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Debates e Idéias: Legado de Clóvis

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Opinião Pág. 03 04.10.2009
No dia em que comemoramos os 150 anos de nascimento do cearense Clóvis Bevilaqua, maior jurista brasileiro, não podemos deixar de lhe prestar uma justa homenagem. Formado pela Faculdade de Direito do Recife, ocupou a cadeira n° 14 da Academia Brasileira de Letras e em 1899 foi convidado por Epitácio Pessoa para redigir o anteprojeto do Código Civil. A escolha frustrou imensamente o desejo de Rui Barbosa de ser o elaborador do projeto, ficando famosa a sua minuciosa crítica ao trabalho de Clóvis Bevilaqua. Todavia, tal crítica limitou-se ao campo da linguagem e ao estilo literário, pouco acrescentando ao conteúdo jurídico.
Em 1916, quando finalmente o país viu promulgado o seu primeiro Código Civil, havíamos passados do período Colonial ao Império, chegado à República, assistido à sucessão de diversos presidentes e ainda aplicávamos as ordenações do reino. Poucos momentos marcaram tanto a vida jurídica de um país. Não se tratava apenas de mais uma lei, mas de um marco no processo de transformação pretendido pelo país. Caminhávamos para um futuro de novas relações econômicas e sociais, para uma sociedade que se urbanizava, que almejava se industrializar e prosperar e para uma crescente inserção em um mundo que se modificava rapidamente.
Os debates, as polêmicas, as críticas e as movimentações em torno da necessidade de um Código Civil acompanhavam o debate legislativo, jurídico e econômico desde a independência do país. E exatamente nesse cenário de expectativas e impasses, a figura de Clóvis Bevilaqua surgiu como o nome ideal para elaborar o anteprojeto.
Reparemos na grandiosidade da tarefa. O que a ele se entregava era a responsabilidade por um texto que serviria de base para as grandes mudanças na vida econômica, social e privada brasileira para as próximas décadas. Estávamos diante de um texto central para o que poderíamos chamar de “projeto de país”. A escolha surge como expressão do respeito a sua enorme capacidade como jurista, erudito, literato e professor. Contudo, além de todas estas qualidades, Clóvis trazia consigo a marca de atributos incomuns entre aqueles que alcançam tamanho destaque: humildade, generosidade, tolerância e equilíbrio, o que faltava aos que o criticavam. Somente com este conjunto amplo de competências, tornou-se possível vencer quase um século de resistências e lutas em torno do tema, e ainda enfrentar mais de uma década de debates e críticas para preservar a integridade e a qualidade do seu projeto de Código Civil. Muitas leis homenageiam aqueles que lhe deram origem. Nada mais justo seria chamar o nosso antigo Código Civil de código Bevilaqua. Os olhos de um intérprete contemporâneo dificilmente percebem o caráter inovador e liberal de seu texto. Em sua construção prevaleceu o espírito daquele que acreditava na liberdade e na projeção de um futuro de progresso que se construiria sobre uma compreensão profunda das nossas antigas tradições.
Clóvis Bevilaqua representou a vitória da inovação em detrimento daqueles que buscavam aprisionar o país no passado, movidos por uma visão limitada sobre o que faz a riqueza de uma nação, ou desejavam tão-somente o triunfo dos seus interesses pessoais, locais, setoriais ou regionais e da mais mesquinha vaidade.
Nesse momento em que celebramos os 150 anos de nascimento deste grande cearense, chegou a hora de resgatar com vigor o seu legado. Todos os campos da ciência possuem seus luminares. Foram aqueles que por sua obra, por seu trabalho árduo e genialidade, contribuíram para mudar para melhor o cenário em que viveram. Se para a Diplomacia temos Rio Branco; se para a Saúde Pública temos Oswaldo Cruz; para o Direito certamente temos o nosso Clóvis Bevilaqua.
Lamentavelmente, na comemoração destes 150 anos, percebemos que a pujança e a importância desse legado não apresentam o destaque e a atenção que merecem. Não podemos deixar desvanecer a força das lições desse grande mestre da letras jurídicas brasileira sem que se projete para o futuro a grandeza da sua obra.
FRANCISCO OTÁVIO DE MIRANDA BEZERRA
Advogado e Diretor do Centro de Ciências Jurídicas da Unifor