Carta retalhada
- 870 Visualizações
- 13-10-2009
Opinião Pág. 02 11.10.2009
As soluções postergadas para os conflitos que margearam os trabalhos de elaboração da Constituição Federal de outubro de 1988 continuam a produzir efeitos nocivos 21 anos depois de sua promulgação. O Congresso Nacional se depara com 1.300 propostas de emenda constitucional, modificando, principalmente, dispositivos aceitos à época somente para não retardar os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte quando de sua efetivação.
Fruto dessa montanha de propostas, pelo menos 58 PECs já modificaram o corpo original da Constituição. Dessa forma, os parlamentares estão acomodando seus interesses pela única via permitida: a da emenda constitucional. E mais não propuseram porque os líderes mais influentes em 1988 conseguiram incluir no texto as cláusulas pétreas que salvaguardam seus princípios fundamentais e, portanto, inalterados por emenda.
Na Câmara, tramitam 934 emendas de iniciativa parlamentar, enquanto no Senado há, em andamento, 407 outras. Não fora a lentidão dos trabalhos legislativos, especialmente na última década, essas proposições estariam incorporadas à Carta Magna, destacando-se as patrocinadas por parlamentares treinados na arte do impossível. Os temas essenciais não avançam; os oportunistas transitam com a velocidade resultante da força dos grupos de pressão.
A reformulação do sistema tributário e do sistema político lidera o número de propostas e também de divergências. A reforma tributária, a mais significativa para a reafirmação do pacto federativo, esbarra em interesses regionais intransponíveis, causados pela diversidade do processo de desenvolvimento nacional. Entre a partilha dos tributos, o ICMS – o mais expressivo imposto dos Estados – jamais alcançará o almejado consenso. As regiões produtoras e, consequentemente, detentoras de maiores receitas fiscais, não abdicarão desse direito em favor das áreas consumidoras. A proposta tecnicamente recomendável sugere o recolhimento do tributo no seu destino, ou seja, na região do consumo. Os Estados produtores insistem em continuar arrecadando-o por ocasião da fase inicial de sua comercialização, mesmo diante da promessa da instituição de um fundo equalizador de receitas. Esse encontro de contas é tido como improvável. Os recursos constitucionais, consignados para os programas de desenvolvimento regional, também dividem os governos, inviabilizando, desse modo, o revigoramento das agências como a Sudene e a Sudam. Sem consenso, o governo central tende a protelar a questão, esperando a oportunidade ideal para desmontar as resistências. Enquanto isso, os projetos de desenvolvimento regional sofrem o ônus do desentendimento. Mas a Constituição de 1988 não gerou só os conflitos expostos na corrida das PECs. Ela trouxe, de fato, a segurança jurídica, a normalidade das instituições, a consagração dos direitos humanos, a certeza das garantias individuais. Em alguns aspectos, como na Previdência Social, apresenta mudanças questionáveis pelo retrocesso imposto aos aposentados. Mas, no todo, ela traduz as aspirações de quantos foram às ruas lutar pelo retorno da democracia.