ENTREVISTA: o professor Regenaldo da Costa fala sobre ideal de Justiça e suas implicações cotidianas
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- 27-08-2009
26.08.2009
Um ideal de justiça a ser perseguido cotidianamente. Este é o mote que ronda toda nossa conversa com o professor doutor em Ética e Filosofia Política pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Regenaldo da Costa. Acostumado a tratar do íngreme espaço que uni Filosofia e Direito, o professor mostra que muito além de um interesse meramente teórico, este deve ser um terreno conhecido por todos, sobretudo, por aqueles que julgam. Em sua fala, o professor coloca os magistrados como centro de uma procura ética que deve ser constante. Procura esta cujas conseqüências não são sentidas apenas por uma esfera de poder, mas por toda a sociedade.
ACM: Gostaria que você falasse um pouco mais sobre o seu trabalho unindo filosofia e direito? Nesta junção, pode-se considerar que o maior desafio é mostrar que a filosofia ultrapassa a teoria, sendo exercitada em nossa prática jurídica cotidiana?
Regenaldo da Costa: A filosofia é uma forma de conhecimento que investiga os fundamentos racionais, a razão de ser, do pensar e agir humanos. Assim sendo, é tarefa da razão filosófica investigar os fundamentos racionais normativos das ações e relações humanas. Um dos pressupostos transcendentais da razão é a idéia de liberdade e é com base nesse pressuposto transcendental que podemos conceber, racionalmente, as condições de possibilidade e de validade do agir humano e, por conseguinte, as condições necessárias de possibilidade e validade da ética e do direito. Nessa perspectiva, podemos pensar, idealmente, isto é, normativamente, a ética e o direito como efetivação da idéia de liberdade (um pressuposto da razão). Ora, são os pressupostos transcendentais da razão que podem validar racionalmente o direito positivo, isto é, apresentar parâmetros racionais para que o direito positivo seja concebido como uma efetivação da liberdade e da justiça e não, meramente, como um instrumento da dominação arbitrária do detentor do poder. Assim sendo, a fundamentação filosófica do direito é a luz que pode guiar o direito para os iluminados caminhos da justiça e contribuir para indicar caminhos que podem afastá-lo das trevas da arbitrariedade e das garras da injustiça.
ACM: Um dos pontos que acho interessante no seu trabalho é análise da construção do que é Direito ou do que é Justo. Você poderia explicar melhor isto? O ponto-chave é ter noção do alcance das decisões jurídicas e sua historicidade?
Regenaldo da Costa: O elemento da razão filosófica é a síntese que engloba em si a diversidade e a comunidade. Assim sendo, é razão que pode conciliar a diferença, a pluralidade e a diversidade com a igualdade, a unidade e a comunidade. Nessa perspectiva, a concepção racional do ideal da justiça deve garantir, o mais amplamente possível, o espaço para a dignidade da individualidade, da particularidade e, ao mesmo tempo, garantir, o mais amplamente possível, o espaço para a dignidade da comunidade. Por conseguinte, o direito concebido racionalmente como direito justo deve efetivar a compatibilização entre os direitos individuais e os direitos coletivos e entre a autonomia dos indivíduos, dos particulares, e a autonomia da coletividade. A historicidade do direito positivo e sua falibilidade não negam o caráter normativo do direito ideal, da justiça ideal, pois isso seria negar a própria racionalidade humana. Assim sendo, quando mais o direito fático se distancia do direito justo (ideal), mais a razão humana a ele se contrapõe de forma crítica e mais as mulheres e os homens de boa vontade, compromissados com o bem e com a Justiça, se sentindo submetidos ao reino da injustiça, ao império da arbitrariedade e às garras da maldade humana, aspiram dele se libertar. Nessa perspectiva, o ponto-chave é não só ter consciência das limitações do direito fático e de suas decisões jurídicas fáticas, mas, principalmente, ter o compromisso ético de, já sempre, revisá-los e corrigi-los com vistas a uma maior aproximação do direito ideal, da justiça ideal.
ACM: Por fim, de acordo com o que nós conversamos, para um magistrado, quais os cuidados necessários para se tomar uma decisão justa?
