Adoção de crianças não avança nos municípios
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- 18-01-2010
Regional 18.01.2010
Crianças e adolescentes contam com solidariedade e política pública para conquistarem lar adotivo
Quixadá Sancionada em agosto do ano passado pelo presidente da República, a nova lei da adoção de crianças ainda não deu os ares de seus benefícios no Interior do Ceará, principalmente no Centro do Estado. Primeiro, se passaram pouco mais de 90 dias desde que entrou em vigor. Uma das principais normas de agilidade dos processos de adoção obriga a Justiça e o Ministério Público a avaliarem situação de crianças e adolescentes abrigados a cada seis meses. O Cadastro Único Nacional também não foi implantado na região e faltam abrigos oficiais.
Em Quixadá, o Juizado da Infância e da Juventude aguarda nomeação da juíza Maria Martins Siriano. Quando assumir o cargo, no início de fevereiro, implantará o cadastro único de crianças e adolescentes em situação de adoção. O juiz de Direito então responsável pela Vara Especial, Fernando Cezar Barbosa de Souza, foi promovido. Partiu para a nova função antes da implantação do sistema na comarca de Quixadá. Dois anos antes ele havia criado um dos primeiros cadastros únicos do Estado. Em agosto deste ano, o presidente da República sancionou norma criando o cadastro nacional.
Apesar do município ainda não contar com o sistema, não há prejuízo para os menores. Essa é a opinião da conselheira tutelar Lucilene Xavier, conhecida como “Bamba”. Dentre os cinco membros do Conselho Tutelar de Quixadá, ela, que é técnica em Enfermagem, se especializou na assistência adotiva. Segundo contabiliza, 27 famílias estão na lista de espera. A última adoção ocorreu na terça-feira passada. Um recém-nascido, filho de uma doente mental, ganhou novo lar. A mãe, considerada incapaz, foi interditada pela Justiça.
No início do mês, outro bebê menor de um ano foi adotado, por uma família de Brasília. A criança nasceu com catarata congênita. Mesmo assim foi aceito. O menino poderá se submeter à cirurgia quando completar 12 anos. Até lá, precisará do amparo de quem realmente tem amor para dar. Esse é exatamente o argumento utilizado para convencer “mães acolhedoras” a manterem crianças sob sua guarda até a nova família chegar. A cidade não possui abrigo oficial. A Creche Rainha da Paz faz o acolhimento, mas somente no período de funcionamento. Nas férias, sem as mulheres do Projeto Mãe Acolhedora, são devolvidas a suas famílias.
Abrigo temporário
Outra opção na cidade é a Fazenda Novos Horizontes. Lá, no entorno do Santuário Mariano de Nossa Senhora Imaculada Rainha do Sertão, 22 crianças estão abrigadas temporariamente. Na maioria são meninos e meninas acima dos cinco anos. Aguardam processo de destituição de poder pátrio. O problema consiste no período de permanência, no máximo dois anos. “Caso não sejam adotadas, serão obrigadas a voltar para o antigo lar”, explicou Lucilene.
“A dificuldade ocorre porque os casais preferem meninas brancas, com menos de um ano e sem defeito físico”, enfatiza a conselheira. Mas, em busca de mudanças nesse sentido, uma equipe multiprofissional, composta por psicólogo, assistente social e pedagogo, trabalha junto aos futuros pais adotivos. Os trabalhos são realizados através do Centro de Referência da Assistência Social (Creas). O órgão é mantido pela Prefeitura Municipal de Quixadá.
De acordo com levantamentos do Conselho Tutelar deste município, desde a criação do Cadastro Único foram consolidadas nove adoções. São duas meninas e sete meninos, todos recém-nascidos. Os números podem ser maiores. A relação é feita sem as adoções dirigidas, quando a própria gestante entrega o filho para outra família. Esses casos não estão inclusos no sistema. O perfil dessas mães está associado à pobreza absoluta, instabilidade econômica, falta de condição de criar e de moradia fixa, solteiras e profissionais do sexo.
