Juristas contadores de histórias
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- 15-10-2010
15.10.2010 opinião
Certa feita, em uma das minhas reuniões em clubes e restaurantes às sextas feiras para almoço com amigos, um professor de direito me disse que todo jurista é um historiador cauteloso. De certo, por considerar como pressuposto de existência de num operador do direito a consciência de historicidade, permeando o discurso jurídico, no que trouxe relativismo a um dos grandes dogmas da humanidade, que é a busca da verdade de formas jurídicas.
Se pensarmos bem, nos daremos conta de que os juristas (profissionais do direito) pertencem a uma classe particular de contadores de histórias, afinal, juízes, promotores e advogados não fazem outra coisa senão contar suas próprias histórias a partir de outras tantas. Mas todos contam histórias e, pois, dão sua própria versão dos fatos. Sim, porque o que pretendem como simples ?sentença?, ?denúncia?, ?testemunho?, ?fatos? e exposições não é uma pura narração, mas uma construção, isto é, uma interpretação a partir do que a mente percebe, e a memória retém.
Trata-se, enfim, de uma história recontada conforme os nossos sentidos, as nossas necessidades, os nossos interesses, as nossas crenças, as nossas limitações. Não existem fatos; só existem interpretações (Nietzsche), mesmo porque o direito escreve roteiros que permitem aos atores grande margem de improvisação. De acordo com François Ost, entre direito e literatura, solidários por seu encaixamento no imaginário coletivo, os jogos de espelho se multiplicam, sem que se saiba, em última instância, qual dos dois discursos é ficção, do outro. Assinala ainda que, ao invés de se afirmar que o direito se origina dos fatos (ex facto ius oritur), seria mais exato dizer ex fabula ius oritur: é da narrativa que sai o direito. (Contar o Direito: as fontes do imaginário jurídico. Porto Alegre: Editora Unisinos, 2005, p. 24).
Que são afinal os grandes advogados senão exímios contadores de histórias, e que, como bons contadores, contam-nas conforme o seu respectivo auditório (juiz, tribunal etc.), com ele interagindo e persuadindo-o?