CURSO DE REINSERÇÃO SOCIAL DE PRESOS TEM INÍCIO COM CRÍTICAS AO SISTEMA CARCERÁRIO DO PAÍS
O Curso “Reinserção Social: a Outra Face da Execução Penal” foi iniciado nesta quinta-feira (10/06), com a presença de grande número de juízes, policiais militares, agentes prisionais, advogados, alunos da Esmec, servidores do Judiciário e outros interessados no tema.
A solenidade de abertura contou, na mesa dos trabalhos, com as presenças das seguintes autoridades: desembargador Raimundo Eymard Ribeiro de Amoreira, diretor da Esmec; juiz Marcelo Roseno, presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM); Dr. Sílvio Lúcio Conrado, representando a Procuradoria Geral de Justiça; Dr. Leonardo Carvalho, representando a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE); Dra. Michele Alencar Pontes, representando a Defensoria Pública do Estado; e juíza Maria das Graças Almeida de Quental, coordenadora do Programa Começar de Novo no Ceará.
O desembargador Eymard abriu o evento falando da importância da ressocialização do preso após cumprimento de sua pena, quando deve ser-lhe assegurado o direito à ressocialização, “para que ele faça parte novamente daquela sociedade da qual ele mesmo se excluiu”.
Para o magistrado, o principal problema nessa área são “as condições materiais de responsabilidade do Estado, que infelizmente não são condizentes para a ressocialização dos presos”. Segundo ele, os estabelecimentos penitenciários, as cadeias públicas, as colônias agrícolas e os presídios femininos, que no passado eram improvisados, ainda hoje estão em situação precária.
O desembargador afirmou que o Estado não fornece nem condições materiais para a ressocialização, nem condições técnicas, lembrando que, no passado, já havia problemas para se conseguir o exame criminológico, “que era o elemento subjetivo que o preso tinha para a progressão da pena”. Ele lembrou que “a população, a sociedade e a imprensa não entendiam o que era isso. Condenavam o fato do preso cumprir um sexto da pena e ir para a rua. Mas não é isso, por que tem o elemento subjetivo. Não tínhamos como fazer uma análise mais acurada por que o Estado não dava condições para tanto, mas por outro lado nós tínhamos que assegurar o direito dos presos, mesmo com o protesto da sociedade, que ignorava o contexto da causa”.
O diretor da Esmec disse que a principal face da execução penal é a ressocialização do preso, que é algo difícil de se efetivar hoje em dia, principalmente por causa do crime organizado, do tráfico, do seqüestro mediante extorsão, ambientes nos quais o indivíduo vivencia o crime. “Mesmo diante desse quadro, os responsáveis pela execução penal, os profissionais da área jurídica, devem batalhar pela inclusão social do preso, principalmente visualizando as garantias constitucionais hoje estabelecidas. Devemos assegurar ao egresso, diante da sua exclusão da sociedade, o direito à ressocialização, e a lei garante isso”.
COMEÇAR DE NOVO
A juíza Maria das Graças Almeida de Quental falou sobre a atuação do Programa Começar de Novo (idealizado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ) no Estado do Ceará. O projeto é formado, além da Dra. Maria das Graças, pelos seguintes juízes: Luciana Teixeira de Souza, Marlúcia Bezerra, Cleiriane Frota, César Morel, Edison Ponte, Michel Pinheiro e Luiz Bessa Neto.
A magistrada criticou o caos no sistema carcerário do Ceará e elogiou a Lei de Execuções Penais, que está completando 26 anos, mas é “uma lei morta até hoje”. Segundo ela, pouco se tem cumprido desta Lei devido a fatores como falta de vontade política, falta de assistência médica ao condenado, péssimas condições de infraestrutura do estabelecimento prisional (que atenta conta a dignidade humana), corrupção em todos os níveis e a criminalidade crescente.
Maria das Graças Quental disse que em 2009 foram registrados 522 homicídios no Estado e este ano, somente entre janeiro e 31 de maio, já aconteceram 769 casos, sendo que 62 praticados por adolescentes. Revelou ainda que 150 mil pedras de crack são consumidas diariamente no Ceará. “Isso leva à execução, ao tráfico de drogas, ao acerto de contas. A droga hoje emd ia envolve crianças, jovens e adultos. O crack vem destruindo famílias inteiras. Ele se alastra no Estado, aumentando a criminalidade”, constatou.
Ainda no campo das estatísticas, ela afirmou que existem 13.487 presos no Ceará, que tem uma população de aproximadamente 8,5 milhões de habitantes. A Lei de Execuções Penais objetiva reduzir ao máximo o encarceramento. Ela disse que a prestação de serviços à comunidade por parte do preso, uma forma de pena alternativa, é importante, mas deve-se ter cuidado ao substituir isso pelo fornecimento de cestas básicas. Tem condenado que prefere dar inúmeras cestas básicas a trabalhar, “e isso não ressocializa”.
