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A saga da pobreza

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20.03.2011 Opinião
Ele é pobre, pensava ela, muito pobre; há de ser suscetível portanto”. (Alencar, José de. Sonhos D´oro. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1998, p. 35) A frase, concebida no século XIX, mantém a nota da contemporaneidade. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ceará contribui para o PIB nacional com apenas 2%.
A cifra significa que grande parte da população é composta por pobres. Nesta perspectiva, a demanda por serviços públicos aumenta vertiginosamente. Os gestores sempre põem em relevo o argumento da prioridade. Os juristas chamam de reserva do possível.
Ninguém questiona, por conseguinte, que saúde e educação são áreas que merecem atenção especial. Contudo, entre a teoria e a prática há um hiato. As reformas que surgem são pontuais. Não afetam o sistema. A engrenagem permanece ineficiente. À deriva.
Em regra, os serviços públicos para os pobres são caracterizados pela carência. Não há dinheiro. O momento é de ajuste fiscal. Os pobres podem esperar. Têm a “virtude” da suscetibilidade. Sob este enfoque, houve a publicação da Lei nº. 14.859/2010, conhecida como lei da pobreza. Prevê, entre outras condições, que o cidadão somente poderá ser beneficiário de serviços públicos porventura comprove o rendimento mensal inferior a meio salário mínimo. Outra excrescência reside na ação de inconstitucionalidade proposta pelo “Estado do Ceará” contra a Lei nº. 11.738/2008, responsável pela fixação do piso nacional para o magistério público.
Quando se trata de acesso à justiça, outro serviço público essencial, a matemática não economiza nos números. E nem no sofrimento. 83% da população cearense precisa da Defensoria Pública.
Em que pese a estatística, há defensores em apenas 60% das comarcas. O subsídio bruto de um defensor fica aquém do subsídio líquido dos integrantes das demais carreiras do sistema de justiça.
O defensor atua sem o auxílio de servidores. Para compor a miríade de injustiças: a Defensoria Pública encontra-se vinculada a um Código de Organização Judiciária já revogado. Dois pesos e duas medidas. Em matéria de suprimento das necessidades do povo espoliado, o discurso é unificado em torno da escassez.
A fonte sofreu assoreamento. Mas pobreza não é sinônimo de inferioridade, de comiseração, de segunda classe. Traduz luta, trabalho, superação. Como sintetiza a canção “Comida”, eternizada pelos Titãs: (“… A gente não quer só comer/A gente quer comer/E quer fazer amor/A gente não quer só comer/A gente quer prazer/Prá aliviar a dor… /A gente não quer só dinheiro/A gente quer dinheiro/E felicidade/A gente não quer só dinheiro/A gente quer inteiro/E não pela metade…”).
José Valente Neto – defensor público