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Debates e Ideias: Preso na armadura

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Opinião 13.02.2011
Muitas lendas cercam a vida do príncipe Eduardo Plantageneta, justamente celebrado como um famoso guerreiro inglês, filho primogênito e herdeiro do rei Eduardo III, por isso que foi preparado para sucedê-lo no trono: seria o rei Eduardo IV, mas morreu como príncipe de Gales em 1376, ornado de merecida fama militar e admiração pela sua bravura nos campos de batalha: foi ele, ao que se diz, o introdutor dos arqueiros nos combates em campo aberto, o que representou, naquela altura, uma inovação técnica tão importante, que alguns historiadores atribuem às manobras e à perícia dos arqueiros o êxito dos ingleses na chamada Guerra dos 100 anos; diz-se, ainda, que o uso da armadura de cor negra, que não era comum, na época, fez Eduardo Plantageneta ser conhecido como “O Príncipe Negro”, apelido que ainda hoje o identifica na História.
Esses mesmos historiadores que enaltecem a sua coragem bélica registram que além de inovador da arte da guerra o príncipe Eduardo Plantageneta era também hábil estrategista diplomático, mas o seu talento ficou para sempre associado à sua armadura negra de guerreiro, da qual nunca se livrou, por isso que não há exagero em se dizer que o príncipe que seria o rei Eduardo IV morreu dentro daquela armadura reluzente, abrindo a sucessão para outro pretendente, outro herdeiro que subiu ao trono inglês, na verdade o seu filho que reinou como Ricardo II Plantageneta, neto do velho rei Eduardo III.
Essa pequena história – que parece despropositada e nem sei se tem respaldo nos documentos da época – vem a propósito da observação que me fez uma magistrada do Estado do Pará, sobre o que chamou de “clausura da justiça na armadura da lei”, dizendo-me ela que, sem dúvida alguma, a lei era uma proteção rígida e brilhante para as posições dos que militam em batalhas judiciais renhidas, como se fosse mesmo uma armadura do mais resistente material; mas essa armadura, acrescentou a juíza, mesmo ofuscante ao sol, “termina por asfixiar dentro dela o talento dos paladinos”, impedindo que realizem outras funções para as quais estão preparados, como por exemplo, a de estabelecer diálogos com as demais “fontes da solução das causas”, dizendo ainda que a lei é “apenas umas dessas fontes”, mas não a única e nem a mais importante, muitas vezes.
É claro que a armadura legal é necessária, aliás, será sempre necessária, ponderei, mas realmente dentro dela não se esgota a luta e nem termina a batalha, não se encerra a estratégia e nem se fecham os planos: veja o exemplo de Eduardo Plantageneta, que deixou a sua nobreza real exaurir-se na estreiteza das armas e das guerras, quando poderia – mesmo dentro da sua brilhante armadura negra – ter dado largas asas ao seu talento diplomático e tecido soluções amistosas com os monarcas seus contemporâneos, talvez mesmo se habilitando como o sucessor de seu pai no trono inglês.
Vem-me à mente refletir que essa questão das fontes nas soluções das demandas não se resolve numa guerra em que alguém se feche na sua armadura legal como se ela fosse um casulo inexpugnável – ou mesmo numa batalha – requerendo-se que os interessados na solução dos problemas jurídicos, sobretudo quando levados à decisão do juiz, não se transformem em lutadores solitários, ainda que valentes e denodados, mas permitam que o intercâmbio de valores com outras fontes ajude a formar a pacificação desejada; talvez não seja fácil motivar um juiz com essa formação de guerreiro a se despojar da sua armadura rígida, como não foi fácil – de fato foi mesmo impossível – demover aquele príncipe do uso da sua, substituindo-a pela conduta diplomática.
A conversa com a minha interlocutora paraense terminou de uma maneira meio insólita, ela me dizendo que não via razão alguma para a alusão a um príncipe inglês do século 14, “que nem rei chegou a ser”, pois militares como ele deveria haver muitos; eu lhe dei inteira razão, mas me consolei dizendo que a referência a uma figura histórica como esta serve para atrair a atenção dos mais jovens … ou não?
De qualquer modo, as suas palavras finais foram muito claras e elucidativas, me manifestando a sua perplexidade diante de uma pessoa, seja um Príncipe ou seja um juiz, que podendo ter inúmeras alternativas para solucionar uma demanda jurídica, se isola superficialmente na estreiteza de uma armadura passageira.
Mas isso não foi precisamente o que aconteceu com Eduardo Plantageneta, que ficou para sempre preso na sua própria armadura?
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
ministro do Superior Tribunal de Justiça