Nova lei promete driblar a burocracia
- 797 Visualizações
- 04-11-2009
04.11.2009 Fortaleza
Depois de três anos vivendo no Abrigo Tia Júlia, João poderá pertencer a uma nova família em breve. Os futuros pais adotivos foram ontem à instituição pela primeira vez. Ele é exatamente como o casal sonhava e descreveu no Cadastro Nacional da Adoção. João ainda faz parte do perfil mais procurado para adoção: crianças de 0 a 3 anos. Mas ele não podia ser adotado antes porque a instituição estava tentando resgatar os vínculos familiares. Como todas as possibilidades foram esgotadas, o garoto de três anos foi disponibilizado para adoção.
“Em alguns casos, esse processo leva muito mais tempo. As crianças chegam a 6, 7 anos. E a adoção vai ficando mais difícil conforme ela vai crescendo“, destaca Luiza Helena dos Santos, diretora do Abrigo Tia Júlia. É para dar mais agilidade a esses processos que a nova Lei de Adoção foi aprovada há cerca de 90 dias e entrou em vigor ontem. A grande promessa é vencer a burocracia. A Justiça, agora, tem um prazo de dois anos para definir a situação da criança e do adolescente: ou volta à família biológica ou é encaminhado à adoção. Tudo para garantir que a situação de abrigo seja, realmente, provisória e excepcional.
Prazo
O estabelecimento do prazo é uma cobrança ao Poder Judiciário, para evitar que a criança permaneça cinco ou até dez anos em abrigo, e, em alguns casos, sem nem ter um processo. Outra novidade da lei é que as crianças e adolescentes em abrigos deverão ter sua situação reavaliada por equipes multidisciplinares a cada seis meses no máximo, para que o juiz possa decidir sobre o seu destino. “Nós fazemos essa avaliação a cada dois meses. Mas a lei é muito importante. O problema é que faltam profissionais para dar suporte. Ela foi criada, agora precisa ser cumprida“, ressalta Luiza Helena.
De acordo com o Juizado da Infância e da Juventude, cerca de 570 crianças e adolescentes vivem em abrigos em Fortaleza. Do total, 12% estão disponíveis para adoção. Nos abrigos, outros 88% ainda têm vínculos com a família de origem e esperam a Justiça definir se voltam para casa ou se vão ser entregues para adoção. Só no Abrigo Tia Júlia – onde estão crianças de até 7 anos -, foram admitidas 35 crianças este ano. Por outro lado, foram feitas dez adoções e oito crianças voltaram aos seus lares.
Para o desembargador Francisco Gurgel Holanda, titular da 1ª Vara da Infância e da Juventude até abril deste ano, a lei é muito bem recebida e vem ajudar quem trabalha no processo. “Hoje estamos acobertados por vários dispositivos modernos, traduzindo em lei o que já se fazia com cautela. Só tenho a aplaudi-la“. Ele garante que o obstáculo da falta de pessoal já está sendo avaliado pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE). “Nós estamos diagnosticando e pensando num acréscimo, principalmente, de pessoal. Tanto na Capital, como no Interior. Vamos ver também, especialmente, a questão orçamentária para essa área“.
>> O POVO entrou em contato com o juiz Suenon Bastos Mota, coordenador das varas da Infância e da Juventude, para falar sobre as mudanças trazidas com a nova Lei. Mas ele estava de férias e não pode falar.
SAIBA MAIS SOBRE O PROCESSO DE ADOÇÃO
CRIANÇA
> Quando a criança chega ao abrigo, é feito trabalho para manter os vínculos familiares. Quando as possibilidades de voltar à família se esgotam, o abrigo comunica ao Juizado, que faz a revisão e tenta recuperar o vínculo familiar.
> Se ainda assim, não foi possível devolver a criança, o caso é encaminhado ao Ministério Público, que entra com ação de destituição do poder familiar. Os pais biológicos são citados e têm o direito de se defender. Só depois, a criança é disponibilizada para adoção.
ADOTANTE
> Os interessados em adotar devem procurar o Juizado da Infância e da Juventude. Lá, realizam o cadastro, onde é definido o perfil da criança. Quando ela aparece, a nova família é notificada.
> Em seguida, vem o estágio de convivência. Quando se sentir seguro, o adotante pede a guarda e leva a criança. A guarda provisória é deferida imediatamente. O interessado em adotar não pode se cadastrar querendo a criança “X“. O Juizado disponibiliza a criança. O interessado diz se aceita ou não.
MUDANÇAS
GESTANTES
> O que diz a lei?
As gestantes ou mães interessadas em entregar seus filhos à adoção têm direito à assistência psicológica durante o período pré e pós-natal. Além disso, elas devem ser obrigatoriamente encaminhadas à Justiça.
> O que muda?
Esta prática é fundamental para evitar que mães desesperadas deixem essas crianças em locais inadequados, colocando em risco a própria vida e a dos recém-nascidos. É uma decisão difícil de ser tomada e, nesse momento, o que a genitora precisa é de acolhimento e orientação. Além disso, o encaminhamento da mãe ao juizado – procedimento que passa a ser obrigatório – ajuda a evitar aproximações indevidas com pessoas interessadas em adotar. Assim, vai ser possível privilegiar pessoas que já estão na fila de espera para adoção.
CRIANÇAS ABRIGADAS
> O que diz a lei?
Toda criança ou adolescente que estiver em abrigo terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada seis meses, para que o juiz possa decidir sobre a possibilidade de reintegração familiar ou disponibilização para adoção, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar. A permanência da criança e do adolescente em abrigo não se prolongará por mais de dois anos.
> O que significa?
Antes, não havia um mecanismo de controle periódico. Era fundamentada apenas a entrada no abrigo e a saída. Com a nova regra, a situação da criança ou adolescente deverá ser avaliada permanentemente. Antes, não havia tempo máximo para criança permanecer no abrigo, o que resultava em demora para a solução de algumas situações. A fixação de um tempo máximo – e a obrigatoriedade de justificar quando o prazo for superado – fará com que o direito de viver em uma família, biológica ou substituta, seja privilegiado.
CANDIDATOS A ADOÇÃO
> O que diz a lei?
Para adoção conjunta, os adotantes devem ser casados civilmente ou manter união estável, comprovada a estabilidade da família. Além disso, a habilitação de pessoas estrangeiras ou pessoas que moram fora do País que têm interesse em adotar terá validade máxima de um ano, podendo ser renovada.
> O que significa?
Casais homoafetivos ainda não foram contemplados pela nova lei. A Constituição reconhece como união estável só aquela constituída por homem e mulher. No entanto, existem decisões judiciais que superam esse entendimento e deferem sim adoções a pessoas em união homoafetiva. Além disso, após serem considerados aptos pela Justiça de seu país e do Brasil, os estrangeiros só têm um ano para efetivar a adoção.
FONTE: Novas regras para a adoção – Guia Comentado