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Má administração de tribunais prejudica Judiciário

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30.10.09
Por Fabiana Schiavon
A má gestão de recursos nos tribunais é a principal causa da morosidade da Justiça no Brasil. É o que apontou a pesquisa Justiça em Números ? Novos Ângulos, feita pela professora Maria Tereza Sadek a pedido da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB). ?Carga de trabalho, falta de computadores, número de juízes, orçamento. Nada disso é um problema para o Judiciário. O grande problema está na gestão de recursos?, afirmou ela.
A conclusão veio a partir de um estudo mais aprofundado que cruza a série histórica do Justiça em Números, divulgada pelo CNJ, com índices econômicos e sociais. Destes dados, não foi possível tirar conclusões muito diferentes das já conhecidas. Por isso, constatou-se que o problema está na administração dos tribunais.
A má administração do orçamento é mostrada pelos números, de acordo com Maria Teresa. Os gastos com pessoal são a maior porcentagem vista pela pesquisa, mantendo uma média de 80% nos estados. A taxa aumenta para 90% nos grupos dos estados com maior IDH. Para a estudiosa, o número mostra que os tribunais deixam de lado os outros setores, como informatização, apesar de haver disparidades mesmo entre os estados de um mesmo grupo. A Bahia, entre os estados com menor IDH, por exemplo, se destaca pela redução destes gastos entre os anos de 2004 e 2008: de 90% para 55%. A média do grupo ultrapassa os 80%.
Para Maria Tereza Sadek, é possível revolucionar a gestão com o mesmo orçamento. Concorda com ela, Gervásio dos Santos, coordenador da campanha Gestão Democrática do Poder Judiciário, da AMB. Ele afirma que os orçamentos são escassos, mas podem ser muito mais bem aproveitados. Segundo ele, hoje o planejamento é feito por técnicos que não têm uma ampla visão da realidade do estado. ?Não adianta nada, por exemplo, abrigar o tribunal em uma maravilhosa estrutura, se as varas são esquecidas. Muitas vezes, vale mais investir em veículos que possam levar a Justiça a mais pessoas do que gastar com pessoal?. Ele levantou o exemplo do Maranhão que concentrou 60% na cúpula do Judiciário dos estados e a a segunda instância julga apenas 6% dos processos.
?É difícil para os juízes entenderem que eles têm meta, objetivos a cumprir. O Judiciário funciona hoje da mesma maneira que funcionava há 100 anos?, segundo Maria Tereza. A professora lembra que a Justiça foi criada em uma demanda baixa e com juízes supervalorizados. ?A única preocupação do juiz era decidir, mas hoje ele deve aceitar que é preciso incorporar em seu trabalho a gestão de materiais, pessoal e processos?.
Para o presidente da AMB, Mozart Valadares, um pouco dessa culpa se atribui a formação exclusivamente jurídica dos juízes brasileiros. ?Dentro do plano de gestão, estamos sugerindo que seja criada uma disciplina nas universidades e cursos que qualificam o profissional nesse sentido?, explica. Por base no resultado da pesquisa, a AMB abre hoje um Congresso que terá como tema principal a revolução na gestão dos tribunais. O evento é o início de um programa que prevê cursos presenciais e à distância que pretendem capacitar os juízes a identificarem os problemas de cada unidade.
A falta de continuidade da gestão dos tribunais, que é de dois anos também é vista como um agravante pelo grupo de estudo. O CNJ acabou de publicar uma resolução neste sentido, com regras para grupos focados na fase de transição das chefias.
Índices econômicos
A pesquisa constatou que quanto maior o valor do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano e do PIB (Produto Interno Bruto), maiores são também o número e juízes, os valores gastos e também de casos novos e da carga de trabalho. Constatou-se que quanto maior a movimentação econômica, as condições de renda e educação, mais a população recorre à Justiça. O estudo se concentrou na Justiça Estadual, que recebe 76% dos processos.
A discrepância dos números entre os estados demonstra apenas a falta de uniformidade na gestão dos tribunais. No grupo de IDH baixo, por exemplo, a média é de 5 mil casos novos por 100 mil habitantes. Mas o número é puxado pelo Acre que acumulou mais de 10 mil novos processos, muito por conta do grande número de casos que ingressam nos Juizados Especiais. Entre os estados com índice de IDH considerado alto, quem se destaca é o Distrito Federal. O estado gasta 97% do seu orçamento com pessoal. De acordo com Maria Tereza, o Distrito Federal goza de um alto orçamento e, por isso, o número.
Ao comparar a taxa de analfabetismo, a discrepância de dados continua. Por isso, a professora informa que a pesquisa “não conseguiu enxergar uma relação entre desigualdade social e ingressos de casos novos?. Segundo o ranking criado, quanto menor o grau de analfabetismo, maior é o número de casos novos. Os estados que menos acionam a Justiça são o Pará, o Ceará, Alagoas e Piauí. Mas a conclusão se perde ao constatar que o Pará que tem uma alta taxa de analfabetismo (12%) tem baixo número de processos.
Segundo Maria Tereza, é importante lembrar que a análise dos dados foi prejudicada pelos fatos de os tribunais não terem dado baixa a 5 milhões de processos que já foram julgados.
Esforços concentrados
De acordo com o grupo, os esforços do CNJ estão no caminho correto. As 10 metas estabelecidas forçam os tribunais a melhorarem a sua gestão. ?Todo mundo dá destaque para a Meta 2, que pretende julgar processos acumulados, mas pouco a imprensa se dá conta das metas que prevêem a informatização total da Justiça até o fim de 2010?, explica Gervásio dos Santos, coordenador da campanha.
?Eu trabalho desde 1990 estudando o Judiciário e nunca vi iniciativas como as do CNJ, que está publicando resoluções e dando metas que obrigam o Judiciário a se modernizar. É também inédito ter desembargadores e juízes afastados?, afirma Maria Tereza. Na visão dela, outra grande evolução é uma Associação de classe se preocupar em estudar mais profundamente as causas da má imagem da Justiça na ótica da população.