Juízes compartilham histórias emocionantes em grupo restrito de aplicativo de mensagens
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- 27-05-2020
Francisco José Rosa
Jornalista
A convivência familiar e comunitária ainda é um sonho para muitos jovens que esperam ser adotados. No Estado, juízes responsáveis por adoção mantêm grupo no WhatsApp para dividir experiências e dialogar sobre o Direito material e processual, com o objetivo de padronizar processos e fluxos de trabalho. Assim, ficam alinhados para oferecer o melhor serviço a crianças e adolescentes.
São 36 participantes reunidos em ambiente de interação virtual. Também há servidores da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional (Cejai) e da Coordenadoria da Infância e da Juventude (CIJ), ambas do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).
Todo o conteúdo fica restrito ao grupo, garantindo o respeito à privacidade. Para escrever as reportagens, na semana em que se comemora o Dia Nacional da Adoção (25 de maio), recebemos autorização das famílias e juízas. Na matéria desta quinta-feira (28/05), contamos cinco histórias de mudanças nas vidas de jovens que ganharam um lar e dos pais com os filhos do coração.
AMOR PATERNO EM TEMPOS DE PANDEMIA
O conceito de família para o casal Celiane e Ricardo Diógenes ficou mais completo a partir de 14 de maio deste ano, quando a servidora pública e o professor receberam o termo definitivo de adoção do filho Moisés, de 12 anos. Eles conheceram o menino há um ano, durante visita em instituição de acolhimento.
“Ele logo chamou a nossa atenção. Após os trâmites legais, começamos as visitas e veio a guarda provisória. Nesse período, o Moisés mostrou sua personalidade e passamos a tratá-lo como filho, sendo firmes na educação. Faríamos tudo de novo. Desde os primeiros três meses de convivência ele nos chama de pai e mãe”, relata Ricardo.
Casados há 20 anos, 15 deles tentando engravidar, começaram a amadurecer a ideia de adotar. Concretizado o sonho, eles decoraram quarto, mobiliaram e climatizaram o espaço para receber o filho com muito amor.
“A nossa rotina mudou, porque tendo criança em casa é preciso respeitar os horários. Ele acorda cedo, toma café, assiste a aulas virtuais até 12 horas, depois almoça e descansa. À tarde, faz as tarefas escolares e, após as 17h, vai brincar”, destaca o pai. O garoto está na 6ª Série do Ensino Fundamental. Ele apresenta Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, mas com acompanhamento profissional e carinho da família, consegue ter desenvolvimento.
Também durante a pandemia e o período de distanciamento social, Ronaldo Lindemberg, policial militar, e Carlos Filho, educador físico, ganharam, no dia 5 de maio passado, a guarda do Neemias, de 1 ano e 10 meses. A criança chegou no momento exato para alegrar ainda mais a vida dos dois, que são casados há seis anos.
“Em 20 de março de 2020 fomos autorizados pela Justiça a ficar com o Neemias em casa. Passados dois meses de vinculação e convivência sob nossa responsabilidade, aumentou a preocupação no tocante à situação de saúde e surgiu a necessidade de ampará-lo melhor. Decidimos pedir a guarda, que foi concedida. Assim, pudemos respaldá-lo como nosso dependente no plano de saúde”, conta Ronaldo.
Ainda segundo o PM, tudo mudou na rotina deles, porque agora têm um pequeno ser humano para criar, dar atenção, alimentar, cuidar. “Hoje, graças a Deus, estamos com saúde, felizes e o Neemias está bastante adaptado. Apesar da pouca idade, ele nos reconhece como pais e demonstra muito carinho e respeito. O amor é o que nos une. Por tudo o que vivemos, inclusive a alegria de acordar todo dia com aquele sorriso contagiante, temos o desejo de no futuro bem próximo adotarmos outra criança.”
Os processos do Moisés e do Neemias são de Fortaleza, a cargo da 3ª Vara da Infância e da Juventude, na qual atuam as juízas Alda Holanda (titular) e Mabel Viana (auxiliar). De acordo com a unidade, durante o período de TeleTrabalho, foram concedidas 29 adoções até 22 de maio.
