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Um Dia da Criança sem nada para comemorar

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11.10.2010 polícia
Caso Alanis: menina foi morta aos 5 anos de vida. Para a família, a dor e saudade
A cada dia, meninos e meninas tornam-se vítimas da violência que cobre de luto a vida das famílias cearenses
Amanhã, 12 de outubro, enquanto muitas crianças receberão presentes e irão desfrutar de alegres passeios com os pais, outras famílias de Fortaleza e da sua região metropolitana terão motivos de sobra para não sorrir, mas para chorar. São pais, mães, irmãos de crianças que foram arrastadas pela onda da violência armada que se abateu sobre a Capital cearense nos últimos quatro anos.
Elas foram raptadas, espancadas, estupradas e assassinadas pelos seus algozes ou tombaram vítimas de balas perdidas. A Reportagem constatou que, pelo menos 11 crianças, com idades entre dois e 12 anos, foram mortas brutalmente na Grande Fortaleza desde o começo do ano, contra cinco casos em 2009. E o pior, a maioria dos assassinos e estupradores estão à solta, gozando da impunidade e fazendo aumentar a dor no peito dos pais das vítimas.
Violência
Crimes contra a infância, porém, não se limitam à Grande Fortaleza. Também no Interior do Estado crianças são vítimas da violência, do descaso do Estado, da fragilidade da lei e da falta de proteção das autoridades da Segurança Pública e da própria Justiça.
Os casos são até poucos em comparação à avalanche de assassinatos, assaltos e outros delitos considerados graves. Mas, quando acontecem, provocam clamor público, afinal de contas, as vítimas são pequeninas, que não têm como proteger-se ou reagir diante do criminoso.
Foi assim que aconteceu com a menina Alanis Maria Laurindo de Oliveira, que tinha apenas 5 anos de vida e tornou-se vítima de um maníaco sexual que, há 10 anos, praticara um delito semelhante, foi preso, julgado, condenado, recebeu benefício da Justiça e acabou fugindo. Só voltou para a prisão após cometer seu segundo crime.
Assim como a pequena Alanis, muitas outras crianças tiveram a vida interrompida de forma brutal.
Tráfico
Foi o caso da estudante Fernanda de Melo Souza, 12, que, no dia 12 de dezembro de 2009 sumiu misteriosamente no trajeto entre sua casa e a escola, no bairro Vila União, nesta Capital. Dias depois, seu corpo foi encontrado em um matagal, no Município de Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza. O cadáver da garota estava em completo estado de decomposição. Somente este ano, o mistério em torno da identidade da vítima foi dissipado, quando a Perícia Forense do Estado divulgou o resultado do exame de DNA realizado no que restou do corpo de Fernanda, comprovando que era realmente a garota desaparecida. As pistas levaram a Polícia a desconfiar que o raptor e assassino seria um vigia de rua que trabalhava de moto nas proximidades da casa da avó da menina.
Carnaval
Outra vítima da violência foi a pequena Neyle Moara da Costa Sena, que tinha apenas dois anos de idade quando foi assassinada por um grupo de traficantes na comunidade Planalto Vitória, no bairro Siqueira, na noite de sábado de Carnaval. Moara foi atingida a tiros por bandidos que resolveram invadir aquela comunidade para vingar a morte de um comparsa ocorrida três horas antes.
Os atiradores protagonizaram uma chacina em que três inocentes foram mortos. Além da menina, eles mataram também um líder comunitário e uma dona-de-casa. Recentemente, a mãe da menina também foi morta.
Outro caso de violência contra a infância aconteceu no bairro Álvaro Weyne, na zona oeste de Fortaleza, no dia 16 de fevereiro, quando o corpo da pequena Liliane dos Santos Silva, de apenas 2 anos, foi encontrado pela Polícia. A menina havia sido violentada e estrangulada pelo padrasto, que acabou morto dias depois.
São muitos os casos de crianças vítimas de crimes sexuais. Mas há também os crimes praticados por outros motivos, como os tiros acidentais e os casos de balas perdidas. Um exemplo disso aconteceu há duas semanas, no Conjunto Palmeiras, quando o garoto Josias de Oliveira, 7 anos, foi baleado quando uma gangue interrompeu uma partida de futebol para matar um desafeto.
No confronto entre gangues, balas perdidas acabam atingindo garotos nas ruas da periferia de Fortaleza
INFÂNCIA PERDIDA
Abusos e exploração na lista dos crimes
Não são apenas os casos de assassinato que engrossam as estatísticas da violência contra crianças e adolescentes no Ceará. Há também os constantes registros de abusos sexuais e a exploração para fins de tráfico humano ou prostituição. As vítimas também são levadas ao envolvimento com delitos como furtos, roubos e venda de drogas.
