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A importância de cuidar de quem cuida

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A série de reportagem “Muitos jeitos de ser mãe”, produzida pela Assessoria de Comunicação do TJCE, encerra destacando a necessidade de oferecer redes de apoio, divisão justa de tarefas e suporte emocional para evitar exaustão e sobrecarga materna. A sétima matéria da série traz também exemplos de ações do Judiciário, voltadas para o cuidado com a saúde e bem-estar de colaboradoras e colaboradores.

 

 

 

Ser mãe é o sonho de muitas mulheres. Seja pelo caminho biológico ou adotivo, o sentimento de responsabilidade, doação e entrega transborda o coração de quem recebeu uma das missões mais desafiadoras que o ser humano pode exercer: o de cuidar e contribuir com o desenvolvimento de um filho. Ao longo desse percurso, em meio às mais diversas emoções que a maternidade proporciona, é inegável que o cansaço e a sobrecarga também acabam batendo à porta.

A dificuldade em encontrar tempo para uma rotina de autocuidado, a necessidade de renunciar ou adiar interesses e projetos pessoais, que vão além da maternidade, assim como a falta de uma rede de apoio para lidar com as inúmeras atividades domésticas e profissionais, são causas que acarretam esgotamento físico e mental em muitas mães. E, quando isso acontece, é preciso repensar as prioridades e contar com ajuda para que “o sonho não se torne um pesadelo”.

 

 

 

Era o início da década de 80 quando a neta de Dona Sarita, ao visitá-la em seu local de trabalho, o então cartório do Município de Capistrano, Interior do Ceará, teve o primeiro contato com um membro do Judiciário: o juiz da cidade, um homem que chamara a atenção daquela garotinha pelo seu comportamento perspicaz e educado.

Mesmo sem nenhuma influência familiar, pois nenhum parente havia seguido a área do Direito, a lembrança da atuação do juiz ficou guardada na memória. O tempo passou e o interesse pelo universo jurídico foi aumentando. Após a conclusão da graduação em Direito, Deborah Salomão Guarines deu os primeiros passos para tornar-se juíza. Com muita dedicação aos estudos, o resultado veio: duas aprovações em dois Estados, Bahia e Ceará. A jovem então tomou posse na magistratura baiana, mas, depois de um ano, voltou ao Ceará para ser empossada e atuar na terra natal. Era 2007 quando iniciou na Comarca de Barroquinha.

O objetivo de ser juíza havia sido alcançado, porém o grande sonho da sua vida era o de ser mãe. Recém-casada, começou a planejar a gravidez, mas, ao longo das tentativas, descobriu um problema de saúde que afetara a fertilidade. Ela recorreu a tratamentos e, em 2009, nasceu a primeira filha, Sarah. O desejo de ver a casa ainda mais cheia era latente e, dois anos depois, a caçula Cecilia chegou para somar à família.

O que a magistrada não esperava era que, em meio à realização do seu maior sonho, enfrentaria uma situação que nenhuma mãe quer vivenciar: sua filha Sarah, com três dias de vida, sofreu convulsão (contratura involuntária da musculatura, que provoca movimentos desordenados e é acompanhada, geralmente, pela perda da consciência) e precisaria de acompanhamento médico durante a primeira infância. Cecilia, por sua vez, desenvolveu asma (condição em que as vias aéreas ficam inflamadas, estreitas e inchadas, com produção de muco, o que dificulta a respiração) ainda bebê e também necessitaria de cuidados com a saúde.

A rotina de ambas as filhas, marcada por consultas, retornos e exames, foi decisiva para a magistrada optar em não se candidatar, por exemplo, a vagas em outras comarcas, que é um procedimento comum e que contribui com o crescimento profissional. Para ela, a decisão de esperar ou de abnegar oportunidades não foi o mais difícil, embora soubesse o quanto isso lhe custara, mas sim ouvir de várias pessoas que essas “escolhas”, ou melhor, “a falta delas”, causariam prejuízos a sua carreira e que ela não conseguiria ascender a outros cargos. Apesar do desconforto, essas palavras nunca desceram ao seu coração. “Muito pelo contrário. Nunca me arrependi de qualquer escolha que fiz pelas minhas filhas. É certo que algumas coisas tiveram de esperar, mas, hoje, olhar para elas e vê-las saudáveis não tem preço”, afirmou.

“Como mãe, não podemos negar que, muitas vezes, precisamos abrir mão de algumas coisas ou esperar um pouco mais em função dos nossos filhos, pois exige muita entrega. Mas precisamos entender que, assim como eles, nós também precisamos de cuidado. Passei por momentos muito difíceis quando as meninas precisaram dessa dedicação médica, quando perdi uma filha ainda no ventre [gêmea da Sarah], com preocupações, com tantas atribuições profissionais, mas entendi que eu também precisava de atenção. Hoje estou atenta à minha saúde física e mental, faço atividade física, procuro dormir bem e tento tirar um tempo para cuidar de mim também”.

