Vozes da Liberdade: Como o projeto beneficia a vida de mulheres egressas do Sistema Prisional
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- 24-06-2024
Luís Carlos Batista
Estagiário da Assessoria de Comunicação do TJCE
“O Vozes da Liberdade é muito importante pra mim porque, quando estou com elas, eu me sinto uma mulher empoderada, mais forte e mais guerreira, sinto que não estou abandonada. As pessoas se preocupam conosco, lá nós somos tratadas de forma igual. Isso é muito importante. Todo acolhimento, atenção e acompanhamento. No momento que eu mais precisei, foram elas que me ajudaram. Por isso, eu tenho orgulho e amo o Vozes da Liberdade!”.
Essas palavras são de Alessandra Nascimento da Silva, de 27 anos, camareira, egressa do Sistema Prisional e participante do “Vozes da Liberdade”. Antes de se aprofundar na história de Allêh, como é carinhosamente chamada pelas amigas, é essencial conhecer as finalidades e as atividades desempenhadas no projeto que tem transformado vidas.
A iniciativa faz parte do Programa “Um Novo Tempo”, fruto de parcerias firmadas entre o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) e instituições públicas e privadas. A realização é feita pelas Varas de Execução Penal de Fortaleza, responsáveis pela ressocialização de apenados e egressos. No caso do “Vozes da Liberdade”, a ação ocorre em conjunto com o “Grupo Mulheres do Brasil”, organização fundada há mais de 20 anos por mulheres comprometidas com a transformação social e empenhadas na mobilização feminina como instrumento para construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. A atuação abrange diversas áreas, com atenção especial à saúde, educação e cidadania.
Ao longo dos anos, devido à complexidade e diversidade dos problemas nas regiões do país, foram desenvolvidos núcleos para atender às demandas das comunidades locais. No Ceará, a organização passou a frequentar os presídios e, a partir da produção de objetos artesanais, fomentou uma cultura de ressocialização. No entanto, com a chegada da pandemia da Covid-19, o esforço foi interrompido e foi nesse contexto que o grupo recebeu uma nova missão para continuar transformando vidas.
“Nós, enquanto Grupo Mulheres do Brasil, entramos primeiro no sistema penitenciário ensinando artesanato. Uma conscientização que era preciso ajudar aquelas pessoas. Foi um sucesso! Mais tarde, com a pandemia, fomos impedidas de frequentar esse espaço e recebemos um pedido para pensar como poderíamos acolher as mulheres que estavam saindo, ganhando a sua liberdade. Então, percebemos, a partir do perfil das egressas, como elas estavam num momento de vulnerabilidade, afastadas das famílias, sozinhas e sem recursos. Assim, nós optamos por acolher essas mulheres e, assim, nasceu o Vozes da Liberdade”, recorda Annette de Castro, líder do núcleo.
O “Vozes da Liberdade” iniciou as atividades em setembro de 2021 com cursos de capacitação, como o método da renda tenerife, uma técnica de origem europeia que cria desenhos circulares ou florais a partir de fios. Os valores arrecadados com a venda dos produtos são destinados às mulheres. O programa ainda abrange vítimas de violência doméstica e outras pessoas em situação de vulnerabilidade social.
De acordo com Cleide Maria da Ponte, coordenadora do projeto, o objetivo é “promover a reinserção dessas mulheres na sociedade, fomentando a empregabilidade e oferecendo uma rede de apoio que inclui educação em direitos, acompanhamento psicológico e jurídico. Essa iniciativa visa o resgate da dignidade e da autoestima, criando um ambiente propício para a construção de uma nova vida”.
Allêh foi apresentada ao projeto nesse cenário. Diante de adversidades econômicas e sociais vivenciadas após o cumprimento da pena, suas amigas lhe apresentaram o “Vozes da Liberdade”. “A minha jornada antes do Vozes, foi muito difícil… eu tinha acabado de sair do sistema penitenciário e, naquele momento, não tinha onde morar, um canto certo. Não foi nada bom. E eu conheci o projeto através das minhas amigas Mônica e Camila, hoje minha companheira. Elas diziam, por ver outras meninas participando, que era muito bom. Nisso, nós conseguimos entrar e foi maravilhoso!”, relembra a camareira.
