É justo o direito de propriedade?
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- 12-05-2009
12.05.2009 Opinião opág.: 02
Já se disse que a propriedade é um roubo e que o primeiro homem que demarcou um pedaço de terra e julgou-se proprietário não passava de um tirano, déspota e mentiroso e, como tal, deveria ser banido.
Seja como for, o fato é que a propriedade privada subsistiu e foi institucionalizada no curso da história das sociedades. E, como leciona William Blackstone, pensador inglês (1766), em seus comentários sobre o direito: ?Nada mobilizou mais a fantasia humana e aprisiona as paixões do que o direito à propriedade; essa é dominação exclusiva e despótica que um indivíduo reclama para si e que exerce sobre as coisas exteriores deste mundo ? e, dessa maneira, exclui qualquer outro indivíduo desse universo?.
Outros estudiosos insurgem-se dizendo que só há um sentido em ter alguma coisa quando se pode dispor dela, ou seja, dispor à vontade de uma coisa, um objeto ou mesmo um animal, é o sentido da propriedade. Não se é dono de algo com o qual não se tem o direito de fazer nada. E, ademais, não tem sentido possuir alguma coisa se não se pode dispor dela. Nessa compreensão, propriedade é o que, efetivamente, pertence ao ser humano. É a relação entre o indivíduo e uma coisa, que é do domínio exclusivo desse.
A verdade é que o assunto em comento é de extrema complexidade. Por isso, é preciso divergir dos extremismos para notar que, no mundo contemporâneo, o que se busca é uma nova ordem, que rejeite os antigos privilégios das classes dominantes e promova a distribuição de bens, tendo como princípio a função social da propriedade.
Com efeito, a exclusão dos direitos da maioria é despótica e totalitária. Logo, a relação que se estabelece, entre o indivíduo e uma coisa, envolve não só direitos, mas também deveres. No ordenamento jurídico brasileiro, por exemplo, a propriedade é uma faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Mas esses direitos sofrem restrições e devem ser exercidos de conformidade com objetivos econômicos e sociais justos, de modo a serem preservados a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. É proibido ao proprietário a pratica de atos de sua comodidade ou utilidade que venham causar danos a outrem, podendo, ainda, ser privado da coisa por necessidade, utilidade pública ou interesse social.
No entanto, o desejo de poder e de apropriação de bens têm gerado inúmeros conflitos e é a razão de guerras inumeráveis. Mas por que os homens se realizam com tanta intensidade nas propriedades que adquirem de modo lícito ou ilícito, como se essas fossem a expansão do seu próprio eu?
No mundo industrializado, as fontes da felicidade são a posse de bens materiais. A ganância dos povos atuais vem ganhando espaço e desprezando os valores da espiritualidade. Perderam a força da fé e do amor, que se tornaram mercadoria de excitações breves e de conquistas descartáveis. Como não há segurança nos valores imateriais de longa duração, investe-se no consumismo insaciável e vazio.
O que é a propriedade, enfim? É uma questão jurídica, mas também psicológica, pois abre possibilidades de expansão emocional. O problema é que o preço que a ambição por propriedades cobra dos proprietários é uma questão negligenciada pela psicologia. Em vez disso, discute-se somente qual o preço que a ambição por propriedades, e as propriedades em si, cobram dos outros membros da sociedade. Na raiz dessa discussão, encontra-se um problema filosófico: Se a propriedade é produto de leis humanas, em quais fundamentos foram elas elaboradas? E, sendo assim, essas normas são compatíveis com uma ordem social justa?
Edilson Santana Promotor de Justiça