DESEMBARGADOR DONIZETTI CRITICA INTERVENÇÕES NA COMISSÃO DE REFORMA DO CPC
O desembargador Elpídio Donizetti Nunes, presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), criticou as interferências no trabalho da Comissão que irá elaborar o anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil, em palestra ocorrida ontem (22 de abril), no auditório Des. José Maria de Queirós, da Escola Superior da Magistratura do Ceará (Esmec).
O magistrado é membro do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG) e membro da Comissão de 10 Juristas que apresentarão ao Congresso Nacional o anteprojeto do novo CPC.
A solenidade foi aberta pelo diretor da Esmec, desembargador Raimundo Eymard Ribeiro de Amoreira. Compuseram também a mesa, além dos desembargadores Donizetti e Eymard, o desembargador João Byron de Figueiredo Frota (Corregedor Geral de Justiça, representando o TJCE), juiz Durval Aires Filho (Coordenador Geral da Esmec), juiz Antonio Sbano (TJRJ, Secretário Geral e Diretor de Comunicação Social da Anamages) e o juiz Wotton Ricardo Pinheiro da Silva (representante da Anamages no Ceará e Pós-graduado em Direito Processual Civil e Direito Constitucional pela Esmec).
Magistrados, advogados, alunos dos cursos de Pós-graduação da Esmec, servidores do Judiciário e estudantes de Direito prestigiaram a palestra do desembargador Donizetti. O evento serviu como atividade complementar para os alunos do Curso de Especialização em Direito Processual Civil (Turmas I e II) da Esmec.
LEIS NÃO RESOLVEM
Em sua palestra, o presidente da Anamages mostrou-se bastante cético sobre os efeitos do novo CPC para a sociedade. Disse que, hoje, acredita pouco nas leis e mais nas pessoas. Lembrou que, de 1963 para cá, já foram incorporadas ao CPC 64 leis, e pouco se fez em favor das pessoas mais humildes ou desprotegidas. Citou a questão do menor: “O Estatuto da Criança e do Adolescente não mudou a situação dos menores abandonados. Não é uma lei que vai mudar uma realidade que depende do poder público”.
Lembrou também o problema da execução penal, que não alterou a situação dos presídios. Citou o caso de Luziânia, em Goiás, onde um pedreiro matou 6 jovens e, após ser preso, suicidou-se. “Pelo visto, neste caso somente o juiz deverá ser punido, por ter acatado parecer do MP e laudo psicotécnico, aplicando a progressão de pena”, ironizou Donizetti, reforçando que o magistrado é apenas o aplicador da lei, por mais absurda que ela seja. Disse ainda o palestrante que, no Brasil, não tem “pena de morte explícita”, mas no Rio de Janeiro, por exemplo, existe a “pena de morte instituída” pelo narcotráfico.
GRUPOS DE PRESSÃO
Disse que a Comissão encarregada de fazer o anteprojeto de CPC (da qual é integrante) não vai resolver o problema da morosidade na justiça ou trazer mais benefícios civis para a sociedade, por causa de grupos de pressão que estão conseguindo introduzir dispositivos que ele considera perniciosos ao novo CPC. “Dizem que, quando não se quer resolver nada, nomeia-se uma comissão”, citou, justificando o porquê de sua palestra se intitular“Um novo CPC: Vamos mudar o surrado processo individual para tudo permanecer como está. A quem interessa a morosidade da Justiça?”.
O desembargador mineiro defende que o novo CPC estabeleça que a Justiça só deva atende casos a ela inerentes. Para ele, o CPC deveria ser uma lei que atribuísse responsabilidades ao Governo antes da demanda chegar ao Judiciário, mas não querem (parlamentares e grandes grupos econômicos) isso. Segundo ele, há interesses corporativos (como da OAB, ou de grandes grupos econômicos, como os de telefonia e financeiro) que estão interferindo na Comissão de reforma do CPC.
O magistrado disse que o Congresso Nacional costuma editar leis para enganar a população. Leis feitas para dificultar o trabalho da Justiça ou a aplicação de penas. Citou o caso da Ação Civil Pública: “Quando sugeriram, eu fiquei entusiasmado, achando que iria esvaziar as prateleiras da Justiça Federal, mas isso não se concretizou. Baixaram uma Medida Provisória que prejudicou sua efetivação. Não querem, portanto, uma justiça efetiva”, lamentou.
