15 anos da Lei Maria da Penha: magistrados cearenses destacam avanços, conquistas e desafios enfrentados
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- 06-08-2021
Por Emanuelly Neri
Jornalista
Para marcar os 15 anos da Lei Maria da Penha, o Tribunal de Justiça do Ceará inicia, nesta sexta-feira (06/08), uma série de reportagens sobre o assunto enfocando os vários aspectos desta norma que tem sido um divisor de águas no combate à violência contra a mulher
Marco positivo na proteção aos direitos das mulheres, a Lei Maria da Penha (nº 11.340), sancionada em 7 de agosto de 2006, completa 15 anos no próximo sábado (07/08). Após sua criação, em 2007, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) instalou duas unidades judiciárias especializadas na luta contra a violência doméstica: os Juizados da Mulher de Fortaleza e Juazeiro do Norte. De lá pra cá, muitos desafios vieram, mas os avanços e conquistas também ganharam destaque.
Em 15 anos de atuação, o Judiciário Cearense fortaleceu e estendeu as ações de enfrentamento da violência à mulher, elaborando projetos que pudessem atender também ao agressor e aos filhos das famílias em contexto de violência. Firmou convênios e parcerias com órgãos governamentais, não-governamentais, instituições de ensino e empresas privadas, objetivando não só a proteção, mas também a prevenção da violência contra a vítima. Foram realizados projetos e ações voltados para eixos comunitários, policiais e jurídicos, com o foco em grupos reflexivos para homens e mulheres, conscientizando sobre a importância do tema.
Ainda no início da pandemia, em julho de 2020, o TJCE implantou o 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital, a fim de tornar mais célere a prestação jurisdicional dos casos envolvendo a Lei Maria da Penha. Os Juizados de Violência Contra a Mulher e as demais unidades adaptaram-se ao novo cenário, realizando os atendimentos de forma virtual, por meio de contato telefônico, por WhatsApp ou e-mail institucional. Palestras e eventos abertos à sociedade foram realizados virtualmente, com o objetivo divulgar a proteção assegurada às mulheres e incentivar o rompimento da relação abusiva através da denúncia.
A presidente da Coordenadoria da Mulher do TJCE, desembargadora Marlúcia Araújo Bezerra, destacou que o período da pandemia é extremamente delicado, visto que muitas mulheres passaram a estar confinadas no lar com seus agressores. “Por esta razão, intensificamos a realização de ações pedagógicas, como campanhas de prevenção e adesão a iniciativas desenvolvidas por outros órgãos parceiros, tais como a ‘Sinal Vermelho’, ‘Não se cale’ e ‘Isolamento Sim, Violência Não’. As audiências e os julgamentos não foram interrompidos e passaram a ocorrer por videoconferência. Há sempre preocupação em retornar a demanda no prazo de 24h, garantindo uma prestação célere e humanizada”, afirma a magistrada.
Titular do 1º Juizado da Mulher de Fortaleza, a juíza Rosa Mendonça enfatiza que o papel do Judiciário na divulgação e conhecimento da Lei Maria da Penha é importantíssimo, já que o órgão atua nos mais variados espaços da sociedade. “Contactamos com todas as redes de atendimento à mulher para alinhar a melhor forma de trabalho. Nesses 15 anos, não houve interrupção das medidas protetivas, que continuaram a ser deferidas. Inserimos o atendimento online, por meio do balcão virtual, além das campanhas de apoio para mostrar que ela não está sozinha. O número de sentenças e despachos aumentaram consideravelmente. Mostramos que todos os serviços da Justiça estão funcionando bem, para atender e dar o suporte à vítima da violência doméstica”.
O juiz José Acelino Jácome Carvalho, titular do Juizado da Mulher de Juazeiro do Norte, também informa que, neste período de distanciamento social, as vítimas não tiveram prejuízo de seus direitos. “Dando efetividade à prestação jurisdicional, os processos criminais, os pedidos de medidas protetivas e as comunicações de prisões em flagrantes passaram a ser digitalizados e enviados ao Sistema de Automação de Justiça (SAJ) pelas delegacias civis e de defesa da mulher. Procedimentos preliminares de distribuição passaram a ser apreciados pelos juízes, que proferem seus despachos, sentenças e decisões de forma ágil. Os mais variados pedidos de restabelecimento de liberdade de presos são digitalizados por advogados e defensores públicos em feitos que têm a pronta apreciação de magistrados e promotores de forma virtual”.
