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Artigo: Justiça, sim. Revanchismo, não

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12.06.09
Brasília, 12/06/2009 – O artigo “Justiça, sim. Revanchismo, não” é de autoria do presidente nacional da OAB, Cezar Britto e foi publicado na edição de hoje (12) do Jornal do Brasil:
“A Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental, que a OAB patrocina junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), apoiada por diversas organizações da sociedade civil brasileira e integrantes do primeiro escalão do governo, baseia-se num pressuposto: o de que os que cometeram crimes de lesa-humanidade os torturadores foram equivocadamente interpretados como incluídos nos benefícios da Lei de Anistia. Ela não os abrange.
O que se pede hoje, portanto, não é a revisão ou a reforma da Lei de Anistia, mas o entendimento de que dela se beneficiaram personagens aos quais ela não se referia. No caso, os agentes do Estado que praticaram aqueles crimes hediondos, alheios ao campo de combate estritamente político.
Cabia-lhes zelar pela guarda e integridade física dos prisioneiros. Profanando-a, incidiram em delito penal grave. E a Lei de Anistia não faz menção a esses casos, que se excluem da luta política que se travou. Abrange apenas os lados que combateram.
A lei 6.683, de 1979, por isso mesmo, anistiou apenas os crimes políticos e conexos. A tortura, porém, não é crime político em lugar nenhum do mundo nem na legislação brasileira, nem nos tratados internacionais que o país tem subscrito.
Não há dúvida de que, ao propiciar a transição pacífica do regime ditatorial para o democrático, a Lei de Anistia cumpriu seu papel. Isso, porém, não impede que a história seja passada a limpo. Não se trata de revanchismo, nem muito menos de revogá-la.
Diversos personagens que serviram à ditadura figuram hoje em posições de destaque, no governo e na oposição. Cumpriram, porém, papel político, nos limites da lei, cabendo apenas ao eleitor e à história o direito de julgá-los. Não é nem de longe o caso dos torturadores, que agiram quando os adversários já não ofereciam resistência e estavam sob a guarda do Estado, violando a legislação, que, antes como agora, garante a integridade física do prisioneiro.
O que se busca, com o seu enquadramento, é demonstrar que a ação abjeta que exerceram não configura ato político, mas crime comum, hediondo, de lesa-humanidade e, portanto, imprescritível, nos termos da lei. Dessa forma, puni-los não fere a anistia, cuja essência é só pode ser política. Por essa razão, a OAB ajuizou a Argüição ao STF: para tirar o tema da mera discussão conceitual e dar-lhe conteúdo jurídico, fazendo com que a nação o discuta objetivamente e lhe dê conseqüência prática.
O Brasil precisa livrar-se do hábito de varrer para debaixo do tapete da história as suas abjeções. Precisa entender que anistia não é amnésia, e que um povo que não conhece o seu passado está condenado a repeti-lo. Não é uma frase de efeito, mas uma realidade objetiva, que faz com que a OAB há muito lute para que o país saiba, em detalhes, o que lhe aconteceu durante a ditadura militar.
Antes dessa ação, já havíamos ajuizado outra para que os arquivos da ditadura não permanecessem secretos, o que nos levou a ajuizar ainda uma outra, para apurar denúncias de que arquivos daquela época estavam sendo queimados e destruídos. A Lei de Anistia, como pensada inicialmente e depois reconhecida na Constituição, não beneficia o torturador. Diz especificamente que os crimes políticos e conexos estão anistiados, o que exclui a tortura, cuja tipicidade, como já disse, é bem outra.
O próprio regime militar jamais admitiu formalmente a prática de tortura. Considerou-a ação marginal, de cuja responsabilidade até hoje seus remanescentes buscam se eximir. Sendo assim, por que a defesa insensata dos torturadores, por que vinculá-los à Lei de Anistia, que é um pacto político e não criminal?
Se os que torturaram o fizeram por conta própria, à revelia dos comandos institucionais, por que o temor de que sejam responsabilizados moral e penalmente? Tal resistência faz supor o contrário do que sustentam essas lideranças remanescentes: o de que havia algum tipo de vínculo formal.
As instituições militares pertencem ao país e não a um grupo político. Não podem, portanto, assumir como seus argumentos facciosos. Desde a redemocratização, têm sido exemplares no cumprimento de seus deveres, alheias aos embates e ao varejo do jogo político-partidário. Daí a improcedência de apontá-las, em seu conjunto, como obstáculo ao restabelecimento da verdade histórica.
Elas não podem ser confundidas (nem se confundir) com sentimentos e interesses de alguns de seus setores, claramente minoritários e reacionários. E só têm a ganhar com o esclarecimento cabal de todo aquele sórdido período, virando de vez uma das páginas mais negras da história do Brasil.
Não podemos continuar a ser a única nação sul-americana vitimada por ditadura militar na segunda metade do século passado a não punir os torturadores. A Argentina chegou a encarcerar ex-presidentes da república, sem que isso abalasse sua democracia.
O Chile, ao não fazê-lo, viu-se exposto ao vexame de uma providência externa, com a prisão, por crime contra a humanidade, em Londres, do ex-ditador Augusto Pinochet, a pedido do juiz espanhol Baltazar Garzón, aceito pelo juiz inglês Nicholas Evans.
Tem agora o Supremo Tribunal Federal oportunidade única de fazer com que a história brasileira seja também passada a limpo, para que o país possa, enfim, conhecer o pesadelo que viveu, de modo a não mais repeti-lo.”