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Os litígios e o ensino do direito Debates e idéias

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Opinião Pág. 03 23.08.2009
Já não é sem tempo dar-se conta de que deve haver reviravolta no processo cultural do ensino do direito. A prática consagrada segue no sentido de que a formação humanística do advogado o encaminha, sempre, no preparo de um enfrentamento grandiloquente, diante de uma situação antagônica: de um lado o Autor, do outro o Réu, perante um juiz que, após o longo emaranhado de um processo chamado instrução, proclama um julgado em favor de um e obviamente em desfavor do outro.
Tal cultura já consolidada – em função do que o próprio termo Lide ( litis ) indica – e que, na concepção mais clássica Carnelutti), corresponde a um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, tratando do núcleo essencial de um processo judicial civil, visa, em última instância, resolver a Lide.
O artigo 128 do Código de Processo Civil toma o conceito de Lide no sentido processual, isto é, que ao processo importa apenas o que foi trazido pelas partes na causa de pedir e no pedido. Questões que, embora presentes na lide social (Carnelutti) que não foram trazidas ao processo, não serão objeto de análise pelo juiz, segundo o refrão de que ” o que não está nos Autos não está no mundo jurídico “. O mérito da causa corresponde à lide processual.
O problema crucial, no entanto, é que essa forma de dirimir os conflitos sociais, conquanto os estudantes de direito recebam o ensino nas faculdades e se interessem pelo núcleo do processo civil (a Lide), a docência deve desbravar o outro lado da Facultas agendi (Direito Subjetivo, que é o conjunto de prerrogativas que o Estado reconhece, mas não precisam ser exigidas perante um tribunal), visando a uma mudança na cultura para celebração de um acordo, o que tornaria os litígios mais céleres e menos onerosos para as partes e a própria Justiça, assoberbada de processos. A mudança dessa cultura prosaica, sem sentido prático no mundo de hoje, está a exigir dos docentes do direito o ensino de como preparar o advogado, tornando-o hábil para entrelaçar acordo entre as partes, pois é antigo o refrão popular de que ” é melhor um mau acordo do que uma boa causa “. Entre os romanos a transactio era tomada entre duas acepções: i) – como vulgar, significando a conclusão de um negócio qualquer, era empregada como sinônimo de contrato, convenção; e ii) – como técnica, restrita e bem definida, tomada para designar o ato jurídico, por meio do qual as partes previnem ou terminam litígios, acedendo a concessões mútuas.
Nesse sentido é que o nosso Código Civil de 1916 adotou a palavra transação, visando a extinguir obrigações, apresentando um duplo fundamento: econômico, com a transformação de um estado jurídico inseguro, em outro seguro; e a obtenção desse resultado, pela troca de prestações equivalentes. Se for verdade que no Brasil 80% (oitenta por cento) das questões do cível terminam em acordo, pela canseira que o processo impõe às partes, isto deve preocupar as autoridades. Recente publicação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, relacionada com a pesquisa de números, dá conta de que o Poder Judiciário Brasileiro acumulava, até o fim de 2008, aproximadamente 70 milhões de processos pendentes de julgamento, sendo que a maior demanda estava na Justiça Estadual, com mais de 57 milhões de causas em tramitação.
A Justiça Federal apresentou uma taxa de congestionamento de 59%, enquanto na Justiça do Trabalho ficou em 45%. O presidente do CNJ, ministro Gilmar Mendes, ao ressaltar a necessidade de ser consolidado um planejamento estratégico por meio de um “choque de gestão” no Poder Judiciário, que chamou de “cultura judicializante”, bem poderia se começar pela docência, nas Faculdades de Direito, de uma nova cultura do ensino, voltada no preparo do advogado para o acordo e não para o litígio , a exemplo do que já é feito desde há muitos anos no direito americano, onde a maioria das lides terminam nos escritórios dos advogados. Já é tempo de educar o advogado para o acordo e não para o litígio.
GILSON FONTELES
Advogado