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Paz no Lar: 9 anos de acolhimento e esperança no combate à violência doméstica

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Aproximar a Justiça das vítimas de violência doméstica, oferecendo um suporte integral às mulheres, é o principal objetivo do “Paz no Lar”. Desenvolvido pelo Poder Judiciário cearense, através do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Maracanaú, o projeto completa nove anos, nesta quarta-feira (12/06), com 3.477 visitas realizadas às casas das vítimas.

“Temos testemunhado um impacto profundo e duradouro nas vidas de muitas mulheres. Esta é mais do que uma comemoração de datas, é uma celebração de histórias, de superação e de esperança renovada”, destaca o juiz César Morel Alcântara, titular do Juizado da Mulher de Maracanaú e gestor do “Paz no Lar”.

O magistrado explica que uma equipe psicossocial, que conta com a participação da Polícia Militar e da Guarda Municipal, é responsável por ir às casas das mulheres que tiveram medidas protetivas deferidas pela Justiça para verificar se estão sendo cumpridas, criando um ambiente seguro para as vítimas.

As mulheres recebem acompanhamento psicológico, participam de atividades de lazer e esporte, são encaminhadas para cursos de capacitação profissional e para o mercado de trabalho. O projeto envolve instituições públicas e privadas, criando uma verdadeira rede de proteção.

A ORIGEM
Implementado em 12 junho de 2015, o “Paz no Lar” atua no combate à violência doméstica não só fiscalizando o cumprimento das medidas protetivas e garantindo a integridade física e mental das mulheres, como também acompanhando os autores de violência, para evitar a reincidência.

O programa iniciou sob o nome de “Ronda da Família”, já que a intenção era proteger todo o núcleo familiar exposto a esta situação. Na época, como ainda não havia um Juizado da Mulher em Maracanaú, as ações eram executadas pela 3ª Vara Criminal.

“Tínhamos muita dificuldade para acompanhar e dar efetividade nas medidas protetivas, por conta do volume de delitos que chegava na Vara, e sentíamos essa necessidade de assistir de perto, de apoiar a vítima para que ela não se sentisse sozinha. Nosso maior obstáculo era que não existia esse olhar focado nisso, então começamos a buscar parceiros para que esse projeto fosse à frente”, afirma a juíza Janayna Marques, titular da unidade no período e idealizadora do projeto.

A magistrada expressa o desejo de que as mulheres se sintam apoiadas para lutar por seus direitos de liberdade e segurança. “Acreditem no projeto e na efetividade desse acompanhamento e busquem os órgãos de apoio e repreensão, façam valer seus direitos. Desejo muito que vocês mulheres se sintam fortalecidas, valorizadas e apoiadas para iniciar uma nova jornada de vida, livres dessas amarras”.

A FORÇA DO CUIDADO
Cada história é um testemunho do poder da Justiça unida em prol de um bem maior. C.M., uma das beneficiadas pelo projeto, escreveu um poema, em dezembro de 2023, para agradecer os cuidados que recebeu. Ela conta que quando surgia o desespero e a vontade de desistir, a equipe a acolhia. Confira um trecho:

“Eu me senti acolhida
Renovei minha esperança
Acredite minha gente
A equipe e o Tenente
Ofereceram mudança.

[…]

Então, eu aqui agradeço
Por tamanha dedicação
Vocês foram essenciais
Para minha libertação
Obrigada paz no lar
Por tantas vidas salvar
E por toda essa proteção.”

Integrante do “Paz no Lar” desde o início, o 2º tenente da Polícia Militar, Marcos Antônio dos Santos Silva, relembra um testemunho marcante. “Em uma de nossas visitas, uma senhora falou que estava sofrendo muito, abalada e desacreditada. Ela contou que todos os dias fazia orações pedindo para sair daquela situação e, certo dia, ouviu um pastor, em um programa religioso, dizendo que naquele dia as preces seriam ouvidas e que um anjo bateria em sua porta. No mesmo momento a nossa equipe chegou em sua casa e, segundo ela, sua vida mudou ali mesmo. Esse dia me marcou muito, nunca mais esqueci.”

J.L., estudante de serviço social, foi outra vítima beneficiada pela iniciativa. “O meu antes é uma pessoa totalmente diferente. Tinha minha autoestima baixa, não tinha vontade de me arrumar, nem de trabalhar, estava depressiva. Depois que passei por esse projeto as coisas mudaram. Vocês são luz em meio a escuridão dessas mulheres. E eu gostaria de agradecer a toda equipe do programa, porque vocês trazem vida a nós. Antes não tínhamos com quem contar e agora nós temos”, ressalta.

UM OLHAR NO FUTURO
O ”Paz no Lar” apresenta resultados positivos na proteção integral à mulher, tornando-se referência aos municípios cearenses com elevados índices de violência doméstica. Durante sua execução, o projeto já realizou 3.477 visitas, doou cerca de 1 mil cestas básicas e atingiu 1.100 atendimentos com a rede de proteção.

O juiz César Morel Alcântara salienta que a partir de sua chegada, em 2016, foram inseridas as visitas do magistrado às casas das vítimas. “Esse foi um momento importante porque é um movimento do Judiciário em sair um pouco dos gabinetes e ir até a vida real, ao contexto fático dessa violência, até para entender melhor, saber da própria vítima, olhando nos olhos, através de uma conversa bem franca”.

Atualmente, a equipe conta com cinco psicólogos. Um deles atende na delegacia especializada, enquanto o restante trabalha no Fórum de Maracanaú e no Centro Integrado Agacil Camurça, onde fica a sede do projeto. No espaço, cedido pelo Município, os profissionais conseguem atender com conforto tanto as mulheres quanto os familiares, que são vítimas indiretas de todo o contexto.

“Há ainda um núcleo importante do projeto, no que diz respeito aos agressores. Nós acreditamos que excluir os homens do diálogo é muito prejudicial. Eles fazem parte dessa evolução cultural necessária.
Vivemos em um cultura patriarcal e machista, e isso é importante que seja dito e reconhecido, baseada em estereótipos e preconceitos, com imposição de tarefas e comportamentos próprios para mulher. Portanto, os homens podem e devem participar dessa discussão através dos Grupos Reflexivos, tudo com o objetivo último de promover a mudança social. O Judiciário não pode perder a oportunidade para transformar a vida das pessoas que cruzam suas portas, e, assim, da sociedade. Inclusive, temos uma psicóloga e um assistente social que cuidam especificamente dessa curadoria”, explica o magistrado.

Sobre planos para o futuro do “Paz no Lar”, César Morel Alcântara destaca sua ampliação no Estado. “A nossa ideia é fortalecer o projeto, estruturá-lo aqui cada vez mais, e, a partir daí, ter um modelo para ser usado pelas demais unidades, sobretudo onde tem o Juizado da Mulher”, acrescenta o juiz, que também está à frente do Núcleo de Combate à Violência Doméstica (Nucevid) do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), criado para otimizar e potencializar as ações nesse sentido.

PARCERIAS E VOLUNTARIADO
O projeto possui parcerias públicas muito importantes para o desenvolvimento da ação, como a Prefeitura de Maracanaú, Guarda Municipal, Polícias Militar e Civil, Ministério Público e Defensoria Pública do Estado. Já as empresas privadas, como a Lunelli, a COBAP e a Frosty, são responsáveis por capacitar e empregar as mulheres, etapas importantes no rompimento do ciclo de violência. Estagiários voluntários dos cursos de Direito, Psicologia e de Serviço Social também participam. Os estudantes podem demonstrar interesse através das universidades Uninassau e Uniasselvi, para que seja formalizada a atuação dentro do “Paz no Lar”.