Psicografia e prova penal
- 2540 Visualizações
- 08-06-2010
Opinião 08.06.2010
Até que ponto a prova emanada da experiência mediúnica ou de documentos psicografados influi ou não na decisão da causa?
Na Justiça Brasileira, há experiências envolvendo a pessoa do conhecido e respeitado médium Francisco Cândido Xavier, vulgo ?Chico Xavier?, falecido em 2001, em que suas psicografias influenciaram no julgamento de três crimes que culminaram com a morte das vítimas.
Dos três, dois ocorreram no Estado de Goiás, em 1976. O primeiro caso resultou em absolvição sumária (art. 411 do Código de Processo Penal), não chegando o réu a ser submetido a julgamento pelo júri, como é evidente na hipótese. No segundo, o réu acabou absolvido pelo Tribunal Popular do Júri por seis votos contra um. Em ambos havia relatos baseados no espiritismo por meio da psicografia. No terceiro, ocorrido em 1980, no Mato Grosso do Sul, o réu veio a ser condenado, em segundo julgamento, com a desclassificação do crime doloso para culposo. Em todos os casos, as repercussões processuais no campo da prova ocorreram em razão do uso da psicografia.
Aqui, pretende-se analisar o tema sob a ótica jurídica, deixando bem claro a inexistência de propósito para menosprezar aqueles que professam a doutrina espírita e, naturalmente, acreditam na veracidade dos fenômenos tidos como sobrenaturais.
A vigente Constituição da República considera inviolável a liberdade de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e protegendo os locais de cultos e suas liturgias, na forma da lei (art. 5º, VI). Ademais, a mesma Carta Constitucional afirma que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política (art. 5º, VIII).
Conseguintemente, é a própria Lei Maior que, ao consagrar o Estado laico, exige tal postura por parte do intérprete. Daí surge o enfrentamento do problema probatório diante de documento psicografado que ganha materialidade nos autos, permitindo um exame crítico de seu conteúdo como um dado concreto.
Diante disso, faz-se necessário definir o que é psicografar e qual o seu significado. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em seu Dicionário da Língua Portuguesa, leciona que o verbo ?psicografar? significa ?o que é ditado por espíritos? ao passo que ?psicografia? consiste na ?escrita dos espíritos pela mão do médium?.
Dito isso, o que vem para os autos é um documento, tal como o define nossa Lei Processual Penal em seu artigo 232, ou seja, ?quaisquer escritos?. De igual, o Código de Processo Civil, quando se ocupa ?Das Provas?, declara, em suas ?Disposições Gerais?, que ?todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos (…) são hábeis para provar a verdade dos fatos…? (art. 332, Secção I, Capítulo VI, Título VIII do Livro I), preceito que, sem sombra de dúvida, encontra aplicação no processo penal (art. 3º do CPP).
Por outro lado, não há no ordenamento jurídico em vigor qualquer norma expressa que proíba a apresentação de documento produzido por meio da psicografia. Portanto, a prova em comento deve ser admitida e valorada pelo juiz. Se dúvida existir, resta a possibilidade de exame caligráfico do documento, regulado no art. 174 do CPP, que versa sobre o reconhecimento de escritos, por comparação de letras.
Apesar de tudo, há quem argumente que a psicografia tem sido admitida apenas em processos da competência do Júri, exatamente porque é lá que o veredicto é imotivado, sofrendo os jurados toda sorte de influências.
Diante disso, a matéria merece o seguinte questionamento: 1º Não haverá cerceamento para a parte, caso o juiz não admita a produção de certas provas fundadas em fenômenos espirituais comprovadamente sérios? 2º Fatos que ultrapassem os limites da ?inteligência?, no presente estágio evolutivo, não poderão ser aceitos como prova?