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Ceará mais justo?

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30.01.2011 opinião
Foi publicada no último dia 6 a Lei Estadual nº 14.859/2010, que tenta conceituar o ultrapassado “pobre na forma da lei”, extrapola a competência do Estado e tem a pretensão de excluir as classes D e E do acesso material à Justiça. Referida lei – de interesse direto de, no mínimo, 80% dos cearenses – foi aprovada sem o necessário debate com a sociedade civil e apresenta vícios de inconstitucionalidade. É, portanto, em decorrência disso, sem aplicabilidade; mas a sua existência, ainda que sem efeitos jurídicos válidos, é causa de preocupação e indignação. Sem entrar no mérito da inconstitucionalidade formal (vez que houve vício de competência para legislar sobre a matéria), do ponto de vista material, em se tratando de justiça gratuita, a hipossuficiência deve ser considerada em seu âmbito mais elástico, a fim de que não reste frustrado o objetivo da norma inserida no art. 5º, LXXIV da CF/ 1988, consoante o qual o acesso à justiça deve ser facilitado a todos. Note-se que o “acesso à justiça” é direito individual, portanto, não podendo ter sua aplicabilidade restringida por lei. Cada caso deve ser avaliado com suas peculiaridades. Ademais, a Conferência Judicial Ibero-Americana, ao criar as “100 Regras de Brasília sobre Acesso à Justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade”, considerou como vulneráveis todas as “pessoas que, por razão de sua idade, gênero, estado físico ou mental, ou por circunstâncias sociais, econômicas, étnicas e/ou culturais, encontram especiais dificuldades em exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico”. Pela prevalência da dignidade do ser humano é esta a tendência no direito nacional e internacional. Assim, como evidenciado, o termo “vulnerabilidade” não foi empregado no sentido de alcançar só as pessoas em estado de “miserabilidade”, mas sim para resguardar os direitos daqueles que se encontram em condições que demandam atenção diferenciada por parte do Estado, devendo o Sistema de Justiça servir de instrumento para a defesa de seus direitos. Infelizmente, o ato legislativo contra o qual ora nos insurgimos contraria essa ótica social, prejudicando a população cearense. A nossa esperança é que tal tenha sido reflexo de uma visão apressada – e não pensada – e que seja devida e revista.
Roberta M. Quaranta – presid. Comissão de Acesso à Justiça da OAB/CE