Servidora do Judiciário cearense utiliza serviço social e música para combater a violência contra a mulher
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- 23-08-2021
Francisco José Rosa, Jornalista
O enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher deve ocorrer de forma multidisciplinar, ou seja, com esforços de várias áreas do conhecimento. É o que você acompanha na quinta reportagem da série “Justiça pela Mulher”, por meio do trabalho da assistente social Jord Guedes, que utiliza a arte como fonte de reflexão e empoderamento feminino
Como assistente social, Jord Guedes faz parte do Judiciário cearense desde 2011, após aprovação em concurso público. Iniciou a carreira no Juizado da Mulher de Juazeiro do Norte, na Região do Cariri. Depois, ela veio trabalhar em Fortaleza, onde hoje atua no 1º Juizado da Mulher, com profissionais do Direito, do Serviço Social e da Psicologia, entre outros. Em paralelo a essa atuação, tem realizado uma importante ação para auxiliar, amparada à sua veia artística, no enfrentamento contra a violência de gênero.
“Vejo a violência doméstica como a expressão mais severa da desigualdade entre os gêneros e da sociedade patriarcal, com seus valores, muitos privilégios ao masculino e muitas restrições ao feminino. Isso vem mudando. Prova disso é a Lei Maria da Penha e outras, a inserção da mulher no mercado de trabalho. Mas, apesar de tudo isso, em pleno século 21, as mulheres ocupam os mesmos espaços e ganham menos; a violência contra nós mulheres ainda é muito exacerbada, ainda é muito grave”, avalia a servidora.
Pela formação em Serviço Social, Jord Guedes atua em equipe com a psicóloga Inês Reis nas demandas judiciais (processos), nas quais a juíza Rosa Mendonça profere despacho para que sejam realizados estudos, com metodologia de visitas e atendimento. O resultado final é emitido por meio de relatório e parecer. Esse procedimento é necessário, normalmente, diante da solicitação de medidas protetivas, representando uma assessoria à magistrada.
Jord Guedes trabalha também com as chamadas demandas espontâneas, que chegam à equipe multidisciplinar sem passar, necessariamente, pela juíza. “São casos de mulheres que têm processo no Juizado ou de pessoas que não têm, mas querem alguma orientação”, explica. Um desdobramento desse trabalho é voltado para as vítimas que pedem o arquivamento do processo. Existe metodologia de atendimento individual e privativo, com escuta e preenchimento de formulário. “Ao final do ano, é feito o perfil da mulher atendida, com idade, escolaridade, se tem filhos, se está em relacionamento com o agressor, uma série de dados. É feita reflexão com elas sobre o ciclo da violência, o que diz a lei sobre os tipos de violência, projeto de vida delas.”
A LEVEZA DA MÚSICA LEVA À REFLEXÃO
As mulheres que pedem o arquivamento dos casos são encaminhadas para dois grupos: um coordenado por Jord Guedes e o outro pela psicóloga Inês Reis. “Eu criei o projeto Ressignificarte, porque também sou cantora e compositora. É justamente a música popular brasileira como fonte de reflexão. Utilizamos canções desde o começo do século XX até os dias atuais. Por meio do debate sobre as letras, a gente faz reflexões sobre ciclo e tipos de violência, sociedade patriarcal, empoderamento da mulher e possibilidade de superação”, destaca a assistente social.
Por conta da pandemia do novo coronavírus, o projeto está impossibilitado de ser realizado, mas a previsão é voltar quando as condições sanitárias permitirem. “Entre os exemplos de músicas já trabalhadas no grupo estão ‘Mulher indigesta’, de Noel Rosa, que tem refrão absurdo, mas foi cantada durante muito tempo; e ‘Maria da Vila Matilde’, de Elza Soares, que questiona e denuncia a violência”, assegura.
A pesquisa do repertório a ser utilizado é feita com base em levantamento prévio sobre o perfil da mulher que está desistindo do processo, como o crime alegado no boletim de ocorrência, a violência sofrida. “São músicas que podem incitar, legitimar, a violência, como podem questionar, empoderar a mulher. Se a maioria sofreu violência psicológica, tem uma muito emblemática que chama muito a atenção das mulheres porque elas dizem que sempre escutaram, mas não tinham visto dessa forma, que é ‘Ciúme de você’, de Roberto Carlos. O rapaz fala da roupa da mulher, do telefone que não para de tocar. Tem toda uma questão do controle psicológico, que inclusive hoje é crime baseado no Código Penal.”
A finalidade do Ressignificarte é fazer com que a mulher tome consciência dos direitos. “O prazo entre a denúncia e o arquivamento é muito curto. Pela questão do ciclo da violência, a mulher acredita que o agressor vai mudar, quer dar uma chance, muitas vezes se sente culpada porque o denunciou. É muito difícil uma mulher denunciar na primeira vez que sofreu violência e que se tem alguém que deve sentir culpa não é ela. Se ela tem o desejo de retomar o relacionamento, não estamos aqui para dizer sim ou não, mas o nosso papel é fazer toda essa reflexão sobre a violência.” Veja abaixo trecho da música de autoria de Jord Guedes sobre violência doméstica.
A ARTE TORNA SUAVE O FARDO
“É preciso que a todo instante a sociedade esteja trabalhando o tema, não apenas na lei, na punição, que é muito importante, mas na esfera da prevenção, dos valores para que a gente possa mudar mentalidades. Acho que meu trabalho ajuda de uma forma prática nesse sentido, como assistente social que está nessa lida, mas também ajuda de forma mais abstrata, dessa reflexão, desse pensamento sobre a violência, de como a mulher se insere no mundo, com esse viés sob a perspectiva da arte, que mexe com o lúdico, com algo que pode fazer com que um assunto pesado, severo, grave, se torne mais leve do ponto de vista da reflexão e de que isso pode ser superado”, assegura Jord Guedes.
Ouça abaixo, na íntegra, áudio da marchinha vencedora do concurso Benfolia.
A cantora e compositora, desde 2005, faz trabalho solo, com banda, tendo feito shows em Fortaleza e fora do Ceará. Lançou disco em 2015, aqui no Estado, e em 2016, durante apresentação em Portugal. “Meu trabalho artístico é muito influenciado por questões de gênero, feminismo, luta pelos direitos das mulheres e ele também influencia meu trabalho no Juizado. Tanto que trouxe esse projeto. Canto em eventos no Juizado e sempre tento fazer esse link entre arte e serviço social com a luta pelos direitos das mulheres.”
MARCHINHA VENCEDORA
Autora de letra de marchinha, Jord Guedes foi a vencedora do Concurso de Marchinhas do Benfolia, em 2020, com a música “Não Perca o Ritmo, Acerte o Passo”. A premiação foi um troféu e quantia em dinheiro. Também tiveram participação na composição da letra Paula Bessa e Mona Mendes.
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