Titular do Juizado da Mulher de Caucaia, Deborah Salomão, mãe da Sarah e da Cecilia, hoje com 14 e 12 anos respectivamente, reforça a importância de uma rede de apoio, com família e profissionais para auxiliar nas atividades e nas situações de exaustão emocional. “A maternidade, para mim, é a missão mais sublime que já recebi e, certamente, a mais importante, porque minhas filhas não são só minhas, são também cidadãs do mundo, onde viverão, estudarão, trabalharão, terão amigos e onde deixarão suas marcas. Por isso, toda mãe merece o apoio de toda a sociedade, pois só apoiando as mães teremos filhos felizes e relações humanas mais satisfatórias e igualitárias”, completou a magistrada.

 

 

A energia dispensada na criação dos filhos e em todas as responsabilidades que acompanham essa missão, especialmente no período da primeira infância, é, para oficiala de Justiça Melissa Martins, um segundo trabalho. Ela tem dois filhos: Felipe, de onze anos, e Caio, de nove. A diferença de idade entre os meninos, de apenas um ano e sete meses, exigiu de Melissa um esforço dobrado e contínuo até os dias de hoje.

“Eu amo ser mãe, amo os meus filhos, mas não posso negar que a maternidade exige muito de nós mulheres. Quando tive o Felipe, ainda no período de puerpério, eu não conseguia dormir ou relaxar, pois era mãe de primeira viagem e não tinha dimensão do quanto cuidar de um ser tão pequeno e tão dependente de nós seria uma tarefa tão grande. Eu tinha muito medo de acontecer alguma coisa com ele, então, todo o meu empenho era voltado ao bebê”, relembrou Melissa ao falar sobre a fase da vida em que se viu mais cansada.

A oficiala é lotada na Comarca de Itaitinga, Região Metropolitana de Fortaleza, e cumpre boa parte dos atos judiciais nos presídios. Apesar do ambiente de trabalho ser desafiador, para Melissa, o maternar requer ainda mais. “Somos mães 24 horas por dia, em casa, no emprego, no dia de folga, nos feriados, em todos os momentos, em todas as idades, continuamos sendo mães. Levamos um tempo para entender que um dia os filhos partem e, mesmo entregando tudo o que somos, precisamos compreender que também precisamos investir em nós, a começar pela nossa saúde.”

Aos 34 anos de idade, Melissa aprendeu a encontrar mais alívio no período de puerpério do filho caçula. A necessidade de descansar e de reconhecer que não precisava dar conta de tudo sozinha fez com que passasse a ter um olhar mais sensível e com menos cobrança para si mesma. “Naturalmente, nós, mulheres, mesmo não sendo mães solo, ficamos mais sobrecarregadas com as atribuições de cuidar dos filhos. Todavia, não precisamos ser perfeitas e temos que aprender a dividir as funções, a pedir ajuda e a não romantizar tanto a maternidade, pois essa missão é sim muito realizadora, mas também é extremamente desafiadora. Hoje, consigo conciliar as atividades do trabalho e do lar, porque posso contar com uma pessoa que me ajuda, que fica com as crianças quando eu não estou em casa, além do meu marido que também divide as obrigações comigo”.

No tempo presente, com as crianças em outra fase da vida, Melissa consegue aproveitar e redescobrir a beleza da maternidade, mas leva consigo o ensinamento de que, apesar da “magia” que é ser mãe, os cuidados também devem começar por ela. “Um dia os filhos vão seguir seus próprios caminhos e nesse momento pensamos: Será que essa pessoa que ficou cuidou da vida dela também? Será que realizou outros sonhos, foi em busca do que gosta ou viveu exclusivamente em prol da maternidade? São esses questionamentos que me impulsionam a enxergar a Melissa não só como mãe, mas também como mulher e profissional, que tem anseios, sonhos e necessidades que precisam ser considerados”, enfatizou a jovem mãe, que já se prepara para a fase da adolescência dos filhos.

 

 

Quem já foi alguma vez ao Fórum de Guaiuba, distante 39 km da Capital, ou precisou acionar o Balcão Virtual daquela unidade, pode ter sido atendido por Maria Salete Cardoso, que trabalha há 25 anos no local. Para quem sempre gostou de atender pessoas, foi muito difícil conviver com o dilema interno, que perdurou por muito tempo: “Tive que trabalhar para sustentar minhas filhas, mas sinto que ficou um vazio, a sensação de que algo ficou faltando”.

O sentimento relatado é muito comum em mulheres que precisam conciliar o trabalho, a criação dos filhos e os serviços domésticos. Mãe de três filhas, sendo as duas primeiras gêmeas, Salete teve de trabalhar desde muito cedo para criar as meninas. Por muitas vezes, se viu sozinha, pois, além das dificuldades diárias, ainda vivia em um contexto de violência doméstica com seu ex-companheiro. Um passado que deixou marcas irreparáveis, mas, pelas próprias filhas, era preciso prosseguir.

