Na ponta final: Oficiais de Justiça são os olhos e os ouvidos do Judiciário
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- 25-03-2025
“Nós concretizamos toda aquela vontade que o juiz tem quando ele concede uma decisão. A gente concretiza, faz ser efetiva aquela decisão. Nós somos os olhos e os ouvidos dos juízes. A gente é uma ponta final”, resume o oficial de Justiça Edmilson de Paula, há 46 anos no serviço.
Edmilson atua na Central de Cumprimento de Mandados Judiciais de Fortaleza (Ceman). À serviço na rota de unidades prisionais, ele segue também em diversos outros pontos da cidade, onde se fizer necessário. “A nossa categoria é uma categoria solitária, mas muito solidária. Enquanto o policial está na rua, ele nunca vai sozinho, o oficial sempre vai. Nós entramos nos becos, nas favelas, nós vemos o sofrimento da população. A gente convive diariamente com a dor alheia”, salienta.
Com menos tempo de serviço, mas já bastante experiente na função, Camila Pinheiro é oficiala de Justiça há quase 15 anos. “Quando fui convocada para o cargo tinha acabado de ser nomeada delegada da Polícia Civil do Ceará e optei por desistir da minha nomeação na polícia e assumir a função de oficiala”, conta Camila, orgulhosa.
Iniciando as diligências na Comarca de Caucaia e hoje na Ceman de Fortaleza, Camila explica uma das peculiaridades da profissão. “Estamos atuando com o elemento surpresa, porque aquelas pessoas não imaginam que nós vamos chegar na casa delas com intimação, com a citação. Então, eu trato com calma, pergunto pelo nome completo, confirmando a identidade e, após confirmar os dados, eu explico bem pormenorizadamente o que se refere. Nós lidamos muito com pessoas de baixa renda, que são assistidas pela Defensoria, muitas vezes não sabem sequer ler, assinar, então a gente tem que explicar tudo bem direitinho sobre o que se refere àquela documentação”.
Camila afirma que as ferramentas digitais também facilitaram o trabalho, mas que devem ser usadas com cautela. “Muitos desconfiam do nosso contato via WhatsApp, por exemplo, acham que é golpe. Então passamos por um processo de convencimento daquela pessoa”.

Quem vê de perto e faz a Justiça acontecer, tem muito o que contar. Histórias que caberiam em um livro, como diz Edmilson. Ele relata que acontece com frequência de entrarem com uma ação enganosa no Judiciário. “Muitas vezes, o juiz dá uma liminar baseada nas informações que tem. E quando a gente chega num determinado local, a gente vê que é totalmente diferente daquilo que foi narrado na inicial”, explica.

Uma situação dessas marcou muita a história de Edmilson como oficial. “Era um mandado de busca e apreensão de um idoso, separado da mulher, que viva com os filhos. A mulher, então, entrou com pedido de busca e apreensão, alegando que o ex-marido estava sofrendo maus tratos. Com a liminar concedida, eu fui e, quando chegamos lá, constatamos que o idoso tinha um quarto bem limpo, todo penteado, banhado, alimentado, muito bem tratado”, relembra.
Na ocasião, o filho mais novo do idoso, com idade entre 10 e 12 anos, implorou para que Edmilson não levasse seu pai, que sabia que a mãe só queria o cartão de aposentadoria e que podia levar o cartão, mas o pai, não. Edmilson acrescentou ao processo tudo o que viu e ouviu, e não levou o idoso. “Após vários anos, eu estava fazendo uma ordem de despejo lá no Conjunto São Cristóvão, e chegou a imprensa, um jornalista, e me pediu uma entrevista. Depois de concedida, ele desligou a câmera e me disse: ‘eu sou aquele menino que o senhor foi fazer a busca e apreensão do meu pai, e eu queria agradecer por não ter levado meu pai. Ele hoje é falecido, mas foi com a gente do lado e foi graças ao senhor’”, lembra o oficial, emocionado.
Já Camila ressalta os aprendizados que vive no cumprimento do trabalho. “Me marcou muito uma vez que fui intimar uma pessoa portadora de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica). Na época não conhecia a doença e, ao chegar ao local e vê-la na cadeira de rodas, com as mãos atrofiadas, comecei a me dirigir a cuidadora para explicar o teor do documento. Mas, conforme eu ia falando, eu percebia que ela tava me entendendo, entendendo tudo. Deixei de lado a cuidadora e me direcionei a ela”.
A oficiala afirma que “partiu meu coração perceber que a função cerebral estava intacta e não acompanhava a motora. A cuidadora falou que a intimanda havia sido uma professora muito conceituada e inteligente. Nesse dia passei a conhecer mais sobre a doença também”, explica. A oficiala ressalta: “Através da nossa fala é que vamos explicar o que tem naquele documento, de forma que para ela seja garantido o acesso à Justiça. Por que senão, de que adianta a gente estar ali?”.
O sentimento de dever cumprido e se fazer cumprir a Justiça é o que motiva as oficialas e os oficiais. “Se eu tivesse que nascer de novo, e me perguntassem o que é que eu queria ser, eu queria ser oficial Justiça. Eu amo de paixão o que eu faço, é muito gratificante ser, ver, e concretizar aquilo!”, celebra Edmilson.