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Vida nova: Projeto Vozes da Liberdade transforma histórias de mulheres em Fortaleza

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Repórter: Fernanda Aires
Jornalista da Assessoria de Comunicação do TJCE

 

“Há dois anos, vivi um ciclo de violência doméstica. Meu filho, que hoje tem três anos, sofria comigo. Mas estar aqui, nesse projeto, é uma chance de levantar a cabeça e viver de novo. Quero minha independência, criar meus filhos em um lugar melhor. O que passou, ficou lá. Agora é vida nova. É só sucesso, se Deus quiser”.

Ela não diz o nome. Mas seu olhar, firme e doce, fala de coragem. Sua voz carrega uma vida marcada por dor, mas também esperança. E é essa esperança que encontra abrigo no projeto Vozes da Liberdade, criado para transformar histórias — e vidas. A iniciativa é resultado da parceria entre o Poder Judiciário estadual, através do Núcleo de Apoio às Varas de Execução Penal (Nuavep) da Comarca de Fortaleza, e o Grupo Mulheres do Brasil.

Chegando à sua sétima edição, o projeto acolhe mulheres egressas do sistema prisional e em situação de vulnerabilidade social, com a missão de restaurar o que o tempo, a violência ou o abandono tentaram destruir. O que acontece ali vai além da qualificação técnica. É um reencontro com a dignidade. Um caminho de volta para si.

“O Vozes da Liberdade é muito importante pra mim porque, nesse tempo que estou com elas, me sinto uma mulher empoderada, mais forte e mais guerreira. Sinto que não estou abandonada. Nós somos tratadas de forma igual. E hoje, no momento que mais preciso, são elas que me estendem as mãos. Por isso, eu tenho orgulho e já amo o Vozes da Liberdade!”.

O desabafo é de uma das participantes da nova turma do Vozes da Liberdade. Egressa do sistema prisional, ela pretende, após o aprendizado no curso de renda Tenerife, conquistar a independência financeira e se tornar uma mulher empoderada e fortalecida.

 

Projeto acolhe mulheres egressas do sistema prisional e em situação de vulnerabilidade social

 

Para além da qualificação, o projeto representa uma ponte entre o passado difícil e um futuro possível — uma reconstrução que passa pela autoestima, autonomia e, sobretudo, pela oportunidade. “Trabalhamos com formação humana e cidadania. As mulheres têm momentos de reflexão sobre a vida, sobre violência contra a mulher, sobre saúde feminina. Também recebem formação prática, com o ensino da renda Tenerife, que tem uma demanda real do mercado”, explica a supervisora do Nuavep, Silvana Cavalcante.

A supervisora salienta que as monitoras são, em sua maioria, mulheres que já passaram pelo Vozes da Liberdade. “Elas se reconhecem umas nas outras e constroem pontes de reconstrução. São mulheres ajudando a reconstruir outras mulheres. A gente acredita muito nisso”.

O projeto já possibilitou que mais de 100 mulheres conseguissem reconstruir a vida, entrelaçando fios a esperança. Nesta edição, 13 estão participando da jornada. “Não buscamos quantidade, mas qualidade no processo. Queremos preparar bem cada uma delas para que tenham êxito”, reforça Silvana.

No primeiro encontro, realizado nesta terça-feira (08/04), elas tiveram um momento com a palestrante motivacional Lívia Vasconcelos, que abordou o tema “O que é realmente difícil pra você?”. Diagnosticada com uma síndrome rara quando ainda tinha três anos de idade, ela falou sobre as dificuldades superadas e motivou as mulheres a traçarem o próprio caminho.

 

Lívia Vasconcelos é palestrante motivacional

 

 

RENDA, AUTONOMIA E DIGNIDADE

A idealizadora do Grupo Mulheres do Brasil, Annete de Castro, resume bem o impacto do projeto: “O Vozes da Liberdade é completo. Acolhe, cuida da autoestima, ajuda a gerar renda. Trabalhamos com empresas para comercialização das rendas e já capacitamos mulheres para pintura predial. Algumas já estão nas comunidades aplicando o que aprenderam”.

Para Annete, o trabalho em equipe é fundamental. “Usamos todos os nossos comitês — saúde, educação, cultura de paz. E cada voluntária que entra se sente parte de algo maior. Ver a transformação rápida de quem chega, nos faz querer continuar”.

 

Annete de Castro reforça a importância do projeto realizado em parceria com o Judiciário

 

Nos depoimentos das participantes, a esperança se mistura à vontade de crescer. “Esse curso é um recomeço. Sinto que agora sou capaz de criar minha filha sem estar aprisionada. Nunca fui presa, mas vivia em uma prisão. Hoje quero ensinar pra minha filha que ela pode ter autonomia, viver livre. Esse passo é por mim, mas também por ela”.

Outra mulher, egressa do sistema penitenciário, revela o desejo de aprender para ter uma fonte de renda. “Já fiz um curso de pintura e gostei muito. Agora quero aprender mais e passar o conhecimento adiante. A pior coisa é depender de homem. Quero meu dinheiro, minha liberdade. Meu sonho é montar algo em casa, vender, ser dona de mim”.

Há também quem pense nos filhos como motivação maior. “Quero dar um bom estudo pra minha filha, que sonha em ser enfermeira. Meu filho é autista. Quero criar os dois com dignidade. Mesmo depois da pena, espero que existam outras oportunidades. Isso aqui me faz acreditar”, afirma mais uma participante.

 

RECOMEÇAR É POSSÍVEL

A iniciativa é a prova viva de que ninguém deve ser definido apenas pelo seu passado. “A gente precisa dar essa oportunidade. A transformação é possível, mas a pessoa precisa querer. Quando a gente vê os resultados, vê como elas chegam e como rapidamente se transformam, a gente quer fazer mais. Porque às vezes, tudo o que elas precisam é de uma chance”, finaliza a fundadora do grupo Mulheres do Brasil.

O Vozes da Liberdade segue sendo essa chance. Um espaço de escuta, acolhimento, aprendizado e renascimento. Onde a liberdade não está apenas na rua — mas, sobretudo, dentro de cada mulher que decide recomeçar.

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