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De que nos servem as Cortes?

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17.05.2009 Opinião / Artigo Pág.: 07
Para que servem o STF e seus ministros? Pode parecer despropositado perguntar sobre a importância de tribunais e magistrados num ambiente democrático como o brasileiro, contudo o momento recente exige uma reflexão. Num país como os EUA, fonte inspiradora para a criação do STF, a sua Suprema Corte desempenhou um papel político central na construção da nação.
Ao criar uma instituição responsável pela guarda da Constituição, os norte-americanos não imaginavam o relevo que a Suprema Corte ganharia. Um dos aspectos mais importantes da sua atuação consistiu na capacidade de figurar como um árbitro legítimo de conflitos envolvendo os limites do poder entre os Estados, a União e as diversas forças políticas do país.
A Suprema Corte oferecia um campo de disputa em que as projeções dos embates nacionais convertiam-se no discurso aparentemente neutro da interpretação constitucional. O sucesso de uma intervenção desta natureza dependia do reconhecimento da Corte como uma instância menos propensa a privilegiar interesses de algum estado ou de segmentos poderosos da sociedade norte-americana.
Longe de idealizar esta neutralidade, deve-se ressaltar o empenho dos juízes da Suprema Corte em preservar o simbolismo em torno do seu trabalho. O longo culto aos ?pais da Constituição? e aos princípios fundadores da nação, projetado desde a pré-escola entre os norte-americanos, encontra uma representação concreta na forma como estes magistrados se portam publicamente.
Nos EUA não se encontram juízes da Suprema Corte concedendo entrevistas, reunindo-se com parlamentares, atuando como empresários ou confraternizando-se com qualquer tipo de segmento social e político. Busca-se, assim, reforçar a condição que Antoine Garapon chamou de guardião das promessas republicanas.
A recente discussão entre ministros do STF remete-nos a uma reflexão sobre o papel da nossa própria Suprema Corte, especialmente nas décadas que sucedem o fim do Regime Militar. Reconstruir uma democracia implica num grande esforço para consolidar instituições, valorizar as regras do jogo democrático, legitimar processos de tomada de decisão política e jurídica e, em última instância, fortalecer valores comuns que nos permitam encontrar soluções para os dilemas complexos que acompanham a trajetória de qualquer nação.
O misto de regozijo, incômodo e estupefação que acompanhou as diversas reações às palavras dos ministros revela os sintomas de que há algo errado na atual posição do STF no cenário político. A fratura exposta no entrevero põe a mostra um mal estar que os magistrados não poderão esconder e que a liturgia da convivência entre as diversas autoridades acaba mascarando. Reconhecer e compreender as causas do conflito no STF e a reação pública posterior é o primeiro passo para encontrar o verdadeiro e fundamental papel deste importante tribunal para a democracia brasileira.
GUSTAVO FEITOSA – Advogado, professor da Unifor e membro do Observatório das Nacionalidades