150 anos de história do TJCE: um nascimento aguardado e celebrado
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- 29-01-2024
Wanderley Filho
O Brasil ainda era Império quando, há 150 anos, na Província do Ceará, numa manhã chuvosa de 3 de fevereiro de 1874, autoridades e populares foram ao Palacete Senador Alencar, sede da Assembleia Legislativa, para celebrar a instalação do Tribunal de Relação, atual Tribunal de Justiça. Contava inicialmente com sete desembargadores e foi criado pelo Decreto n° 2.342, de 6 de agosto de 1873, assinado por Dom Pedro II.
O mesmo documento registrou a instalação de outros seis tribunais no País: Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Rio Grande do Sul e São Paulo, para se juntarem aos quatro que já existiam na época: Bahia, Rio de Janeiro, Maranhão e Pernambuco. No livro Organização e Administração do Ministério da Justiça no Império, os historiadores Américo Lacombe e Vicente Tapajós relatam que cada unidade contava com um secretário, um amanuense (escrevente), dois oficiais de justiça e dois contínuos. O secretário era nomeado por decreto imperial, os amanuenses, por portaria do ministro da Justiça, e os demais funcionários eram nomeados pelos respectivos presidentes das Relações.
A Província do Ceará, então presidida por Francisco Teixeira de Sá, consolidava assim o crescimento econômico e populacional experimentado na segunda metade do século XIX. O Tribunal de Relações do Ceará, presidido pelo sergipano Bernardo Machado da Costa Dória, conselheiro do imperador, representava, portanto, importante avanço para a estrutura política, administrativa e jurídica do Estado.
Esse ambiente de entusiasmo com o progresso é ressaltado pelo historiador Ronald Tavares: “A instalação de um tribunal de segunda instância no Ceará em 1874 certamente encontrou eco no cenário político-social da época. Com a aprovação da Lei do Ventre Livre em 1871, parte importante da população passa a se submeter a um novo regime jurídico; no plano econômico, a primeira estrada de ferro da Província foi inaugurada em setembro de 1873; na Literatura, José de Alencar publica em 1875 o romance ‘O Sertanejo’, lançando luzes sobre as trajetórias dos habitantes do sertão. Nesse contexto, surge o conhecido adágio ‘que a justiça do Ceará te persiga’, enaltecendo a eficiência da nova Corte, característica que perdura após 150 anos de serviços, orgulhando a sociedade cearense”.
Com esse mesmo espírito, o presidente do novo Tribunal afirmou, na cerimônia de sua instalação, que “todos sentem hoje que há maioria de razão para que a Justiça seja mais pronta e eficaz”. Em seguida, Tomás Pompeu de Souza Brasil, o Senador Pompeu, discursou em nome da Comissão de Instalação do Tribunal, que tinha entre seus membros Joaquim da Cunha Freire, o Barão da Ibiapaba e primeiro vice-presidente da Província; Antônio Gonçalves da Justa, presidente da Câmara Municipal de Fortaleza; Paulino Nogueira Borges, um dos fundadores do Instituto do Ceará e futuro presidente da Província; Severiano Ribeiro da Cunha, o Visconde de Cauípe; Gonçalo Batista Vieira, o Barão de Aquiraz; entre outros nomes de vulto histórico no Ceará. Após a solenidade na Corte estadual, os participantes foram para a Catedral de Fortaleza, para assistir missa celebrada pelo bispo diocesano Dom Luiz Antônio dos Santos.
As Sedes do Tribunal
A primeira sede do Tribunal de Relação do Ceará funcionou no sobrado do tenente-coronel Antônio Pereira de Brito e Paiva, na Rua Amélia, nº 28, endereço que foi renomeado e renumerado, três anos depois, como Rua Senador Pompeu, nº 512. A primeira sessão ordinária ocorreu no dia 7 de fevereiro de 1874, com reuniões regulares previstas para acontecerem às terças-feiras e aos sábados. Participaram da sessão inaugural o presidente da corte, Bernardo Machado da Costa Dória, o procurador da Coroa, Fazenda e Soberania, José Nicolau Regueira Costa; e os desembargadores Leovigildo de Amorim Filgueiras, Mateus Casado de Araújo Lima Arnaud, Silvério Fernandes de Araújo Jorge, Manuel José da Silva Neiva e João de Carvalho Fernandes Vieira.
No mês de abril de 1875, o Tribunal de Justiça cearense mudou-se e passou a funcionar no sobrado que pertencera ao médico sanitarista José Lourenço de Castro e Silva, localizado na Rua da Palma nº 32, nome e número posteriormente alterados para Rua Major Facundo, nº 154. Em razão do seu crescimento, o Tribunal necessitava de mais espaço. Assim, sua terceira sede foi na rua Barão do Rio Branco, 1.200, até chegar, em 1986, ao Centro Administrativo Governador Virgílio Távora, no Cambeba, onde funciona a Sede da Justiça Des. Júlio Carlos de Miranda Bezerra.
Desde setembro de 2021, por causa de um incêndio, o Tribunal de Justiça do Ceará passou a funcionar no Fórum Clóvis Beviláqua, no Bairro Edson Queiroz, em Fortaleza. O incidente não gerou danos à tramitação dos processos, uma vez que o acervo já estava digitalizado. A expectativa é que, após reforma na Sede da Justiça, a Corte volte a funcionar no Cambeba, em 2024.
O Tempo como Aliado
Por tudo isso, a história mostra que o Tribunal de Justiça do Ceará nasceu em período de intensas transformações em diversas áreas. No mesmo ano de sua instalação, o Brasil passou a ter, oficialmente, o registro civil de nascimentos, casamentos e óbitos. Também em 1874, o pescador e jangadeiro Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar (1839-1914), um dos líderes e símbolo da luta abolicionista no País, foi nomeado prático da Capitania dos Portos, em Fortaleza.
Desse modo, o Poder Judiciário no Ceará, com estrutura própria, surgiu em consonância com novidades socioeconômicas que demandavam o aprimoramento das instituições da administração pública, com as garantias da própria Justiça. Passado um século e meio desse marco histórico, o Tribunal de Justiça do Ceará se firmou como importante instrumento para a efetivação do Judiciário nacional, chegando até os dias atuais, atuando na garantia, desde a Constituição Federal de 1988, da democracia na República Federativa do Brasil. Mudam os tempos, os governantes, as prioridades e os costumes, mas o ideal de Justiça permanece materializado nas suas Cortes de magistratura, atualizadas, modernizadas e revigoradas.