Artigo – Jurisdição constitucional
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- 03-11-2009
31.10.2009 Opinião
Assim como as Constituições e os princípios, outrora tidos por ideias e abstrações desvinculadas da positividade jurídica e que unicamente lograram a força normativa de que ora dispõem, após a revolução metodológica e hermenêutica ocorrida na idade dos direitos fundamentais, também as políticas de governo transcorrem, por inteiro, à revelia dos controles judiciais, portanto, em esferas discricionárias, na linha da divisão quase absoluta que separa o político do jurídico.
A separação, aliás, tem retardado e feito suspeito às correntes conservadoras e tradicionalistas do direito público a criação do tribunal constitucional e, desse modo, igualmente a possibilidade de concretizar, em juízo de constitucionalidade, um controle extensivo também àquelas políticas de governo, segundo determina o parecer de ponderáveis correntes de opinião da sociedade brasileira; políticas como foram, por exemplo, as das grandes privatizações e alienações da infra-estrutura econômica do Brasil.
Preservar princípios que estejam em causa, do porte daquele tão gravemente menoscabado, é dever da magistratura constitucional; a nação tem, portanto, legitimação para provocar-lhe intervenção reparadora. Legitimação tácita. Não está na letra do texto normativo mas no espírito da Constituição, onde se aloja, em esfera superlativa, que é a dos princípios.
Contudo, isto só se fará possível se for dado um passo avante: o de normativizar, judicializar e constitucionalizar a questão política em termos de controle de constitucionalidade.
Em suma, faz-se mister assinalar que, em matéria de controle de constitucionalidade, as políticas de governo se acham na mesma fase embrionária por que já passaram os princípios, enquanto fórmulas valorativas, abstratas, programáticas e idealistas, até há pouco de rara ou nenhuma serventia e eficácia, na região concreta e objetiva dos sistemas constitucionais; por isso mesmo absentes, quando se tratava de interpretar leis e atos normativos, precisamente pela razão de que aos princípios não se lhes reconhecia força normativa e juridicidade, o que só veio a acontecer, por derradeiro, com a revolução dos direitos fundamentais. Foi esta revolução que os colocou nas altitudes culminantes do sistema; por conseguinte, no topo de sua hierarquia normativa.
Quem levanta objeções deste feitio acha a resposta nestas palavras lapidares, de conteúdo e sentido, cuja autoria é de Pestalozza, um dos mais insignes processualistas do Direito Constitucional contemporâneo: ?Os tribunais constitucionais declaram o direito, mas ao mesmo passo fazem política.
Paulo Bonavides – Prof. emérito da Faculdade de Direito da UFC e da Universidade Metropolitana de Santos/SP. Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lisboa