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“Atuação firme e independente marcada pela serenidade ”

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02.08.2009 Opinião Pág.: 04
Em sua primeira entrevista como procurador geral da República, o cearense Roberto Gurgel recebeu o Diário do Nordeste para falar de temas polêmicos e sobre sua paixão pelo Ceará. Para ele, a autonomia do Ministério Público é fundamental para a manutenção do estado democrático de direito e não acredita que venha a sofrer pressões no comando da PGR, mas ressalta o papel dos entes federativos defender seus interesses
O senhor em seu discurso de posse falou de suas ?três cidades adoradas?, Fortaleza, Rio de Janeiro e Brasília. Eu gostaria que o senhor começasse falando de sua relação com Fortaleza e com o Ceará.
Olha a relação é a mais visceral possível, porque eu nasci e morei em Fortaleza até os 16 anos. Depois fui para o Rio e para Brasília. Minha família toda continua morando em Fortaleza. Eu vou sempre a Fortaleza. Jamais passo um ano sem ir lá. Minhas referências desde a infância, adolescência são todas em Fortaleza. É a relação, aquela coisa que a gente tem com a cidade em que nasceu. Os laços são permanentes. Os amigos mais antigos.
Alguma possibilidade de voltar a morar lá no futuro?
Eu não sei, porque aí dependeria de uma eventual aposentadoria, ideal que até por enquanto eu não diviso. Na verdade meus filhos nasceram em Brasília, moram aqui e tanto minha mulher, que é baiana, como meus filhos, que são de Brasília, são apaixonadíssimos por Fortaleza. É sempre um prazer muito grande quando vão lá. É aquela coisa…. Faz muito tempo que eu não vou ao Ceará de carro, mas eu acho que no carro você sente muito isto. Você vai viajando e sai, por exemplo, daqui de Brasília, e passa por Goiás, Bahia e quando passa a divisa com o Ceará você sente algo diferente. É aquela ligação mesmo atávica com a terra.
Como cearense, o senhor pretende dar alguma atenção especial ao Estado?
Na verdade, o procurador geral é da República, portanto, cuida de todos os assuntos nacionais. Agora, é inevitável que quando venha um assunto do Ceará, de sua terra, que você sempre dispense uma atenção especial. É humano, eu diria até, mas evidentemente eu tenho que cuidar do plano nacional.
Qual será o seu perfil à frente da PGR?
Na verdade o que se pretende é prosseguir uma linha de trabalho que marcou a atuação do procurador geral Cláudio Fontelles e do procurador Antônio Fernando. As características essenciais desta linha de atuação seriam, primeiro, uma atuação firme e independente do Ministério Público e, em segundo lugar, uma atuação marcada pela discrição, pela sobriedade e pela serenidade.
O presidente disse que jamais fará um pedido pessoal ou colocará ?um alfinete? para atrapalhar uma investigação, mas isso não quer dizer que resto do governo não pressione o MP. Qual será sua postura diante de possíveis pressões?
Olha, na verdade, a partir dos depoimentos dos colegas que me antecederam, a posição hoje, do ponto de vista da Constituição, é que a Procuradoria está em um plano tão especial, em um plano com tantas prerrogativas, que fica difícil pressionar o procurador geral da República. Antônio Fernando, em uma das últimas entrevistas que deu, fez questão de dizer ?durante os quatro anos que passei como procurador geral da República jamais recebi qualquer tipo de pressão?. Porque eu acho que a pressão está sempre associada à utilidade. Você pressiona alguém quando você imagina que aquela pressão surtirá algum efeito. Terá algum resultado. E a posição do procurador impede que haja qualquer pressão. Ele tem hoje todos os meios, a começar pela Constituição Federal, de exercer suas atribuições com absoluta independência e absoluta autonomia. Eu acho que isto existe, faz parte do jogo democrático.
Em sua posse, o senhor disse que o seu mandato à frente do MPF não será marcado pela espetacularização das ações. Em casos recentes, como a prisão do banqueiro Daniel Dantas, o MPF espetacularizou procedimentos?
Eu acho que nós, no passado, tivemos realmente muitos momentos em que a atuação tinha muito de pirotecnia, muita espetacularização na atuação do Ministério Público. Eu acho que, ao longo do tempo, foi diminuindo. Esta atuação foi ficando mais profissional e os holofotes foram sendo afastados. Eu considero que a sobriedade e a discrição são, digamos, virtudes essenciais para o exercício das funções no Ministério Público. Por quê? Porque em primeiro lugar isto protege o cidadão de atitudes precipitadas e indevidas. Em segundo lugar, asseguram a eficácia do trabalho do Ministério Público.
O senhor elencou alguns setores onde pretende multiplicar esforços – criminalidade organizada, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, ataque à integridade do sistema financeiro, trabalho escravo, tráfico internacional de pessoas e drogas. Qual será a estratégia a ser utilizada?