“Todos têm o direito de escolher o perfil da criança ou adolescente, porém, se a escolha recai sobre aqueles já aptos à adoção, esta ocorrerá mais rapidamente. Do contrário, se a opção é por um perfil inexistente, não destituído do poder familiar, demorará mais” – juíza Alda Holanda.
“É sempre uma felicidade quando conseguimos resolver a situação de crianças e adolescentes, contribuindo para que estejam em ambiente saudável e acolhedor” – juíza Mabel Viana.
ADOÇÃO É LEGAL
V.A. e P.A. (eles preferem não se identificar) são casados há 11 anos e têm três filhos: dois do casamento anterior do marido e o terceiro adotado, na Comarca de Iguatu (Centro-Sul do Ceará). A esposa conta que, “depois de conversarmos bastante, decidimos procurar o Fórum e entramos com processo de habilitação. É o mais seguro e, por isso, optamos por esse caminho”.
Eles estão como o novo filho há um ano e dez meses. “Confesso que hoje foi difícil fazer essa conta, porque parece que ele sempre esteve aqui. Somos felizes e temos a certeza de que nem a gente nem ele queremos voltar atrás. Nossa família foi formada no coração de Deus, muita gente enxergou isso e nos ajudou. Meu filho é amado pelos avós, tios, primos, irmaõs e, principalmente, pelos pais”, declara V.A.
Outra experiência contagiante vive a professora e pequisadora em Engenharia Física Nuclear, Lázara Castrillo, mãe adotiva do Ruan. Ela é cubana e veio ao Brasil em 1996, após ganhar bolsa para cursar mestrado no Recife. Naquele tempo, descobriu um mioma no útero e teve que voltar a Cuba, onde passou por cirurgia, ficando impossibilitada de engravidar.
De volta ao Brasil, concluiu o mestrado e iniciou doutorado. Após ter estabilidade profissional e financeira, acendeu de novo a vontade de formar uma família. O processo na Comarca de Iguatu durou poucos meses. “Eu estudei muito antes de adotar o Ruan. Quem pretende adotar, tem que saber o que quer. Espero que um dia todos tenham a felicidade de formar uma família como eu. Estou pensando em aumentar a minha. ” Confira o relato em áudio da pesquisadora, de 49 anos.
“Trabalhar com adoção traz para mim, ao mesmo tempo, os sentimentos de encanto e, não posso mentir, de dor. Não é fácil conviver com o abandono e a negligência a que crianças e adolescentes estão submetidos. Por outro lado, ver adotantes com tanto amor e capacidade de acolhimento é maravilhoso. Tenho a sensação de que, quando julgamos os processos, há um encontro celestial entre os novos filhos e os novos pais. No final, toda a nossa 3ª Vara fica extremamente gratificada” – juíza Izabela Mendonça, titular da 3ª Vara de Iguatu.
TODA ADOÇÃO É UM ATO DE AMOR
A Vara da Infância e Juventude de Caucaia (Região Metropolitana) efetivou a adoção tardia de três irmãos, considerada mais difícil, porém, não impossível. Depois de buscar interessados e não encontrar nem no Município nem no Ceará, a equipe passou a consultar outros estados, por meio do Sistema Nacional.
E encontraram o casal Ana Paula e Leonardo, de Belford Roxo (RJ). Depois de vinculados, a enfermeira e o profissional do Setor de Segurança do Ministério Público Federal no Rio demonstraram interesse em adotar os três irmãos. O casal veio ao Ceará conhecer os jovens e logo ingressaram com ação judicial. O pai avalia ainda que “é mais fácil gerar um filho do que nós, como pai e mãe, sermos gerados nos corações deles”. Confira esse relato emocionante:
”Toda adoção é um ato de amor. A adoção se propõe a realizar o sonho de, pelo menos, duas pessoas: adotante e adotado. A criança ou o adolescente destituído do pátrio poder vive uma expectativa de busca de uma família. A pessoa interessada em adotar vive o desejo de formar (ou ampliar) uma família. Para que haja boa adaptação são exigidas atenção e dedicação dos envolvidos. Superada esta etapa e tendo o adotado se sentido muito amado, vêm a gratidão e o carinho como recompensa de toda insegurança e ansiedade vividas no primeiro momento” – juíza Elizabete Pinheiro, titular da Vara da Infância e da Juventude de Caucaia
Na segunda reportagem, contaremos outras histórias sobre adoção no Ceará.