PGJ recua e desiste de criar comissão
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- 10-11-2009
10.11.2009 Fortaleza
Demitri Túlio
demitri@opovo.com.br
Cláudio Ribeiro
claudioribeiro@opovo.com.br
Luiz Henrique Campos
lhcampos@opovo.com.br
10 Nov 2009 – 01h11min
A mais nova crise na Segurança Pública do Ceará, dentro da Polícia Civil, provocou divergência em setores da Procuradoria Geral da Justiça do Ceará (PGJ). Depois de ter determinado a criação de uma comissão especial para fazer uma apuração paralela das denúncias de tortura feitas pelo assaltante Otacílio Siqueira de Araújo Júnior, a procuradora geral da Justiça, Socorro França, teve de recuar. Em vez da formação de um Grupo Especial de Atuação Temporária, França cedeu aos argumentos do Controle Externo da Atividade Policial. Ela se restringiu à nomeação de dois promotores para acompanhar, ao lado do também promotor André Karbage, os depoimentos na sede da Superintendência da Polícia Civil.
Na última sexta-feira, pouco antes do meio-dia, estava certo que quatro promotores iriam abrir uma nova investigação. O POVO apurou que Socorro França havia decidido pela formação do Grupo após concordar que a apuração sobre o suposto caso de tortura estaria comprometida por interesses conflitantes envolvendo o superintendente da Polícia Luís Carlos Dantas e os delegados Francisco Cavalcante e Alexandra Medeiros.
Diante da “complexidade“ do caso, das trocas de acusações entre policiais civis, de prejuízos de investigações & inclusive no Ministério Público – e da suposta falta de isenção, a procuradora geral decidiu por uma apuração independente na PGJ. Baseada no artigo 13 do Ato Normativo 01/2007 do Colégio de Procuradores, Socorro França autorizou a nomeação dos promotores André Karbage, Humberto Ibiapina, Régio Lima Vasconcelos e José Gilvander Moreira Costa para formar o Grupo.
O POVO apurou que as denúncias de tortura feitas pelo assaltante Otacílio Júnior seriam investigadas pela PGJ a partir de ontem. O Grupo partiria do zero e correria independente do inquérito que está sendo conduzido pelo delegado Rodrigues Júnior. Rodrigues foi nomeado por Dantas, acusado pelos delegados Cavalcante e Alexandra de acobertar a quadrilha de Otacílio Júnior. Ele é apontado como um dos que tentaram executar Alexandra e sua família.
Com o recuo da PGJ, os dois promotores passarão a frequentar uma sala da Superintendência da Polícia Civil, vizinha ao gabinete de Dantas, para acompanhar os depoimentos.
Federalização
Ontem, Socorro França recebeu o secretário da Segurança Roberto Monteiro para orientá-lo sobre o pedido de federalização das investigações do assassinato do lagosteiro Cláudio Kmentt (2004). Monteiro contou que estuda duas alternativas para encaminhar o pedido. Uma delas seria o chamado “incidente de deslocamento de competência“. Uma solicitação encaminhada ao procurador geral da República que faria o requerimento ao Superior Tribunal de Justiça.
O STJ tem a competência de determinar que a Polícia Federal (PF) entre no caso. A investigação migraria para a Justiça Federal. Para o secretário, o inconveniente seria o tempo de espera para federalizar. A outra opção é fazer o pedido direto para o Ministério da Justiça, requerendo que a PF entre no caso.
CRISE NA POLÍCIA civil – ENTENDA O QUE ESTÁ SENDO INVESTIGADO
1. Atentado: No dia 16 de agosto deste ano, um homem invadiu a casa da delegada Alexandra Medeiros, quando ela chegava com o marido, inspetor Fernando Cavalcante, e dois filhos. O invasor feriu Fernando com um tiro, o casal reagiu e o matou. Um vigilante disse ter visto um carro rondando a casa. Na ocasião, o superintendente da Polícia Civil, Luís Carlos Dantas, esteve no local e disse à imprensa que o ocorrido teria sido uma tentativa de assalto, e não atentado. Alexandra trabalhou em investigações envolvendo policiais e, desde julho, passou a atuar na investigação da morte do lagosteiro Cláudio Kmentt.
> Quem apura: Delegado Ronaldo Melo Bastos. Era da Corregedoria até julho deste ano, quando foi designado para a Delegacia de Acidentes e Delitos de Trânsito para continuar a apuração sobre a morte de Cláudio Kmentt, em 2004. O promotor Sávio Amorim e cinco promotores do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado-GCOC acompanham o caso.
2. Hilux roubada: Quando tirava plantão no Eusébio, no dia 29 último, o delegado Francisco Cavalcante (irmão de Fernando) recebeu queixa do roubo de uma Hilux. O veículo estava escondido dentro de um haras. No local, o caseiro alertou-lhe que o responsável pelo roubo da picape seria uma pessoa envolvida no atentado à família de sua cunhada. No dia seguinte, mais três homens foram presos numa campana com policiais da Coordenadoria de Inteligência (Coin), policiais civis e PMs.
> Quem apura: Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos e Cargas. O flagrante feito na Delegacia do Eusébio foi repassado para a DRFVC, pela natureza da ocorrência policial. O delegado do caso é Rommel Kerth.
3. Tortura: Três assaltantes teriam afirmado a Luís Carlos Dantas, que, sob tortura, foram forçados a apontá-lo como envolvido no atentado sofrido pela família da delegada Alexandra Medeiros. Um exame de corpo de delito, feito no dia 30/10, registrou os presos com lesões surgidas no momento da prisão no Eusébio, chefiada pelo delegado Cavalcante, mas que seriam incompatíveis com tortura. Um laudo seguinte, do dia 4/11, mostra lesões de uma suposta tortura nos presos. Depois da denúncia, o secretário da Segurança Pública, Roberto Monteiro, afastou das funções os delegados Cavalcante e Alexandra e o inspetor Fernando. Os três negam a tortura.
> Quem apura: Delegado Rodrigues Júnior. Atua como assessor de Luís Carlos Dantas na Superintendência. O caso é acompanhado pelo promotor André Karbage, do Centro de Controle Externo da Atividade Policial do MP. Ontem, mais dois promotores foram designados -Humberto Ibiapina e Gilvander Moreira Costa.
4. Morte do Lagosteiro: A morte do exportador de lagostas Cláudio Kmentt, ocorrida em 16 de dezembro de 2004, dentro de sua empresa, na Praia do Futuro, seria o elo da discórdia atual de polícia versus polícia. Hoje é tida como a principal investigação em andamento na Polícia do Ceará, pelo peso dos personagens que estariam envolvidos na trama. O crime teria sido encomendado para ocultar um golpe de exportação de lagosta miúda do Ceará para os EUA. O caso, ainda em aberto desde 2004, teria chegado ao nome de policiais envolvidos. Ontem, o secretário Roberto Monteiro se reuniu com a procuradora-geral de Justiça, Socorro França e confirmou que irá pedir a federalização do caso. Segundo a delegada Alexandra, o grupo de homens presos por Cavalcante no Eusébio teria ligações com acusados na execução de Kmentt.
> Quem apura: Ronaldo Melo Bastos e promotores do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (GCOC).