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Debates e ideias: Pronúncia

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Opinião Pág. 03 08.11.2009
O Código de Processo Penal, na antiga redação do seu art. 408, § 1º, denominava de “sentença de pronúncia” o ato judicial que encaminhava o réu acusado de crime doloso contra a vida a julgamento pelo Tribunal do Júri Popular; a Lei 11.689/08 alterou-lhe a denominação para “decisão de pronúncia” (atual art. 413 do CPP) e lhe deu novo perfil, reforçando a necessidade de sua fundamentação, como já era reclamado há tempos pelos jusprocessualistas penais brasileiros da mais alta suposição.
A pronúncia é o ato em que o juiz expressa a sua convicção quanto à ocorrência de crime doloso contra a vida e quanto à presença de “poderosos indícios de sua autoria”, exigindo que, ao pronunciar o réu, indique com precisão e clareza as provas, colhidas na fase inquisitorial e, sobretudo, instrutória do processo, que densificaram a inicial suposição de autoria contida na denúncia.
É de todo indispensável que o juiz fundamente a decisão de pronúncia e, embora não se trate de ato conclusivo, não pode se limitar simplesmente a repetir os termos da denúncia, como é tão frequente na prática judicial.
Para desempenhar esse mister, o juiz há de analisar, em profundidade, as provas colhidas em juízo, sem o que não poderá demonstrar a suficiência dos elementos indicadores de autoria e, muito menos, dar as razões do seu convencimento; também é função da pronúncia sanear o processo de eventuais desvios, falhas ou erros e evitar que se submeta a Júri Popular uma pessoa contra quem não se tenha apurado um elenco indiciário forte e induvidoso, coerente e sério, calcado em evidências seguras; nesse sentido a pronúncia assimila a função garantística do Processo Penal moderno.
À necessidade de fundamentação da pronúncia não lhe basta a simples alegação de respeitar a competência do Tribunal Popular ou a mera afirmação da evasiva processual “in dubio pro societate”, que não se harmoniza com o Processo Penal contemporâneo, calcado no respeito aos superiores valores da personalidade humana, entre os quais o da preservação da imagem, bom nome e boa fama das pessoas.
Pode-se afirmar que a pronúncia constitui um juízo prévio, provisório e singular de culpabilidade do acusado e deve externar com segurança a “probabilidade concreta” de que o denunciado seja o autor do delito e não apenas a “simples possibilidade”, daí ser indispensável a sua fundamentação, especialmente quando se sabe que o Júri Popular não é órgão técnico e está exposto às paixões e à eloquência da acusação e da defesa. Essa “fundamentação” só pode ser o “apontamento” das provas produzidas durante a instrução criminal, que corroboram a assertiva inicial de ser o acusado o autor do delito, para que sobre elas se manifeste, em definitivo, o órgão constitucionalmente competente, qual seja, o Tribunal do Júri.
Sobre o “in dubio pro societate”, que tão amiúde se invoca nas decisões de recebimento de denúncias e nas pronúncias, há que referir que se trata de praxe não identificável no Direito Romano clássico, apesar de exposta em voz latina; o preceito romanístico lhe é oposto, se expressa no “in dubio pro reo”; de todo o modo, em caso de dúvida, ou seja, de ausência de provas seguras de autoria, o Juiz não deve pronunciar o réu, mas sim empreender melhorias na instrução, de modo a dissipar as incertezas e hesitações: se não lograr êxito nessa tarefa, há de abster-se de lançar a decisão de pronúncia, dada a referida função garantística e saneadora desse ato.
Em síntese, o juiz não deve pronunciar o réu, se a análise dos dados objetivados no processo não lhe dá segurança quanto à culpabilidade do imputado, pois ao Julgador não se dispensa a criteriosa avaliação dos indícios da imputação, não lhe sendo possível, nessa oportunidade, proceder de modo simplesmente burocrático; grave, muito grave mesmo, é a responsabilidade do juiz do Crime quando recebe uma denúncia ou quando recomenda o réu ao julgamento pelo Tribunal do Júri Popular, pois a partir daí, já se lançam sobre a pessoa o estigma do crime e o “strepitu judicii” – o ruído do processo – capazes de consumir os seus instantes de alegria e paz, de convivência familiar harmoniosa e as relações sociais de respeito.
NAPOLEÃO NUNES MAIA
Ministro do STJ e professor licenciado da Faculdade de Direito do Ceará
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