“Eu me sinto uma vitoriosa, porque eu passei por muito sofrimento para criar as minhas filhas. Teve uma época em que o pai delas bebia muito e me agredia. Eu suportei tudo isso pelas minhas filhas, porque elas eram pequenas e não entendiam. Mas, quando completaram onze anos, eu tomei uma decisão e procurei a delegacia para resolver. Depois disso, graças a Deus, passei a viver mais feliz com as três. Eu sou mãe e pai e é assim que elas me consideram. Minhas filhas são tudo pra mim”, contou a atendente, que também sofreu a perda de um filho aos sete meses de idade. “Essa dor me corrói até hoje, mas me conformo porque sei que ele está bem.”

Nas páginas da vida, os registros de momentos difíceis e dolorosos são inevitáveis, mas são as páginas em branco, que podem ser escritas por nós, por nossas escolhas, nos trazem a possibilidade de mudar o roteiro e de fazer renascer a esperança por um final feliz.

“Quando conto a minha história para as pessoas, eu conto como se fosse a minha vitória e não a minha derrota. Eu ter conseguido criar minhas três filhas, que são boas, meus netos, que são maravilhosos, isso pra mim é tudo. Eu sou uma mãe realizada. Não tenho mágoas de nada que se passou em minha vida, tive dificuldades, nós passamos fome, mas são coisas da vida. O importante é que eu lutei por elas e consegui”.

 

 

 

As experiências compartilhadas por Deborah, Melissa e Salete, mesmo em contextos diferentes, têm um ponto em comum: o protagonismo da mulher na criação dos filhos e suas implicações para a saúde mental e emocional das mães. As infinitas atribuições e exigências do cotidiano podem levar ao acúmulo de estresse e pressão que afetam diretamente a saúde, ocasionando, assim, um fenômeno conhecido como burnout materno. A condição caracteriza-se pela exaustão, sentimentos de incompetência, desgaste emocional e perda de interesse nas atividades cotidianas.

Para a psicóloga Ana Carolina Viana, que faz parte do quadro de servidores do Judiciário cearense há 15 anos, é preciso que a sociedade discuta e tenha um olhar sensível e atento para esta realidade. Ela explica que “culturalmente, a maternidade é colocada à mulher como papel intrínseco, como se ela tivesse nascido para aquilo e soubesse o que fazer, quando, na verdade, a gente se constrói mãe durante a maternidade. Por mais que você leia, se prepare, é vivendo que a gente aprende. As mães dão tudo de si para os filhos e não cuidam delas mesmas, da saúde física, emocional, porque, socialmente, isso nunca foi colocado como prioridade e, quando as mães atentam para isso, muitas vezes, vem o sentimento de culpa”.

Ao mencionar a importância da discussão e das reflexões que envolvem a temática, a profissional destaca que “é necessário uma ‘aldeia’ para educar uma criança, como diz um provérbio. Não somente uma rede de apoio da família, que é extremamente essencial, bem como contar com escola e políticas públicas, sensibilizar a sociedade para a causa da saúde mental materna, e, principalmente, de companheiros que assumam o seu lugar e o seu papel nas obrigações diárias da criação dos filhos. Pois, afinal, se uma mãe não estiver bem, como ela poderá criar filhos saudáveis? É aquela história do avião: primeiro coloque a máscara em você para colocar em outra pessoa. Portanto, é indispensável o autocuidado, tirar um tempo para si, praticar exercícios físicos e dividir a sobrecarga, com pessoas que estejam à nossa volta ou com acompanhamento profissional”, realçou Ana Carolina, que também é mãe de duas crianças, o pequeno José, de apenas um ano e meio, e Clara, de quatro anos.

 

 

 

Mais da metade do quadro de colaboradores do Tribunal de Justiça do Ceará é formada de mulheres, sendo, muitas delas, mães. A saúde e o bem-estar do púbico interno é uma das preocupações do Judiciário cearense, que promove regularmente palestras e rodas de conversa, além de oferecer atendimento médico e psicológico. Outro exemplo é Programa Medicina de Estilo de Vida Saudável (MEV), que consiste no atendimento individualizado com o objetivo de proporcionar orientações e atendimento especializado para uma melhor qualidade de vida através de hábitos e práticas saudáveis. O acompanhamento tem duração de quatro meses e é realizado por médicos, nutricionistas, dentistas e psicólogos, todos do quadro de colaboradores do Tribunal.

 

 

 

A série de reportagem “Muitos jeitos de ser mãe” foi publicada durante este mês, em homenagem ao Dia das Mães, comemorado no dia 12 de maio. Por meio de relatos de magistradas e servidoras da Justiça, trouxe um olhar para a maternidade real, em sua pluralidade de vivências e desafios. A série destacou também os serviços oferecidos pelo TJCE que beneficiam as mães, sejam elas profissionais ou usuárias da Justiça.

Confira as matérias anteriores:

A luta pelo sonho da maternidade
Sentimentos e desafios da passagem pelo puerpério
As diversas fases da maternidade e suas transformações
Maternidade e carreira pelos olhos das mulheres que fortalecem o Judiciário
Maternidades negras: Mães na luta contra a discriminação racial
Mães por uma sociedade mais diversa e inclusiva