Hospital Mental: 25 doentes disputam uma única vaga
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- 13-05-2011
13.05.11
Cidade
Com fechamento de leitos no último semestre, pacientes passam até oito dias lutando por internação
Doentes mentais em crise, largados no chão, sem espaço para internação, e familiares angustiados “acampados” há mais de uma semana na entrada do Hospital Mental de Messejana. Todos na busca por socorro aos que sofrem de esquizofrenia e demais perturbações. A disputa por leito é acirrada. Ontem, 25 pessoas tentavam uma única vaga. Enquanto a oportunidade não chega, pacientes levam sol e chuva, ficam soltos em uma área externa, sem tratamento adequado. A rede ficou mais sobrecarregada com fechamento, em fevereiro, de 103 leitos do Hospital Doutor Suliano.
O sofrimento está estampado nos olhos chorosos da aposentada, Lucimar Moreira, 65. Ela está há oito dias fora de casa, dormindo e acordando na porta do Hospital. Até ontem, nada de vaga para o filho que, com grave traço de distúrbio bipolar, ameaça se matar, está agressivo e arredio. “Meu filho está muito mal, precisa de tratamento urgente. Vão deixar ele morrer sem internar?”, questiona, revoltada a senhora. Segundo ela, cerca de 60 pessoas têm se abrigado em cadeiras, batentes e palafitas na parte externa do Hospital. Durante a madrugada, já às 5h, a fila só cresce.
A coordenadora de saúde mental de Fortaleza, Rani Félix, reconhece que a fila de espera tem aumentado no mês de maio. Segundo ela, há uma semana, era um média de 14 doentes, tem dias com quase 30 na espera. O auxiliar de enfermagem, Francisco Borges Carneiro, afirma que, há três dias, a situação estava mais grave que ontem. Eram 50 doentes “brigando” por uma só vaga. “Não sabemos ainda o porquê deste fenômeno. Vamos ampliar as auditorias e checar o que está acontecendo”, afirma Rani Félix. Com tantas denuncias, uma Audiência Pública na Câmara Municipal está agendada para o próximo dia 18, data Mundial de Luta Antimanicomial. Há menos de uma semana do Dia, psiquiatras dizem não ter muito o que festejar. Só lamentar.
Para o psiquiatra, Adelmo Pontes, toda esta sobrecarga de demanda se deve à política nacional de fechamento de clínicas após regulação da Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001 que extinguiria progressivamente os manicômios do país.
Desrespeito
“Os gestores entenderam tudo errado. As clínicas não são prisões, nem calabouços. Os doentes em crise precisam delas. Onde vão se tratar, tem algum Centro de Atenção Psicossocial (Caps) aberto meia-noite?”, ironiza. Para Adelmo Pontes, o que o poder público tem feito, ao fechar leitos, é um desrespeito grave aos pacientes que, segundo ele, clamam por mais atenção e acabam não achando.
A diretora clínica do Hospital Mental, Ana Jeceline Tavares, também se diz angustiada, não sabe onde colocar os doentes que diariamente chegam, tanto do Interior como da Capital. “Temos 160 leitos e todos estão lotados. Precisaríamos de pelo menos umas 200 novas vagas na rede conveniada. A situação está muito crítica”, relata. Para piorar, crianças e adolescentes, que não são perfil da instituição, estão sendo enviadas compulsoriamente pela Justiça.
Para a diretora clínica, os cerca de 120 leitos conveniados à Prefeitura não dão conta, sempre estão preenchidos.
“Estamos tentando aumentar a rotatividade, mas é bastante difícil. Muitos, abandonados pela família, por exemplo, ficam bem mais que seis meses com a gente”, assegura.
A coordenadora de saúde mental refuta as denuncias. Para ela, as atuais 842 vagas suportariam a demanda. Há expectativa, segundo ela, inclusive, de reabertura de 80 vagas no Instituto de Psiquiatria do Ceará.
“Não descartamos a ideia também de ampliarmos a rede, em Hospitais Gerais Municipais com mais 30 leitos”, afirma.
Para Rani Félix, mais que aumentar a oferta, é necessário otimizar os espaços já existentes, sem negar a internação, mas potencializando, segundo ela, um tratamento mais humano, afetuoso, “bem longe dos antigos manicômios”.
IVNA GIRÃO
REPÓRTER