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Juiz da Infância é contrário ao toque de recolher

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27.05.2009 Cidade Pág.: 14
No que depender do titular do Juizado da Infância e da Juventude em Fortaleza, Darival Beserra Primo, a campanha ?Eu sou a favor do toque de recolher? não vingará. ?Seria um retrocesso. Vi a proposta com tristeza?, disse o juiz. O certo é que a sugestão apresentada por três integrantes do Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente da Secretaria Executiva Regional (SER) I ? Cátia Rodrigues, José Ceará e Daniel Carneiro ? não encontrou grande aceitação.
O Ceará é um dos estados do País que mais avançaram na área da infância e da juventude, lembra Beserra, para quem a proposta será encaminhada após a coleta de assinatura em um abaixo-assinado pelo toque de recolher para crianças e adolescentes em Fortaleza.
?Temos um sistema de justiça que causa inveja, somos referência?, frisou, citando a existência na cidade de cinco varas da Infância e da Juventude, sete unidades de internação ?em ótimas condições? e liberdade assistida municipalizada. ?Somos o segundo lugar no Brasil em liberdade assistida, perdemos apenas para Belo Horizonte?, informou, ao se referir à premiação na área da assistência à criança e à adolescência concedida pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
?Se adotássemos uma medida dessa, seríamos execrados por quem entende da assistência à infância e à juventude?, citou, disparando: ?somos um Estado pobre, mas digno no que se refere à Justiça?. Segundo ele, o toque de recolher até poderia ser justificável em uma cidade do Interior, com um pequeno número de habitantes e onde as pessoas se conhecem.
A sugestão dos conselheiros tutelares antes de tudo fere o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê, no artigo 106, que nenhum adolescente será privado de liberdade se não em flagrante ato infracional ou mesmo por ordem judicial competente.
?Para um juiz baixar uma portaria adotando o toque de recolher seria o mesmo que retornarmos ao Código de Menores, extinto desde a criação do ECA, 12 de julho de 1990?.
Acrescentou que os filhos são dos pais, a quem compete dar-lhes disciplina. ?Se é para proteger da criminalidade, então eu sugiro que se prenda todo mundo; prenda o adulto que estiver desacompanhado porque a lei que se aplica ao adolescente se aplica ao adulto?.
Ir e vir
Opinião semelhante expressou a promotora da Infância e da Juventude, Maria de Fátima Valente. A Constituição Federal, no artigo 5º, assegura o direito de ir e vir, o livre arbítrio, sem distinção. ?As pessoas são livres?, ressaltou, observando porém que as crianças e adolescentes têm espaços e as condições adequados de como, onde e com quem andar, conforme a faixa etária.
?O recomendável é não comparecer a uma festa sozinhos?, disse, explicando que as medidas socioeducativas prevêem essas recomendações para quem cometeu ato infracional.
Mas quanto ao toque de recolher, distribuído em três horários conforme a idade de crianças e adolescente, considera ser necessário refletir ainda sobre a forma de aplicação da medida. ?Não vejo como seria a aplicação da medida?.
IMPLEMENTAÇÃO
Medida carece de explicações
Para a promotora da Infância e da Juventude, Maria de Fátima Valente, é difícil imaginar a implementação do toque de recolher. ?A Polícia, que nem dá conta dos marginais, teria que correr atrás de crianças e adolescentes fora de casa, desacompanhados e em horários proibidos??, indaga.
A presidente da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), da Prefeitura de Fortaleza, a socióloga Glória Diógenes, declara ser determinantemente contra a medida, porque fere os preceitos do ECA e da Constituição. ?Com o ECA, crianças e adolescentes deixam de ser tutelados e passam a ser sujeitos de direitos?, explica.
Contudo, o sociólogo e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), Francisco Moreira Ribeiro, admite ver a idéia com bons olhos. ?A gente vive um momento no qual é necessário tomar medidas diferenciadas para proteger nossas crianças da violência?.
O professor explica que o quadro atual da sociedade requer iniciativas como essa, que podem ir de encontro à tradição do Estado de Direito. ?Estamos vendo nossos jovens morrendo de forma absurda. A medida não é agradável, mas por esse motivo sou a favor?. Enfatiza, porém, que o assunto requer mais explicações.
Mozarly Almeida – Repórter