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Cadastro positivo

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12.12.2010 economia
MUDANÇAS
Foi aprovada no Senado e segue para a sanção presidencial alteração no artigo 43 do Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) para criar o ?cadastro positivo?. Mas será que esta mudança é positiva para o consumidor?
Os defensores da alteração alegam que o cadastro irá diminuir o risco da concessão do crédito e diminuir os juros, mas a maioria das organizações de defesa do consumidor é contra a alteração aprovada (o IDEC ? Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e o Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor, por exemplo, enviaram carta ao Presidente da República pedindo o veto ao texto aprovado no Senado). O objetivo da coluna de hoje, então, é conhecermos um pouco mais sobre os receios e possibilidades desta alteração legislativa.
BANCO DE DADOS
A preocupação com banco de dados de consumidores e de fornecedores já existe no CDC há muito tempo. O artigo 43 regula o de consumidores (SPC, SERASA e etc) e o artigo 44, o de fornecedores (o Sindec, do qual já falamos em colunas passadas e pode ser acessado em www.mj.gov.br/dpdc/sindec).
O CDC chega a dizer que ?os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público? e determina, por consequência, que ?os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão?.
Devem ser transparentes: o consumidor tem todo o direito de saber com antecedência quem o está inserindo no cadastro, por qual dívida, qual a data e etc. É uma questão de respeito aos direitos fundamentais.
O PONTO DE DISCÓRDIA
Se o ?cadastro positivo? focasse apenas conceitos objetivos certamente não estaria trazendo tanto desconforto. Ao contrário, certamente seria até aplaudido. O problema é que o texto aprovado dá margem há muitas dúvidas ao dizer que ?no fornecimento de produtos ou serviços que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor informará aos sistemas de proteção ao crédito, para formação de cadastro positivo, as características e o adimplemento das obrigações contraídas?.
A lei não explicita o que seriam estas ?características? dando margem a muita insegurança e um receio fundado de retrocesso na proteção do consumidor. Será que um cidadão que conheça bem as leis de seu país e não se submeta, por exemplo, a uma exigência abusiva de um fornecedor valendo-se do Poder Judiciário para ter o seu direito respeitado iria para o ?cadastro positivo? ou dele seria banido por que já ajuizou uma ação revisional? Será que o fato de não se submeter a uma cláusula de vantagem exagerada e se socorrer do Sistema de Justiça para fazer valer seus direitos seria uma ?característica? positiva, negativa ou ignorada?
A DISCRIMINAÇÃO
A concessão ou não de crédito é uma liberalidade do fornecedor que deve ser exercida em conformidade com o direito do consumidor à igualdade nas contratações (art. 6, II do CDC), sendo a avaliação dos riscos da inadimplência sempre pautada por critérios específicos, objetivos, concretos e não discriminatórios.
Sobre isso, temos conhecimento de uma ação judicial movida por uma consumidora que não tinha qualquer restrição de crédito em seu nome e não estava conseguindo obter crédito sob o argumento de um ?credit score?, o qual seria, nos termos do relatório da sentença, um ?(…) cadastro oculto (…) composto de registros e informações pessoais dos consumidores, dentre as quais as ações judiciais por eles movidas no exercício de seus direitos.?
É certo que já se tem notícia de uso indevido de ações revisionais mas o combate a tal atitude equivocada, a atribuição de determinar se a ação tem ou não fundamento, é de boa ou má- fé, se o consumidor tem realmente razão ou a ajuizou para protelar pagamento, é do Poder Judiciário, não podendo o consumidor ser discriminado porque conhece seus direitos e os exerce.
Uma das grandes preocupações sobre cadastro positivo, assim, é justamente saber se dentre as ?características? do consumidor a serem inseridas no cadastro está ou não está o seu exercício de direitos.
É preciso conhecermos previamente ?os critérios e elementos considerados na análise de risco do crédito do consumidor?. ?Características? é conceito vago, impreciso, subjetivo. É legítimo e até necessário que os fornecedores de crédito tenham instrumentos para avaliarem o risco da inadimplência mas é preciso ter cuidado para que tais não inibam o conhecimento de direitos e a disposição de exercê-los.
Caso a nossa preocupação seja descabida e o consumidor consciente não seja discriminado, o que custava deixar tal fato claro na lei que cria o cadastro positivo?
OUTROS PONTOS
Da forma como está o consumidor que de tão bom pagador que é, paga suas compras à vista e não se vale de empréstimos estaria fora do cadastro positivo e, portanto, sujeito a juros maiores (se realmente os juros baixarem com o cadastro positivo).
Será que o consumidor teria realmente a escolha de não autorizar a sua inserção no cadastro positivo se este, na prática, pode vir a ser uma exigência para a concessão do crédito? Não se estaria, assim, agravando-se a situação de vulnerabilidade, de desigualdade do consumidor? O cadastro não passaria a ser compulsório, obrigatório?
Do jeito que está a tendência é que os fornecedores detenham cada vez mais informações sobre o consumidor, o que aumenta a fragilidade deste no mercado de consumo (inclusive no que concerne a oferta, publicidade e etc). Se é para dotar o mercado de transparência e equilíbrio, que o façamos para consumidores e fornecedores. A proposta de lei para regulamentar a proteção dos dados pessoais dos consumidores pode ser um bom caminho.
EM BAIXA
AUSÊNCIA
de Conselho Estadual de Defesa do Consumidor no Ceará.
EM ALTA
MINISTÉRIO
da Justiça abre consulta pública para discutir anteprojeto de lei de proteção de dados. Participe em http://culturadigital.br/dadospessoais/
Amélia Rocha
economia@opovo.combr