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Colisão de interesses

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07.05.2009 Opinião pág.: 06
A decisão tomada pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de atender a um pedido da Coelce determinando a suspensão da liminar e da sentença deferida pelo Tribunal de Justiça do Estado que permitia à Prefeitura de Senador Pompeu continuar a receber energia elétrica, apesar de não ter pago uma dívida de R$ 741 mil, repercute amplamente na opinião pública cearense.
Evidentemente, do ponto de vista estritamente formal, tratar-se-ia de uma ação legítima de um fornecedor lesado, em face do não cumprimento, pelo contratante, do contrato assumido. Ademais, trata-se de uma empresa privada que, à falta de ressarcimento por serviços prestados, teria seu negócio comprometido. O que complica o caso é o fato de estarem em jogo os interesses de uma cidade inteira. Essa é uma das questões mais desafiadoras postas ao Direito, a partir das modificações ocorridas no sistema econômico contemporâneo.
Duas décadas atrás essa questão não se colocaria, visto que o próprio poder público – que tem como função garantir o funcionamento do Estado – era ao mesmo tempo o detentor e provedor da prestação dos serviços básicos da coletividade. A relação custo/benefício, do ponto de vista econômico, ficava oculta por conta disso. Se havia déficit decorrente da falta de pagamento do serviço, por parte de algum contratante, isso não tinha visibilidade, não repercutia imediatamente, Na verdade, esses déficits eram cobertos por outros setores. Mas existiam.
Agora, no entanto, que essa operacionalidade foi assumida pelo segmento privado não há como evitar que as contrafações apareçam. E a empresa se mobilize para garantir a rentabilidade de seu negócio. Então, do ponto de vista da legitimidade da ação da empresa em defesa de seus rendimentos, aparentemente, não há o que contestar. Contudo, a questão não fica resolvida, pois há um interesse coletivo em jogo que, do ponto de vista, da Constituição também deveria ser preservado e ? para alguns intérpretes da Carta ? tem até precedência.
Não há como negar que uma comunidade inteira seria prejudicada se seus órgãos municipais não funcionassem por falta de energia elétrica. Isso seria aceitável pela opinião pública? À primeira vista, parece que não, pois esta, supostamente, ainda raciocina segundo os parâmetros anteriores (de empresa pública). Mais do que a questão de interpretação (papel do Judiciário) está em jogo uma questão de fundo, e esta só pode ser resolvida pelo Legislativo, providenciando leis adequadas a essa nova situação, visto que estão em colisão dois interesses legítimos: o de um ente federado (o município), detentor da legitimidade da representação popular e o de uma empresa privada, que depende do ressarcimento de seus serviços para sobreviver.