Presidente nacional da OAB diz que magistrados precisam trabalhar mais
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- 29-04-2009
29.04.09
Fortaleza (CE), 29/04/2009 – Na abertura da terceira edição do projeto O povo quer saber, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, discutiu o tratamento dado pela Justiça a ricos e pobres e fez uma análise do sistema judiciário brasileiro sob os seus mais variados aspectos. Abrindo a terceira edição do projeto O povo quer saber, transmitido na manhã de ontem pela rádio “O Povo/CBN”, o presidente nacional da entidade dos advogados criticou a morosidade da Justiça e a briga entre os ministros do Superior Tribunal Federal (STF), propôs mudanças nos critérios de escolha dos membros da Corte e até cobrou que os magistrados do país trabalhem mais.
Britto também tentou desmistificar a ideia de que a Justiça brasileira favorece somente os ricos e pune os pobres. Para isso, quebrou a perspectiva classista das decisões argumentando que as pessoas com melhor nível financeiro que cometem crimes estão em liberdade porque possuem bons advogados, ao contrário da maioria da população brasileira. “Os ricos não estão soltos porque têm advogado. Os pobres estão presos porque não têm advogado”, disse ele, que enfatizou ainda a importância do fortalecimento das defensorias públicas.
O mote para o debate, como não poderia deixar de ser, foi a troca pública de farpas entre o presidente do STF, Gilmar Mendes, e o ministro Joaquim Barbosa. O primeiro, acusado de estar mais voltado ao interesses de setores com maior poder aquisitivo. O outro, segundo o próprio Gilmar Mendes, julgaria de forma diferenciada questões que envolvem pessoas mais pobres. Na última quarta-feira, Barbosa acusou Mendes de estar “destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro”.
Ao comentar o bate-boca e destacar que o Judiciário tem a “nobre função” de ajudar a extinguir as mais variadas formas de desigualdade, o presidente nacional da OAB alertou que caso a Corte Suprema não respeite “os princípios da urbanidade” – sobrepondo, como teria sido o caso, questões pessoais às institucionais -, a população ficará desestimulada a procurar à Justiça. “Divergências pessoais deveriam ser tratadas como pessoais e não como institucionais, como definitivamente foram tratadas naquele episódio lamentável”, criticou.
Apesar de não se posicionar a favor de nenhum dos dois envolvidos na polêmica, Cezar Britto reservou as críticas mais incisivas ao ministro Gilmar Mendes. Para ele, o grande pecado do presidente do STF é se manifestar sobre assuntos polêmicos – e de alto teor ideológico – antes mesmo da própria Corte fazer seu julgamento. Citou como exemplos as ocupações realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e a concessão de refúgio político ao ex-ativista italiano Cesare Battisti. “Isso é compreendido, por uma parte ideológica do Brasil, como uma antecipação de julgamento. Por isso essa politização do Supremo Tribunal Federal”, analisa.
Mandato
Em meio ao momento turbulento no STF, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil defendeu que os ministros do Supremo tenham mandato fixo. A sugestão da Ordem é de que o período seja de dez anos de dez anos. Hoje, os ministros tem cargo vitalício, aposentando-se compulsoriamente quando completam 70 anos de idade. E o período pode aumentar caso seja aprovada pelo Congresso a chamada “PEC da bengala”, que aumenta de 70 para 75 anos a idade para aposentadoria dos ministros. “É preciso que quem interpreta a Constituição tenha uma vinculação muito grande com as mudanças do tempo. As coisas mudam, e a interpretação da Constituição brasileira tem de mudar no rastro da evolução da sociedade”, defende.
Critérios
Sobre o processo de indicação dos membros do Supremo, Britto acredita não ser correto que a pessoa que dá “a última palavra sobre a vida do País” seja nomeada por critérios exclusivamente políticos. “Por isso que é importante nós discutirmos métodos mais corretos de escolha dos ministros do Supremo”, justifica. E acrescenta: “Nós não podemos ficar torcendo que um governante escolha bem”.
Função
Mudanças no papel do STF também foram defendidas por Cezar Britto. Para o advogado, o Supremo precisa ser realmente uma corte voltada exclusivamente para questões constitucionais, e não “mais um tribunal como outro qualquer, abarrotado de processos”. “Deveríamos diminuir as competências do Supremo para que ele possa cuidar tão somente da Constituição brasileira”, sugere. As outras tarefas jurídicas, como homologação de sentenças estrangeiras e julgamento de processos criminais, ficariam a cargo do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para isso, ele acredita que seria necessário um aumento no número de ministros do STJ.
Empenho
Segundo o presidente nacional da OAB, essa montanha de atribuições nas costas do STF seria um dos motivos para a lentidão no julgamento dos processos. Assim, a série de defeitos atribuídos à mais importante instância da Justiça brasileira não teria um caráter pessoal, mas sim estrutural. Ao mesmo tempo, Cezar Britto reconhece que falta um tanto de empenho dos magistrados de instâncias inferiores para dar maior agilidade ao Judiciário. Um dos fatores que influenciam negativamente, por exemplo, seria o fato de muitos juízes não residirem na comarca em que atuam. “É preciso conhecer a vida da cidade, a alma da cidade”. Britto também questiona o brando regime de trabalho dos magistrados. “Por que trabalhar somente terça, quanta e quinta?”, indignou-se, ressaltando que a falta de dedicação influencia na impunidade. E as reclamações não pararam por aí. Para ele, as verbas dos tribunais estão sendo mal aplicadas quando se coloca como prioridade a construção de “prédios suntuosos”. O ideal, na avaliação do advogado, é investir nos concursos para servidores.
Exageros
No entanto, as críticas de Cezar não tiveram como único alvo o Poder Judiciário. Segundo ele, certos “exageros” da Polícia Federal e da própria imprensa estariam prejudicando o andamento de determinados julgamentos, muitas vezes desviando o foco do que realmente motivou toda a ação policial: os crimes cometidos. O presidente da OAB afirma que alertou várias vezes aos membros da Polícia e do Ministério Público que os “15 minutos de fama” poderiam custar muito caro depois. Na avaliação de Britto, a exposição indevida de um acusado pode levar à nulidade do processo judicial. Por isso, defende que os trâmites legais sejam respeitados, mesmo que uma condenação real demore um pouco mais que a condenação moral. Nesse mesmo contexto, Cézar Britto lembra que uma operação mal conduzida pode esconder da opinião pública os crimes cometidos. “Quando você comete o abuso, o abuso vira notícia, e o crime nota de rodapé”, destaca.