CONQUISTAS E DESAFIOS
Em 2007, quando os juizados da mulher foram criados, o desembargador Fernando Ximenes era o presidente do TJCE. O magistrado lembra que, à época, o Judiciário estadual não mediu esforços para garantir condições para que as unidades especializadas cumprissem a Lei Maria da Penha. “Os juizados foram informatizados e instalados em sedes condignas, dotadas de equipe multidisciplinar, com assistentes sociais, psicólogos e servidores treinados. Encetamos uma campanha de respeito à nova Lei, procurando envolver a sociedade inteira, com distribuição de panfletos em todas as comarcas e inserções em rádio e televisão. Também promovemos seminários, palestras e um concurso de artigos científicos acerca do tema”.
Nesse período, outras conquistas vieram. “Foi criada uma Comissão de Implantação e Acompanhamento do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, presidida pela desembargadora Maria Celeste Thomaz de Aragão. Dessa forma, o TJCE se empenhou ao máximo no combate à violência doméstica contra a mulher, prestando inestimável contribuição para tornar realidade a citada Lei”, acrescenta o desembargador.
Atualmente, a presidente do TJCE, desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira, incluiu no planejamento estratégico do biênio 2021-2023 um eixo voltado exclusivamente para o fortalecimento e enfrentamento da violência doméstica. Estão disponíveis para as vítimas as intimações online, via WhatsApp e a Central de Medidas Protetivas, pelas quais são encaminhados, para acompanhamento, os casos mais graves de agressão. Tem sido proporcionada, ainda, a especialização de oficiais de justiça para cumprir, exclusivamente, os mandados das varas de violência doméstica do Estado. Em Fortaleza, também funciona a Casa da Mulher da Brasileira, onde a vítima tem assistência dos órgãos do Sistema de Justiça num só local.
A juíza Rosa Mendonça diz que, apesar das conquistas, ainda existem desafios a serem enfrentados. “O Interior deve ser mais assistido e os nossos profissionais precisam ser capacitados para entender a questão de gênero e sua importância, até porque a Lei Maria da Penha não veio só para punir, mas também para mudar comportamentos. Para falar da Lei, é preciso falar de políticas públicas, com foco também na educação, no trabalho, na saúde e na economia. É importante implementar tudo o que está inscrito nos artigos da Lei. Temos que aprimorar cada vez mais nosso Sistema de Justiça para dar uma resposta mais eficaz à violência doméstica”.
A LEI
Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, a Lei Maria da Penha possui mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabelece as formas de agressão como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Ela estabelece que todo o caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime, devendo ser apurado através de inquérito policial e ser remetido ao Ministério Público. Esses crimes são julgados nos Juizados de Violência Doméstica contra a Mulher. Por meio da lei, o juiz poderá conceder, no prazo de 48h, medidas protetivas de urgência (suspensão do porte de armas do agressor, afastamento do agressor do lar e distanciamento da vítima, dentre outras), dependendo da situação. Também pode apreciar o crime e os casos que envolverem questões de família (pensão, separação, guarda de filhos e outros).
QUEM É MARIA DA PENHA
Maria da Penha Maia Fernandes é uma cearense, nascida em Fortaleza e formada na Faculdade de Farmácia e Bioquímica da Universidade Federal do Ceará (UFC), em 1966. No ano de 1983, ela foi vítima de dupla tentativa de feminicídio pelo marido, pai de suas duas filhas, e ficou paraplégica após receber um tiro na coluna. Maria da Penha buscou Justiça, após acionar o Judiciário cearense. Sua trajetória ganhou força, e a lei, sancionada em 7 de agosto de 2006, leva o seu nome, como reconhecimento de sua luta contra as violações aos direitos humanos das mulheres.