Olha essencialmente um trabalho que se estimule a parceria e a colaboração entre todas as instituições incumbidas, digamos, no controle e na fiscalização do Estado Brasileiro. Estreitar os laços com a Polícia Federal, com os órgãos de controle, como o Tribunal de Contas e Controladoria Geral da União. Eu acho que isto é fundamental para que o resultado do trabalho, para que o combate a este tipo de criminalidade seja efetivo.
O presidente Lula fez uma crítica ao MP de que não pode expor a biografia dos investigados. O presidente estava passando um recado aos investigadores do caso José Sarney? Seria considerada uma interferência?
Olha, na verdade o presidente fez esta declaração em um contexto que ele exaltava a necessidade de assegurar a independência e a atuação firme do Ministério Público. Neste contexto eu compreendo perfeitamente a colocação feita pelo presidente como aquela de atuar com a discrição à qual eu já me referi. Procurar sem abrir mão da firmeza, preservar a pessoa que está sendo investigada até o momento em que seja inevitável a publicidade desta investigação.
A visão geral, não só da imprensa, foi de que o presidente Lula estava mandando um recado sobre José Sarney. O senhor entendeu assim?
Não vi desta forma. Realmente eu não vi. Eu acho que realmente o que se fez foi pinçar a declaração dita pelo presidente de um contexto bem mais amplo que eu repito, que era um contexto de exaltação e de reafirmação da independência e da autonomia do Ministério Público, sem fazer referência a qualquer episódio. Nós não podemos ignorar que, quando se anuncia prematuramente a investigação em torno de uma pessoa, pelo menos a honra desta pessoa é extremamente afetada e pode acontecer que o procedimento, a investigação em torno daquela pessoa pode acabar apontando que, na verdade, aquela imputação inicialmente imaginada não tinha procedência. Aí sabemos que o estrago em torno daquela pessoa estará feito. Isto evidentemente não é razoável admitir em um estado democrático de direito.
O ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, já defendeu a criação de uma Vara de Controle Externo para controlar a atividade do Ministério Público. É preciso haver um órgão para controlar uma instituição que já tem função de controle?
Na verdade, a proposta do ministro Gilmar Mendes era de uma vara, um órgão de controle da atividade policial, não da atividade do Ministério Público. Ocorre que o controle da atividade policial é estabelecido pela Constituição ao Ministério Público, que vem exercendo adequadamente. Neste particular, a meu ver, não procede a crítica feita pelo ministro Gilmar Mendes. A atuação da Polícia vem sendo controlada adequadamente, seja pelo curso das investigações, seja pela realização de inspeções periódicas nas dependências polícias pelo Ministério Público. Então o Judiciário não tem vocação, já está assoberbado, e não é uma instituição vocacionada para exercer o controle das atividades policiais que será melhor exercida pelo Ministério Público.
O senhor acredita que o Ministério Público e a Polícia estão sobrepondo funções?
Olha eu acho que Polícia e ministério público têm acima de tudo um imenso volume de pontos de convergência. A polícia e o Ministério Público têm conseguido desenvolver ao longo dos últimos anos uma atuação extremamente proveitosa pela sociedade a partir de um trabalho conjunto desenvolvido em parceria pelas duas instituições. Há na verdade alguns pontos de dissenso e o ponto mais relevante efetivamente é aquele que tem relação com o poder de investigação do Ministério Público. O Ministério Público tem o poder investigatório, sem evidentemente substituir a polícia que ordinariamente continuará conduzindo as investigações. Mas há casos em que, a própria Polícia pelo tratamento que ela recebe do plano constitucional não tem a autonomia, a independência necessárias para conduzir investigações. Há um exemplo evocado em mais de um julgamento no Supremo, que é a questão dos crimes cometidos por policiais.
Procurador, optando pela indicação da subprocuradora Débora, o senhor acabou endossando propostas polêmicas que ela apresentou no período em que ocupou interinamente o comando da PGR, como a questão do casamento gay e do aborto de fetos anencéfalos. Como será a sua defesa perante o Supremo destes temas. O senhor é favorável ao casamento gay e ao aborto?
A opção pela doutora Débora é por uma colega extremamente competente, extremamente dedicada à carreira do Ministério Público. Claro que a escolha pressupõe também afinidades entre o procurador geral e a escolhida. Agora, quanto aos temas escolhidos objeto daquelas iniciativas que ela tomou quando do exercício da PGR, o procurador geral irá se pronunciar no momento próprio. Quando a questão for levada a julgamento no Supremo, então, firmarei ponto de vista do procurador. Digo agora com sinceridade que são temas em relação aos quais eu ainda não refleti o suficiente para firmar uma posição nem a favor e nem contra.
Eu destaco que o que há de muito positivo é levar estes temas ao Supremo. Trazê-los para o debate. São poucos os órgãos legitimados a provocar o STF e entre os legitimados, dentre eles o procurador geral da República não deve servir de barreira para que temas desta relevância não cheguem ao Supremo Tribunal Federal.
ANE FURTADO
Repórter/ Sucursal Brasília