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Condenação prescrita

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17.04.11
Opinião – Debates e Ideias
Não é invulgar a interposição de recurso processual comum ou especial para adversar decisão condenatória criminal transitada em julgado, mas cuja executividade se exauriu por força da prescrição em concreto da pena ou se deu a extinção da pretensão estatal executória da condenação (art. 107, IV do CPB); a jurisprudência dos tribunais tem afirmado, na grande maioria dos casos, que em situação assim o recorrente careceria de interesse para recorrer, porquanto não lhe poderia ser imposta a sanção criminal correspondente àquela condenação; são representativos desse entendimento os seguintes julgados do STJ: AG 1.123.945-MG, Rel. min., Haroldo Rodrigues, DJe 07.12.09; Resp. 297.569-RJ, Rel. min. Celso Limongi, DJe 09.03.11; Resp. 705.930-SC, Rel. Min. Maria Thereza Moura, DJe 18.12.09).
Essa orientação se apresenta, sem dúvida alguma, repousante sobre a estrita compreensão técnica da eficácia da sentença penal condenatória, mas parece deixar de levar em conta outros efeitos (não penais) da condenação, como por exemplo o de tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, I do CPB), para além do quanto que a esse título tenha o juiz criminal minimamente estabelecido na decisão (art. 387 do CPP).
No contra-ponto dessa diretriz, pode-se visualizar a superação do rigor do conceito de falta de interesse recursal, na hipótese em cogitação, se a situação for analisada à luz da nova compreensão das tutelas jurídicas protetivas de direitos da personalidade, quais o bom nome, a boa fama e outros inerentes à reputação da pessoa; nesse sentido, poder-se-á dizer que aquela assertiva não tem mais acolhida pacífica no Direito Processual Penal contemporâneo, porquanto a tutela das liberdades não é mais adstrita ao famigerado direito de-ir-e-vir, prestando-se também para proteger outros direitos da personalidade, como por exemplo retirar da biografia da pessoa condenada a mácula da condenação, quando esta se evidenciar divorciada da justiça.
Convém ressaltar que a decisão penal condenatória, além de produzir efeitos sobre a reputação, a boa fama e o bom nome da pessoa, igualmente lavra resultados danosos em outras searas jurídicas, como tornar induvidosos o fato que motivou a condenação e a sua autoria, lastreando pedidos de indenização; dessa forma, o interesse recursal da parte penalmente condenada salta aos olhos, mesmo extinta a pretensão executória, cumprindo à instância recursal conhecer do pedido regularmente interposto e decidi-lo conforme entender de Direito. Releva sublinhar, novamente, que a condenação criminal produz também efeitos extra-penais, alguns de natureza genérica e outros de natureza específica (arts. 91 e 92 do CPB), de modo que o interesse na apreciação do recurso do réu condenado ? mesmo que a execução da sentença tenha sido atingida pela prescrição ? deve abranger, igualmente, esse plexo de relações que surge do édito condenatório; em outras palavras, não se exaurem na seara penal os efeitos da decisão, por isso que os interesses e valores externos a ela não hão de permanecer fora do conceito de interesse recursal.
Assinale-se que a recorribilidade contra a condenação poderá ser também reconhecida em outros casos em que a extinção da pretensão executória se manifestar (art. 107 I a IX do CPB), desde que o fenômeno extintivo não elimine também a eficácia de efeitos extra-penais; na verdade, não há como se explicar, do ponto de vista da Justiça, que a pessoa indevidamente condenada tenha de suportar a mácula da condenação em sua biografia ou os seus efeitos patrimoniais, quando para tanto não fez erro.
Há certas situações de sentenças condenatórias cuja executividade está vulnerada pela prescrição, em que a evidência do interesse recursal é incandescente: por exemplo, se a decisão foi dada por juiz absolutamente incompetente, se o crime estava prescrito ou fora objeto de anistia ou se a conduta imputada ao agente é atípica; ora, o reconhecimento desses eventos processuais ? todos de manifesta relevância ? somente se pode obter se o recurso da parte condenada for conhecido e julgado pelo seu mérito, de acordo com as suas respectivas razões jurídicas.
Por outro lado, não se conhecendo do apelo ordinário ou raro, estar-se-á impelindo o réu condenado a desafiar a revisão do julgado ou a interpor um pedido de habeas corpus, em ambos os casos se congestionando as instâncias judiciais desnecessariamente, ou então fazendo-o amargar pelo resto de sua vida terrena o peso insuportável e a amargura indescritível, a mancha vergonhosa e o opróbrio de uma condenação criminal, embora indevida; mas, para assim atuar deve o magistrado mudar a sua percepção, pois, como bem disse o ministro Cesar Rocha: ?já se vê que isso importa em rever os paradigmas da atuação do juiz no processo e revitalizar o sentido de proteção e amparo que o sistema das leis escritas tinha nos seus primórdios, não se deixando que os desvios se tornem o caminho ou que a distorção se transforme no padrão?. (Cartas a um Jovem Juiz, RJ, Elsevier, 2009, p. 25).
Mariana Oliveira
Advogada criminalista
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