Cartões de lojas devem ser usados com cautela
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- 28-02-2011
27.02.2011 negócios
O secretário executivo do Procon, promotor de Justiça Francisco Câmara, admite que os números são preocupantes
CID BARBOSA
No Centro, o assédio aos consumidores se dá a todo instante e em praticamente todos os locais
MIGUEL PORTELA
28/2/2011
Modalidade de crédito que vem se disseminando, sobretudo entre as classes economicamente emergentes, os cartões oferecidos pelas lojas, apresentados como uma grande alternativa para a população, quase nunca são aquilo que se imagina
Dona de um salão de beleza no Centro de Fortaleza, a estudante de Direito Maria (nome fictício) perdeu uma amizade de 15 anos por causa de uma dívida contraída através de um cartão de uma loja de departamentos. A história de Maria é semelhante à de dezenas de outras pessoas. “Uma amiga pediu para que eu comprasse alguns objetos para ela, no valor de R$ 500,00. Não tive como negar, afinal de contas, ela foi madrinha do meu casamento e nos conhecíamos há uma década e meia. O resultado foi desastroso”, conta a universitária.
Pagar e não levar
A “amiga” lhe aplicou o famoso calote. O jeito foi pagar a dívida alheia. “É uma das piores coisas que pode acontecer a alguém. Pagar sem comer, nem beber. O pior de tudo é que a dívida virou uma bola de neve, quase dobrou. Mas, o importante é que consegui superar a mágoa e pagar até o último centavo”.
O episódio serviu de lição para Maria. “Tinha uma verdadeira fixação por cartões de crédito, em especial, pelos das lojas de departamentos. Para se ter uma ideia, nesse período, dentre outros, possuía os cartões da Esposende, Casa Pio, Marisa, C&A, Esplanada, Otoch e Riachuelo, sem falar no Credicard e no Hipercard. O trauma fez com que tomasse uma decisão: quebrei todos os documentos plásticos e nunca mais precisei desse tipo de crédito”, relata a dona do salão de beleza.
Maria revela que a experiência traumática lhe causou depressão. “Após o sofrimento, veio o alívio. Hoje em dia, não compro mais nada através de cartões, até mesmo porque não os tenho. Ficou apenas na lembrança da época em que tinha um porta-documento que, de tantos cartões, vivia repleto. Estou bastante feliz com a minha realidade financeira”. Nessa história, só mesmo a relação com a ex-amiga e madrinha de casamento se tornou irremediável.
Desgosto
Vale salientar que o entrevero com a ex-amiga foi apenas a gota d´água para Maria tomar a atitude radical em relação aos cartões que possuía. “Já vinha desgostosa com o que considero uma fraude por parte das lojas. Primeiramente, eles oferecem o produto dizendo que o mesmo é diferente do cartão de crédito, sem anuidade ou taxas. Depois, incentivam a gente a adquirir mercadorias em até oito vezes. Só que não deixam claro que existem juros embutidos. Além disso, ainda inventam taxas contra perda do documento, seguros e outras artimanhas, o que acaba transformando o uso do cartão num verdadeiro pesadelo”, conclui Maria.
Estatística
Os números do Ministério da Justiça não deixam qualquer dúvida sobre o grande vilão dos consumidores brasileiros. Conforme dados do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), as reclamações atinentes aos cartões de crédito representam 12,09% do total, vindo, em seguida os telefones: celular (10,46%), fixo (9,76%), aparelho celular (8,30%); e depois os bancos comerciais (7,75%).
Queixas
Quando se esmiuça a questão dos cartões, as queixas mais corriqueiras são cobrança indevida (44,71%), contrato-não cumprimento, alteração, transferência, irregularidade, rescisão, etc. (16,34%), demais problemas (13,69%), cálculo de prestação/taxas de juros (12,93%) e cálculo de prestação em atraso (12,33%). É no segmento de lojas que o chamado “dinheiro de plástico” mais cresce.
De acordo com o recente resumo de indicadores, publicado pela Associação Brasileira de Empresas de Cartões de Créditos e Serviços (Abecs), ao compararmos a evolução nos dois últimos anos, até junho último, temos a seguinte realidade. Em 2009, no período citado, foram expedidos 184.984; em 2010, 211.017, ou seja, um aumento de 26.033 (14%).
O crescimento em termos de cartão de crédito propriamente dito ficou aquém: 130.586 (2009), 144.995 (2010), o que perfaz um acréscimo de 14.409 (11%). Já os cartões de débito evoluíram bem menos que seus concorrentes: 224.669 (2009), 240.941 (2010), ou seja, um acréscimo bem pequeno, de apenas 16.272 (7%).
Reprovadas
Na pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) com 14 empresas que atuam no setor, divulgada pela instituição na semana passada, ficou constatado que todas elas possuem cláusulas abusivas em seus contratos, que ferem o Código de Defesa do Consumidor. A maioria é de lojas de departamentos. Segundo o ranking apurado pelo levantamento, o campeão é o Extra, com 88,89%, seguido pelo Ponto Frio, Riachuelo e Sonda, todos com o mesmo percentual. Em 5º lugar, aparece o Carrefour, com 77,78%. Na sequência, surgem Diners e Marisa, com 66,67%; Casas Bahia e Pernambucanas, com 55,56%. Do 10º ao 13, com 44,44%, estão Amex, C&A, Magazine Luiza e Renner. Por último, ou seja, com menor índice de cláusulas prejudiciais, está o Hipercard, com apenas 22,22%.
