministro defendeu que, ao contrário do que foi dito em Plenário, a Lei de Biossegurança é explícita, clara. E, mais ainda, constitucional. A declaração de inconstitucionalidade das pesquisas no Brasil, afirmou Marco Aurélio, prejudicaria aqueles que não têm condições de buscar o tratamento adequado fora do país.