11 Anos Reciclando Vidas: doação de material reciclável contribui para transformar realidade de catadores
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- 17-05-2023
Jornalista Pamela Lemos
Para marcar o Dia Internacional da Reciclagem, celebrado em 17 de maio, iniciamos a série “11 Anos Reciclando Vidas”, em que você vai conhecer histórias de pessoas que encontraram na coleta de materiais recicláveis não só uma fonte de renda digna, mas também resgataram a autoestima e encontraram um propósito na vida. Elas fazem parte da Associação Rosa Virgínia, que há mais de uma década vem recebendo doações do Tribunal de Justiça do Ceará.
“Eu entrei aqui na época que mais precisava. O pai das minhas filhas foi embora, não dava notícias, eu não tinha de onde tirar o sustento”. Há quase duas décadas, com três adolescentes para criar, Lúcia Maria de Andrade Paiva não fazia ideia de que a reciclagem iria transformar a vida da família. Foi quando a irmã, Maria Hilda de Andrade, a chamou para coletar materiais recicláveis nas ruas de Fortaleza.
“Eu puxava um carro daquele ali”, diz dona Hilda, apontando para uma carrocinha. E continua: “Ah, tenho vergonha, diziam. Vergonha é roubar! A necessidade era tão grande… Toda vida criei meus filhos sozinha. Muitos dias não tinha nem pra comprar um pedaço de pão, meus vizinhos que me ajudavam. Aí decidi ir pra rua, era melhor do que estar só olhando pras paredes de casa com a mão nos queixos”, relembra.
Dona Lúcia e dona Hilda, hoje com 65 e 69 anos, estão entre as integrantes mais antigas da Associação dos Agentes Ambientais Rosa Virgínia, localizada no loteamento Santa Terezinha, no bairro Novo Mondubim. Legalizada em 2001, a cooperativa foi pensada exatamente para proporcionar uma fonte de renda às mulheres da região, como as irmãs Andrade. Hoje, são 22 pessoas diretamente envolvidas, que recebem pagamento por dia trabalhado.
A Associação também recebe coletas feitas por outros recicladores, que são pagos de acordo com o peso e o tipo de material. Além disso, existem convênios com instituições privadas e públicas, como o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).
Musa Mara Mendes Pereira, presidente da Associação Rosa Virgínia, explica que a cooperativa conta com três veículos para fazer a coleta nos órgãos parceiros, sendo o Fórum Clóvis Beviláqua (FCB) um dos pontos de parada semanal da equipe. Papel, papelão, plástico e vidro estão entre os principais itens enviados para a Associação. Quando ocorrem reformas nas instalações do Judiciário estadual, há doação de ferro e alumínio.
Somente no período de junho de 2021 a abril de 2023, foram entregues mais de 30 mil quilos de materiais recicláveis, sendo que 21.275 quilos foram referentes a papel e papelão. Em seguida vêm os metais com 5.422 quilos, depois plásticos, 3.606 quilos e, por último, vidro: 80,56 quilos.
“Pra gente é muito importante, né? Porque você entrar dentro de um Tribunal de Justiça, prestando um serviço com eles, nos deixa muito felizes. E também por se tratar de um material muito bom, de um volume considerado alto, então a nossa parceria tem sido ótima”, destaca Musa Mara.
Os produtos são vendidos em usinas de reciclagem, onde são transformados. “O preço do papel branco hoje, no mercado, tá trinta centavos o quilo. Então esse material é vendido e o dinheiro vem pra Associação. Aqui mantemos os custos, que é transporte, energia, água, as prensas, e a gente repassa para o catador as diárias”, esclarece a presidente da Rosa Virgínia.
As diárias, somadas ao “Auxílio Catador”, benefício instituído por meio do Programa Estadual de Reforço à Renda decorrente da prestação de serviços ambientais, garantem aos trabalhadores uma renda próxima ao salário mínimo. Mas o objetivo da Associação vai muito além de viabilizar uma fonte de renda a essas pessoas.
‘UM TRABALHO DIGNO’
“Quem convive com a reciclagem sabe o grande benefício que ela traz. Traz autoestima, traz respeito, traz dignidade. É um trabalho digno e a gente quer que as pessoas tenham essa consciência”, complementa.
As irmãs Lúcia e Hilda são exemplos disso. Há cinco anos elas também trouxeram Maria Edileusa de Andrade para trabalhar na Associação. A cozinheira do grupo ainda ajuda os colegas a separar os materiais recicláveis quando não está preparando o almoço. “Sou solteira. Eu morava com a minha mãe, aí ela morreu e minhas irmãs chamaram pra vir pra cá, aí aqui estou”.
Os sobrinhos delas, Janiele e Josiel Andrade, que são irmãos, auxiliam na separação dos produtos. Eles ficaram desempregados há pouco tempo e foram acolhidos pela Associação.
Maria Xavier da Silva também ajuda a separar o que é lixo e o que pode ser reciclado. “Às vezes vem misturado, aí a gente tem que separar tudo. Hoje mesmo eu fiz o quê? Quatro sacos só de material de lixo que não passa. Ainda não tem essa consciência”.
Aos 65 anos, a idosa lembra que chegou a fazer coleta nas ruas para vender em depósitos. Foi assim até chegar à Associação. “Gosto muito daqui. Comecei a ficar, aí pronto, é mais seguro o trabalho. Uma bênção pra mim. Todo dia eu estou aqui, não me preocupo com nada. Ganho o dinheiro, compro minhas coisas pra dentro de casa, pago minha luz, o pão de cada dia”, cita.
Francisca Maria Rodrigues de Lima, de 55 anos, era faxineira até conhecer a cooperativa, onde está há oito anos. “O meu marido, José Wellington, também trabalha aqui, só que ele fica no caminhão, na rota, pegando os materiais nos pontos de doação, e eu aqui dentro. Oxe, até meu filho já trabalhou aqui!”
CUIDANDO DO PLANETA
A colaboradora sabe da importância do trabalho desempenhado diariamente, mas ainda sente falta do reconhecimento da sociedade. “As pessoas às vezes dizem: ‘Ah, é catador, não sei o que…’ Mas olha, imagina se a gente não tivesse fazendo isso, como é que estaria o planeta, né? Então o nosso trabalho pode ser humilde, mas é muito importante pro meio ambiente”.
A presidente da Associação Rosa Virgínia faz questão que lembrar que eles são “agentes ambientais, cuidando do meio ambiente, dando destino correto aos resíduos, aumentando a vida dos aterros sanitários, e, principalmente, mostrando pras pessoas que, através do que elas consideram lixo, tiramos nosso sustento e aqui sobrevivem 22 famílias a partir da catação. É uma transformação”.