Assim que iniciou sua participação, Allêh passou a morar em Maracanaú, com a avó, e precisava percorrer pouco mais de 22 km para participar das atividades, em Fortaleza. “Algumas vezes pensei em desistir, porque o trajeto era longe da minha casa. Mas minhas colegas me ajudaram demais. Eu até dormia na casa delas para não perder nenhuma aula”, relata.
Durante sua trajetória, Allêh mergulhou nas atividades com entusiasmo e dedicação. Ao aprender a técnica da renda tenerife, descobriu uma nova paixão. Suas mãos passaram a tecer delicadas rendas que viraram sustento, além símbolos de mudança, resiliência e reconstrução. “O artesanato impactou demais na minha vida porque foi logo quando eu tive um abordo e perdi o bebê. O tenerife me ajudou bastante. Eu não queria ir ao hospital e nem conversar com ninguém. Eu me dediquei à renda, foi uma terapia”, afirma.
O sucesso de Allêh no programa foi tamanho que, após concluir o ciclo como estudante, ela se tornou instrutora. Agora, ajuda outras mulheres a se reerguerem e a traçarem novas jornadas. “Eu sempre digo, meninas nós somos guerreiras. É complicado, mas nada é impossível para quem tem Deus. Nós temos jeito sim! Isso depende de nós. Você está com a caneta e o papel na mão, agora escreva uma nova história. Nós nascemos para vencer!”, concluiu com altivez.
As dificuldades enfrentadas pelas egressas são desafiadoras, abrangendo desde a estigmatização social até a falta de oportunidades de trabalho. Por vezes, essas mulheres encontram-se isoladas do convívio familiar, sem recursos econômicos e com poucas perspectivas de recomeço. A reintegração social e profissional torna-se um caminho árduo, marcado por preconceitos e barreiras estruturais. É nessa conjuntura de adversidades que o projeto emerge como espaço de esperança, dignidade e acolhimento.
SÓ É POSSÍVEL RESSOCIALIZAÇÃO COM OPORTUNIDADES
Gleicinha Ferreira da Costa, de 36 anos, conheceu o “Grupo Mulheres do Brasil” durante seu período de detenção. Enquanto cumpria pena, ela se envolveu com as produções artesanais e se destacou, sendo considerada por Cleide Maria da Ponte como “um case de sucesso”. A relação dela com o “Vozes da Liberdade” começou após a saída do regime fechado, quando foi convidada para atuar como monitora.
“O que mais me motivou foi a oportunidade de ensinar. Uma experiência nova na minha vida. A minha relação com as alunas é ótima. São mulheres guerreiras e com histórias marcantes. Tento sempre ensiná-las e motivá-las a seguir um caminho melhor, mesmo sabendo que cada trajetória possui as suas diferenças”, afirma Gleicinha.
A monitora elogia o “Vozes da Liberdade” por proporcionar a reintegração dessas mulheres na sociedade e no mercado de trabalho. Para ela é importantíssima a existência de organizações preocupadas em acolher e empoderar. “O projeto é uma oportunidade única, uma luz no fim do túnel. O que essas mulheres precisam é de uma chance, um voto de confiança. Isso muda tudo na vida de uma pessoa”, conclui.
JUDICIÁRIO CEARENSE E O COMPROMISSO COM UMA SOCIEDADE MAIS SUSTENTÁVEL
Durante o mês de junho, em alusão ao Dia Mundial do Meio Ambiente, o TJCE, por meio do Núcleo Socioambiental, abriu as portas do Fórum Clóvis Beviláqua (FCB) para receber exposições de artesanato feitas por iniciativas voltadas à economia criativa e à sustentabilidade, como o “Vozes da Liberdade”.
A supervisora do Núcleo, desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira, explica que, embora as pessoas “relacionem essa data dedicada ao meio ambiente com ações diretamente ligadas à natureza, o Tribunal optou por fomentar iniciativas para além da preservação. Neste ano, nós abordamos a conscientização ambiental com o plantio de uma horta feito por crianças da Creche-Escola do Poder Judiciário. Contudo, também estimulamos o empreendedorismo social a partir da feira de produtos recicláveis, desenvolvidos por artesãs locais e em situação de vulnerabilidade social. Essa postura reforça o compromisso da Justiça cearense com uma sociedade mais sustentável do ponto de vista ecológico e da inclusão social”.
Os outros participantes da mostra foram o “Reciclocidades”, da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), a Associação dos Agentes Ambientais Rosa Virginia, o Instituto Consolidária e a Associação Giro Social.