“A Comissão do CPC não vai resolver o problema do processo civil. O Poder Público quer um Judiciário moroso. Ele incentiva os magistrados a se meterem em tudo, mas para não resolver anda. Governo e grandes empresários não querem resolver o problema da morosidade na Justiça. O novo CPC não vai mudar nada”, disse, ressaltando, no entanto, que acredita muito no País e na magistratura, apesar dos grupos de pressão que estão sabotando a Comissão do CPC. “Gostaria de, no futuro, ver a magistratura no parlamento, brigando por um CPC democrático. Da forma como está sendo conduzido, não sei como ficará. Não me sinto confortável nessa Comissão. Pretendo lutar pelas mudanças no parlamento”, revelou.
SOBRECARGA DA JUSTIÇA
Donizetti também defendeu que as pessoas procurassem resolver seus litígios através de mecanismos como arbitragem ou agências reguladoras, antes de abarrotar o Judiciário com processos. “Por que todo problema tem que desaguar na Justiça?”, indaga, dizendo que isso é que torna a Justiça.
Lamentou também que parlamentares tenham visão distorcida dos magistrados. “Determinados parlamentares dizem que o magistrado trabalha pouco e, por isso, suas férias devem ser reduzidas para 30 dias. Eles nós condenam, mas são os primeiros a procurarem a Justiça para fazer valer seus direitos. Por que não procuram resolver seus problemas nas agências reguladoras, nos tribunais arbitrais ou diretamente com quem praticou o abuso ou ilícito, antes de procurarem a Justiça?”, questionou.
Segundo Donizetti, o juiz vive entulhado de processo por causa da grande demanda processual. Mas reconhece que há também juízes que gostam de ter grande quantidade de processo sob sua tutela. Condenou também magistrados que querem abarcar o mundo com as pernas, resolver problemas sociais ou de competência do Estado: “O orçamento do Judiciário é de apenas 6%. Os Tribunais não podem abarcar todos as demandas sociais. Devemos sim exigir do Executivo que assuma sua parte, pois é ele que recebe a maior parte do orçamento”.
Ele citou um exemplo de como a Justiça, em prejuízo de demandas processuais mais urgentes, busca resolver problemas da alçada do Governo. Ao visitar uma cidade, ele encontrou um idoso num veículo do Judiciário Itinerante buscando se aposentar. Ele ponderou que aposentadoria deve ser pedida no INSS, mas o idoso explicou que o juiz da comarca colocou o veículo à disposição para resolver o problema da população que quer se aposentar, posto haver uma grande dificuldade do INSS atender aquela região.
IMPRESSIONADO
Após a fala do presidente da Anamages, o diretor da Esmec, desembargador Eymard Amoreira, revelou ter ficado “impressionado” com a explanação do palestrante: “Com toda sinceridade e honestidade, o professor Donizetti disse aquilo que nós já sabíamos em silêncio. Desde que assumi a direção da Esmec, nunca vi nada igual. Parabéns ao desembargador pela forma direta e sincera com que colocou a problemática no novo CPC”.
O coordenador geral da Esmec, juiz Durval Aires, também se disse “impressionado” com a fala do desembargador: “Estou surpreso com a forma despojada com que tratou o problema, sobretudo com sua visão pós-positivista (‘ não acredito em leis, mas nas pessoas’) do Direito”.
Durval Aires aproveitou para fazer uma pergunta ao presidente da Anamages sobre desigualdade de renda. O juiz quis saber o que o magistrado achava do Brasil se aliar aos países de desenvolvimento tardio (como China e Índia), “que vão em breve liderar o processo desenvolvimentista com distribuição de riqueza”. Durval quis saber por que é que o Brasil, uma das maiores economias do mundo, não consegue distribuir a riqueza que produz.
O desembargador Donizetti lembrou que o Brasil é o oitavo País em riqueza, mas é um dos últimos em distribuição de renda, semelhante a nações pobres da África. Disse que o juiz pode ter um papel importante nessa gritante disparidade de renda. “Se só vemos TV e processo em nossa frente, não vamos resolver esse problema. Precisamos ter esse discernimento na hora de definir algum direito. Os deserdados só são gente na hora de votar. Não podemos deixar o Judiciário ficar à margem de tudo isso. A Justiça deve ter uma visão ampla. Na hora de julgarmos, o aspecto sociológico deve ser visto em sua plenitude, para não ficarmos só com a letra da lei. Temos que ter, às vezes, coragem de desrespeitar a lei em nome de um princípio maior. Essa história de BRIC [sigla formada por Brasil, Rússia, Índia e China, países que supostamente serão as maiores economias no futuro] é coisa de televisão. O Brasil é terceiro mundo. Somos um país pobre!”, finalizou.