Neste triste cenário de violência, as autoridades ainda se deparam com os episódios de maus-tratos, abandono (material e intelectual), agressões em família, abusos sexuais e exploração como mão-de-obra barata, ou trabalho infantil.
Segundo dados de órgãos especializados, a violência contra crianças só tem aumentado nos últimos 10 anos no País. Em Fortaleza, as delegacias de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dececa), e da Criança e do Adolescente (DCA) atuam nas duas vertentes de delitos sofridos ou praticados por menores, respectivamente. As estatísticas levam a números estratosféricos.
Operações de combate à exploração sexual de crianças vêm sendo feitas constantemente pelo Gabinete de Gestão Integrada (GGI) da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), em conjunto com outros organismos como o Escritório de Combate ao Tráfico de Seres Humanos (ECTSH), polícias Civil, Militar e Federal, além dos Conselhos Tutelares e, ainda, Juizado da Infância e da Adolescência e Ministério Público. Somente neste ano, pelos menos três quadrilhas que atuavam neste tipo de delito foram desarticuladas no Ceará.
Força-tarefa
A mais recente investida policial contra os exploradores de crianças e adolescentes mobilizou uma força-tarefa encabeçada pela delegada Ivana Timbó, titular da Dececa, e resultou no cumprimento de 86 mandados de busca e apreensão e 40 mandados de prisão contra acusados de abusos sexuais – pedofilia. Seis pessoas foram detidas e levadas para o presídio.
FAMÍLIAS ENLUTADAS
Sofrimento pela perda e impunidade
“Restou a saudade”.
É assim que os familiares da pequena Alanis Maria expressam-se ao falar da criança que teve uma morte violenta em Fortaleza, na noite de 8 de janeiro. De resto, o consolo de que o autor do crime, Antônio Carlos Xavier, o ´Casim´, foi julgado pela Justiça e condenado a 31 anos de cadeia.
Mas, nem sempre as histórias de violência contra as crianças terminam com a devida punição dos acusados. Na maioria dos episódios, as famílias amargam a dor duplamente, pela perda brutal de seus pequeninos e pela impunidade do assassino.
Um exemplo disso foi um duplo assassinato que chocou os moradores da Rua Abílio Farias, no bairro Planalto Pici, nesta Capital, na manhã do dia 3 de fevereiro passado, quando uma dona-de-casa foi encontrada morta junto com o filho, o pequeno Emerson Teixeira da Silva, 8 anos.
Mistério
Ivânia da Silva Teixeira e seu filho Emerson foram encontrados estrangulados dentro de casa. A Polícia suspeita que o duplo assassinato tenha sido praticado pelo ex-companheiro de Ivânia, mas, até hoje, ele não foi encontrado pelas autoridades.
Outro caso que chamou a atenção da opinião pública aconteceu na noite de 9 de abril, no bairro Vila Velha, também na zona oeste da cidade. Um garoto, de apenas 11 anos de idade, sumariamente eliminado por ordem do tráfico. Tratava-se de Francisco Jair Silva de Oliveira, que morava na Avenida D daquela comunidade.
Baleado na cabeça, o garoto foi socorrido pela mãe e vizinhos, sendo levado para o hospital ´Frotinha´ de Antônio Bezerra, mas não resistiu.
No dia seguinte, a Polícia fez um grande cerco na área em busca de localizar o criminoso. Um adolescente acabou identificado como autor do assassinato. Em depoimento no 17º DP (Vila Velha) ele contou ao delegado José Lopes Filho que o crime decorreu de uma inimizade, negando o envolvimento do tráfico. Mas, a história da curta vida do menino Jair repete a de muitas outras crianças e adolescentes de Fortaleza. A mãe dele, Rosimeire Silva Oliveira, não escondeu que o filho fosse usuário de drogas.
Enquanto aguardava a liberação do corpo da criança no Serviço de Verificação de Óbito (SVO), em Messejana, Rosimeire deu entrevista à Reportagem. Mas contestou a versão da Polícia de que o menino fosse um ´avião´ dos traficantes daquele bairro. “Tentei interná-lo, mas não consegui. Quis tirá-lo das drogas, mas fracassei”, disse a mãe com lágrimas no rosto.
Em casa
Outra vítima da violência foi o pequeno Guilherme César Nogueira da Silva, 3. Ele acabou sendo morto com um tiro na cabeça quando encontrava-se deitado ao lado da mãe, na Granja Portugal. O crime foi praticado por um homem que invadiu a casa para matar Michael Correia de Lima, 24, que já estava baleado e buscava abrigo.
Fique por dentro
Lei protege
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi instituído no Brasil a partir da lei federal de número 8.069, de 13 de julho de 1990. Após 20 anos de vigência no País, ele ainda é motivo de polêmica entre legisladores. O Estatuto garante, como direito fundamental, a proteção à vida e à saúde. E diz ainda, que: “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
FERNANDO RIBEIRO
EDITOR DE POLÍCIA