FERNANDO MAIA
REPÓRTER
PROCON
Dinheiro de plástico vira o maior vilão
Foi-se o tempo em que os eletroeletrônicos respondiam pelo maior percentual de queixas junto ao Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon Ceará). Desde 2009 são os cartões de créditos os maiores vilões da sociedade no tocante às reclamações.
No período compreendido entre 1º de janeiro e 21 de fevereiro de 2011, o órgão de defesa do consumidor recebeu um total de 5.077 queixas. Em relação aos chamados assuntos financeiros, foram 1.836. Desse total, 909 são alusivas ao dinheiro de plástico, incluindo os fornecidos por instituições financeiras e de lojas de departamento.
O promotor de justiça e secretário executivo do órgão, Francisco Gomes Câmara, reconhece que os números são preocupantes, mas garante que a entidade está de prontidão para coibir os abusos.
Denúncia
“Antes de mais nada, é preciso que as pessoas que se sentirem prejudicadas no seu direito nos procurem para oficializar a queixa. A partir daí, tentaremos uma conciliação entre as partes. Caso isso não ocorra, abrimos um inquérito civil, ou até mesmo uma ação civil pública, se ficar comprovado que determinada empresa está agindo mesmo de má fé”, garante Francisco Gomes Câmara.
O promotor de Justiça frisa que algumas providências simples devem ser tomadas para que, futuramente, as pessoas que se sentirem prejudicadas possam fazer valer o seu direito. “Quem receber indevidamente um cartão deve ligar para a empresa fornecedora para comunicar o fato imediatamente. A ligação fica gravada e é importante que se anote o número do protocolo. Se houver a insistência ou cobranças indevidas posteriormente, isso servirá de prova junto à Justiça”. O próprio secretário executivo do Procon revela que recebeu ligações no seu telefone fixo e no celular ofertando cartões. “Isso é uma outra preocupação de quem faz a defesa do consumidor. Como essas entidades conseguem nossos dados”, indaga.
Na avaliação do Procon, a excessiva oferta de cartões nos últimos anos foi responsável proporcionalmente pelo aumento das reclamações. “Com isso, surgiram novas situações, como o desconto da fatura do cartão diretamente no contra-cheque, o que estamos avaliando”.
O levantamento Procon cearense aponta 26 tipos de irregularidades que são cometidas. A campeã absoluta é a cobrança indevida. Das 909 queixas registradas de 1º de janeiro e 21 de fevereiro deste ano, nada menos do que 614 são atinentes a esse item, o que representa 12,09%. Em seguida, temos o que o Procon classifica como “discordância quanto às avarias”, 111 (2,19%). Na sequência, estão cálculo de prestação / taxa de juros, 72 (1,42%); cálculo de prestação em atraso, 31 (0,61%); consumidor negativado indevidamente nos serviços de proteção ao crédito, 13 (0,26%), lançamento não reconhecido na fatura, 12 (0,24%); contrato (não cumprimento, alteração, transferência, irregularidade, rescisão etc), 11 (0,22%); CET (não fornecimento de planilha de cálculo / recusa de cálculo), 6 (0,12%); SAC (acesso ao serviço – onerosidade, problemas no menu, indisponibilidade e inacessibilidade), 5 (0,10%); crédito consignado, 4 (0,08%, além de publicidade enganosa, venda enganosa, envio de produto ou serviço sem a prévia solicitação, todos com três queixas.
Faixa etária
No mesmo período, a estatística por perfil do consumidor, por idade, destaca que pessoas dos 31 aos 40 anos são 6.658 (24,35%) de um total de 27.338 queixas: são, portanto, as que mais buscam o Procon. Os que têm mais de 70 anos são apenas 1.578 (5,77%). Já quando no critério sexo, as mulheres estão na frente, com 14.610 (52,19%) contra 13.383 (47,81%) dos homens. (FM)
Reclamações
909 queixas relacionadas às operadoras de cartões de crédito recebeu o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon- Ceará), entre 1º de janeiro a 21 de fevereiro de 2011
CENTRO
Oferta acontece em todo lugar
Encontrar um agente das empresas de cartão de crédito no Centro da Cidade é uma tarefa das mais fáceis. De posse apenas da carteira de identidade, é possível em poucos minutos conseguir um cartão de crédito. Nas ruas Guilherme Rocha e Liberato Barroso, dois dos principais redutos de vendedores ambulantes de Fortaleza, o assédio é grande. Ali, alguns comerciantes, sobretudo os que negociam aparelhos de telefone celular, aceitam o dinheiro plástico como forma de pagamento.
O ambulante Marcos Feitosa resolveu se cadastrar nas operadores de cartão há oito meses. Ele conta que as vendas aumentaram, mas não na velocidade esperada. “Acontece que a maioria das pessoas não se acostumou com o fato de um ambulante vender a cartão e, dessa forma, usam mesmo o dinheiro. Porém, a cada dia, a situação muda. No início, fazia duas vendas no cartão por dia. Atualmente, tem dias que chego a dez”.
Pioneiro na venda através de cartões no seu ramo de comércio, o jornaleiro José Aldemir Ponte, o Sobral, proprietário da banca de revista “O Sobral”, na Praça do Carmo, atesta a eficácia do cartão para quem vende. “Há 23 anos decidi diversificar o modo de vender. A comercialização no cartão incrementou o negócio. Atrai o cliente, principalmente aquele que não gosta de andar com dinheiro temendo os assaltos”, atesta. (FM)