Regenaldo da Costa: Em uma curta entrevista como essa não dá para falar dos muitos elementos que compõem uma possível resposta a essa questão, pois, para tal, seria necessário um espaço mais amplo (como o de um curso). No entanto, podemos falar de um elemento que é fundamental e sem o qual não se pode pensar uma resposta adequada: o magistrado deve ter o cuidado indispensável de ter uma postura ética no exercício de sua profissão, o que significa dizer o cuidado de ter um compromisso incondicional com o ideal da justiça. A confiança nos magistrados desempenha um papel essencial, pois é condição indispensável para a credibilidade do sistema jurisdicional e, com isso, para a estabilidade das instituições sociais. No entanto, as instituições judiciárias são postas, não poucas vezes, no coração de polêmicas quanto à sua credibilidade e os magistrados também são questionados. Mesmos que as condutas indevidas de magistrados sejam excepcionais, elas podem por em descrédito a confiança de cidadãos e da sociedade em relação à justiça, pois denigrem a imagem pública da magistratura e da justiça e comprometem sua reputação de independência e imparcialidade.
ACM: Você pode detalhar mais?
Regenaldo da Costa: Ora, no Estado Democrático de Direito o juiz tornou-se a garantia última dos valores democráticos e dos direitos do homem. Assim sendo, a expectativa dos cidadãos e da sociedade em relação aos magistrados é bastante elevada e a tal ponto que uma desconfiança em relação aos juizes e à magistratura é capaz de por em cheque a credibilidade das instituições sociais. Nesse contexto, a exigência de uma postura ética da magistratura deve estar sempre em pauta e o compromisso dos magistrados e da magistratura com os mais elevados valores éticos são uma exigência necessária não só para a credibilidade do judiciário, mas, também, para a estabilidade das instituições sociais. Essa é a razão pela qual muito se espera dos magistrados e da magistratura em termos de conduta ética, pois a quem muito é dado muito é cobrado. A população espera dos juízes e da magistratura uma prova de sabedoria, de retidão e de dignidade quase sobre-humanas e, por conseguinte, uma conduta ética irrepreensível. No entanto, parece haver a cada dia um aumento do número de queixas e reclamações levantadas contra os juízes perante os diferentes conselhos da magistratura, o que aponta para a necessidade da institucionalização de uma orientação e de uma vigilância éticas para o judiciário e principalmente nos tempos atuais em que se vê um aumento do papel da magistratura e, ao mesmo tempo, um aumento das queixas e, paralelamente, um aumento da exigência de correção ética e de transparência da magistratura por parte dos cidadãos e da sociedade. Provavelmente nenhum outro grupo da sociedade é submetido à exigência de critérios éticos tão elevados. Nesse contexto, a ética, enquanto orientação normativa, é indispensável para possibilitar ao juiz o cumprimento de suas pesadas responsabilidades e, por conseguinte, para ajudá-lo a corresponder à confiança nele depositada pela sociedade.
ACM: Esta conduta ética se reflete na liberdade para decidir?
Regenaldo da Costa: Sim. Importa frisar que a independência da magistratura deve ser um direito de todo cidadão, pois é condição sine qua non para a efetivação do ideal da justiça. Assim sendo, os juizes devem ser livres para julgar com independência, integridade e imparcialidade, com fundamento no direito e eticamente comprometidos com o ideal da justiça, sem medo de intervenção de quem quer que seja. Assim sendo, pode-se afirmar que deve ser um direito inalienável de todo cidadão e da sociedade como um todo que haja uma justiça aplicada, de maneira uniforme e imparcial, por juizes independentes, éticos e justos, comprometidos com o ideal racional da justiça. Por conseguinte, a independência e a ética da magistratura devem caminhar correlatamente, de modo que quanto mais deve haver independência da magistratura mais deve haver uma conduta ética irreprovável da mesma e que quanto mais deve haver uma conduta ética irreprovável da magistratura mais deve haver sua independência. Para concluir, gostaria de salientar a visão do magistrado enquanto um servidor público e, do ponto de vista da razão, o maior interesse público é o interesse na justiça, razão pela qual o lema dos magistrados poderia ser o seguinte: buscai primeiro os interesses do ideal da justiça e todas as coisas vós virão por acréscimo.