Segundo ela, a sociedade clama por um presídio que cumpra o que determina a Lei de Execuções Penais, ou seja: que favoreça ao trabalho, religião, o estudo etc., mas a realidade é outra. “O sistema carcerário pode melhorar se a ele for dada a importância devida. A palavra hoje é parceria. Sozinhos não vamos chegar a lugar nenhum”, finalizou.
Após sua palestra, a juíza Luciana Teixeira, da 1ª. Vara de Limoeiro do Norte, discorreu sobre a ressocialização de presos em sua cidade, a partir da parceria com vários segmentos da sociedade local. “O papel do juiz não se restringe à aplicação da Lei. Ele pode ser também um porta-voz da sociedade”, disse, mostrando em seguida um vídeo sobre seu trabalho em Limoeiro.
O juiz coordenador do Projeto Novos Rumos em Minas Gerais, Paulo Antonio de Carvalho, discorreu em seguida sobre a experiência da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) em Itaúna-MG, tecendo duras críticas ao tratamento dado aos presos no sistema carcerário brasileiro.
SITUAÇÃO NOS PRESÍDIOS
“A Execução Penal na América Latina” foi o tema do professor César Barros Leal, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Ele falou sobre os vários crimes cometidos contra crianças e mulheres, sobretudo; o medo nas ruas e nos presídios; a pobreza como fomentadora da criminalidade; e as diferentes situações de presos pelo mundo, nas penitenciárias e nas ações de ressocialização.
Segundo ele, o direito penal moderno defende a aplicação reduzida da privação da liberdade, e na Europa isso já é uma realidade, pois o comum lá são as penas alternativas. No Brasil, e na América Latina como um todo, a realidade é diferente. Prioriza-se a construção de presídios em detrimento de penas alternativas e ações de ressocialização.
“Em muitos países da América Latina, a ideia é de que a melhor forma de punir o preso é colocá-lo no cárcere. Em São Paulo, mil pessoas entram por mês no cárcere. São necessários dois presídios por mês naquele estado, que tem quase metade da população carcerária do Brasil. Tem mais preso que o México, onde fiz minha tese de doutorado sobre o tema. Países como México, Colômbia, Venezuela e Argentina acham que prisão é a solução. Por causa desse pensamento, tende a crescer na América latina a construção de presídios”.
O palestrante, no entanto, reconheceu que “no Brasil têm se avançado muito em penas alternativas, e hoje, segundo dados do Ministério da Justiça, há um número superior de apenados cumprindo essa modalidade de pena aos que estão privados de liberdade”.
O professor reconhece que a grande maioria da população presa é formada por pobre, pois quem pode pagar advogado não fica preso. Ele adianta que isso não é uma crítica aos defensores públicos, pois há um número reduzido desses profissionais e os que atuam em presididos estão assoberbados de trabalho.
Barros Leal disse ainda que há um grande descompasso entre a Constituição (e as Leis de Execução Penal) e o que se pratica no dia-a-dia dos presídios brasileiros. “As leis não são aplicadas. Os presídios são espaços de violência, promiscuidade e ociosidade. O Estado deve garantir as condições mínimas de dignidade do encarcerado, mas não cumpre isso”, afirmou, defendendo a existência de pequenas prisões, onde se pratique a ressocialização, ou centros de inclusão social dos presos, como os da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC).
CULTURA
O Curso foi finalizado, no dia de hoje, com uma Roda de Conversa (Café Cultural) em homenagem ao Dia da Língua Portuguesa. O desembargador aposentado Raimundo Bastos de Oliveira discorreu sobre as “Raízes Lusitanas da Cultura Nacional”, que contou com a participação de alguns desembargadores e juízes aposentados, além de outros interessados.
Após este momento cultural, foi feito um estudo dirigido intitulado “Execução penal: institutos e aspectos processuais controvertidos”, ministrado pelo juiz da 4ª. Vara Criminal de Vitória (Espírito Santo), Carlos Eduardo Ribeiro Lemos.
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PARA ESTA SEXTA-FEIRA, O CURSO OFERECERÁ AOS PARTICIPANTES AS SEGUINTES PALESTRAS/EXPOSIÇÕES:
8h10min – “Sistema carcerário cearense: estrutura atual, avanços e perspectivas”, com o coordenador do Sistema Penal no Ceará, Bento Laurindo.
9h – “Virtualização da Justiça cearense”, com o secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal de Justiça do Ceará, Francisco José Porto Montenegro.
9h50min – “Experiências abstraídas no exercício do juízo executório penal “, com o juiz da vara única de execução penal de Fortaleza, Luiza Bessa Neto.
13h30min – “A preparação do retorno à liberdade”, com a professora de Criminologia da PUC-RJ, Elizabeth Sussekind, membro do Conselho Consultivo do CNJ.
14h20min – “Experiências de trabalho do grupo de monitoramento e fiscalização do sistema carcerário do Projeto Começar de Novo no Ceará”, com as juízas Maria das Graças Almeida de Quental e Luciana Teixeira de Souza.
A partir das 15 horas: exibição de vídeo, solenidade de adesão ao Programa Começar de Novo, avaliação dos cursistas, elaboração de um trabalho, avaliação de reação e encerramento do evento com a música Começar de Novo (Gonzaguinha).