Assim como ocorreu na criação do Cadastro Único na Vara da Infância e Juventude de Quixadá, em 2007, quando através de e-mail famílias demonstraram o interesse pela adoção – algumas ainda aguardam na fila – Lucilene acredita na mesma estratégia para resolver o problema das crianças que esperam pelo processo legal. Realizando uma campanha, por meio dos veículos de comunicação e internet, acredita que será possível conquistar mais “mães acolhedoras”. Elas poderão cuidar das crianças enquanto a adoção não se concretiza.
A diretora de secretaria da Vara da Infância e da Juventude de Quixeramobim, Liduína Santiago, confirma a dificuldade, reforçada pela formação dessas crianças. Quando maiores, criam hábitos, alguns difíceis de mudar, como gostar de ficar nas ruas e não ter interesse pela escola. A agressividade também é observada em alguns delas. A necessidade da adaptação vai além do carinho. É preciso prepará-las para a nova realidade de viver em novo lar. Além do amor, paciência e insistência são fundamentais.
PROVA DE AMOR
“Mãe acolhedora” precisa de voluntários
Quixadá Atualmente, neste município, existe apenas uma mulher que atua como “mãe acolhedora”. Trata-se de Antônia Ferreira Lima, que se dedica ao atendimento de recém-nascidos na creche Rainha da Paz há mais de 15 anos. É ela quem coordena a equipe do Centro Infantil Dr. Alessandro Nottegar, uma das unidades de assistência infantil da Comunidade Regina Pacis. No início era atendente, mas, com o passar dos anos, conquistou a confiança da benfeitora da entidade filantrópica e a liderança do grupo. De domingo a domingo sua atenção é voltada para o berçário da unidade assistencial.
Quando as férias chegam, a creche fecha temporariamente suas portas. As assistentes ganham merecido repouso. As crianças voltam para seus lares. Mas quando o retorno se torna praticamente impossível, Toinha não pensa duas vezes, assume o papel de mãe temporária. Acolhe os bebes em sua própria casa. Quando a relação se torna ainda mais estreita e se uma nova família demorar para aparecer, ela acaba adotando-os como filhos. Foi assim com dois deles. Solteira, ela é mãe de uma menina de 11 anos e de um menino de seis. Já ganhou até o nome de “Toinha dos Desnutridos”, como é conhecida na comunidade para diferenciá-la de uma colega homônima que também trabalha lá, daí associaram o subtítulo do apelido aos trabalhos no centro de recuperação de recém-nascidos desnutridos do complexo missionário fundado em 1990.
Ela acredita na proposta da conselheira tutelar Lucilene Xavier, como uma boa maneira de recrutar voluntárias para cuidar dos bebês enquanto a creche não reabre suas portas. Para ela, nessas horas o coração materno fala mais alto. Falta apenas encontrá-las. “Com certeza, poderemos ter um exército de mães acolhedoras na cidade”.
Márcia Nobre de Oliveira, 28 anos, é um exemplo. Ela é monitora de outra instituição de amparo a menores, a Novos Horizontes. Não sabia da carência na cidade. Em nome da família, dos pais e dos cinco irmãos, garante que estarão de braços abertos para receber um novo membro temporário. A preocupação dela é com os meninos maiores. A dificuldade em ampará-los é muito grande, já que famílias interessadas na adoção preferem os bebês.
Solidariedade
“Quem busca a verdadeira adoção não olha para a cara, nem para a cor ou idade”
LUCILENE XAVIER (BAMBA)
Conselheira tutelar em Quixadá
“Quando a gente vê uma criança abandonada, sem amor, toca o coração”
Antônia Lima
Mãe acolhedora em Quixadá
MAIS INFORMAÇÕES
Vara da Infância e da Juventude de Quixadá, (88) 3412.3030; Quixeramobim, (88) 3444.2500; Conselho Tutelar de Quixadá, (88) 3414.4663
Alex Pimentel
Colaborador