Copedem discute cotas para negros, curso de Formação de Formadores, novo Código Penal e outros temas
A pedido do ministro Cesar Asfor Rocha, diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), o Colégio Permanente de Diretores de Escolas Estaduais da Magistratura (Copedem) se engajará no trabalho de incluir programas de cotas e bolsas para a comunidade negra carente e para os índios em todas as escolas da magistratura do Brasil. Decisão nesse sentido foi anunciada pelo presidente do Copedem, desembargador Antonio Rulli Junior, que prometeu ao diretor executivo da ONG Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), frei David Santos, conversar com os diretores das unidade para que ouçam suas propostas. “Somos todos iguais e assim temos de agir. Nosso ideal é o mesmo da Educafro. Por isso, recomendo aos diretores das escolas para que iniciem os debates da inclusão definitiva desses segmentos”, ressaltou Rulli Junior.
O projeto da Educafro foi apresentado mês passado ao ministro Cesar Rocha. Naquela oportunidade, o diretor-geral da Enfam afirmou que, “embora não faça parte da competência programática da Escola nacional, a proposição merece ampla acolhida do Judiciário brasileiro, que é prestigiado em todo mundo pela transparência, presteza, estrutura e, principalmente, pelos exemplos em várias ações”. Conforme frei Davi Santos, o modelo a ser seguido é o da Escola de Magistratura do Estado do Espírito Santo (EMES), que recentemente anunciou a adoção de cotas para negros (30% das vagas) e de bolsas parciais ou integrais para afrodescendentes pobres. A EMES é presidida pelo desembargador Samuel Meira Brasil.
Um dos futuros coordenadores do projeto, o ministro Luiz Salomão revela que a inclusão de afrodescendentes e índios nas escolas da magistratura é o primeiro grande passo para que eles consigam melhores colocações em futuros concursos. Dados da Educafro estimam que menos de 5% dos representantes do Judiciário (ministros, desembargadores e juízes) são negros e indígenas.
FORMAÇÃO DE FORMADORES
Foi anunciado, durante o XXVII Copedem, realizado no último final de semana (19 a 21 de abril), o primeiro curso de Formação de Formadores pelo secretário da Enfam, Francisco Paulo Soares Lopes, que será iniciado na primeira quinzena de agosto. Segundo ele, será uma experiência piloto, com 70 vagas destinadas a magistrados estaduais e federais, na modalidade presencial e com previsão de carga horária de 31 horas. Conforme o secretário, o projeto está concluído, faltando apenas formatação, o que, na sua avaliação, deverá ocorrer nas próximas semanas.
“Como órgão de apoio às escolas da magistratura, a proposta da Enfam é que o novo curso de capacitação alcance todos os interessados. Somos o MEC do Judiciário. Por isso, não mediremos esforços até atingirmos o objetivo”, salientou Francisco Lopes. Reiterando o propósito de colaboração da direção da Enfam, o secretário reafirmou que a Escola vem cumprindo suas atribuições constitucionais de firmar diretrizes e definir políticas públicas para a formação de magistrados. “Por determinação do ministro Cesar Rocha, nos dedicamos para assegurar às escolas judiciais o necessário apoio para o trabalho de ponta”, salientou Francisco.
O curso de Formação de Formadores visa à capacitação de docentes e demais agentes educacionais na formação e atualização de magistrados. Denominada Diretrizes para Formação de Formadores no âmbito das escolas judiciais, a iniciativa da Enfam busca auxiliar as demais escolas da magistratura em relação às práticas de educação continuada destinada aos educadores, principalmente docentes, responsáveis por ações educacionais vinculadas aos magistrados, com inserção de proposta curricular e com esclarecimentos e direcionamentos relativos a procedimentos que possam instrumentalizar a prática dos agentes educacionais envolvidos com a magistratura.
NOVO CÓDIGO PENAL
A reforma do Código Penal é a mais importante das leis apresentadas à sociedade brasileira nos últimos três anos. A avaliação é do ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar, no XXVII Copedem, as milhares de sugestões já encaminhadas à Comissão de Reforma do Código Penal, instituída a pedido do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AC), em outubro de 2011. Vice-diretor da Enfam e presidente do grupo que inclui voluntariamente outros 15 juristas, o ministro informou que dificilmente a comissão cumprirá o prazo estabelecido para conclusão dos trabalhos. “Nossa data limite é 28 de maio. Mas, em decorrência do volume de proposições, certamente precisaremos de mais dez ou 15 dias para concluir nossa tarefa”, salientou. Sugeriu aos integrantes do Copedem a aproveitarem esse novo prazo para também apresentarem sugestões à comissão, que debate alterações no texto do Código, datado de 1940, portanto com 72 anos de vigência. O projeto revisado pelos juristas será transformado em anteprojeto para análise do Congresso Nacional. O relator da proposta é o procurador Luiz Carlos Gonçalves.
Conforme o ministro, o Brasil necessita de um Código Penal moderno, voltado para o presente, mas sem perder de vista o futuro. ‘‘Finalmente, o Código será adaptado à Constituição de 1988 e aos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil em matéria criminal. Enfim, um código de condutas que se aplique tanto ao executivo da Avenida Paulista quanto ao ribeirinho do Rio Amazonas. Em resumo, significará a interferência do Estado na vida e na segurança do cidadão”, salientou Gilson Dipp. Ele explicou que a comissão também defende a tipificação do crime de enriquecimento ilícito para os funcionários públicos que não justificarem a incompatibilidade entre patrimônio e renda. Segundo Gilson Dipp, ao longo dos anos a legislação brasileira preocupou-se muito com o patrimônio particular, esquecendo-se do público. Nossa legislação está defasada. Por isso, vamos aperfeiçoar os já existentes e criar tipos novos. Pensamos incluir certas condutas atualmente previstas na Lei de Improbidade Administrativa”, afirmou.
Para Gilson Dipp, o grupo está preocupado com as competições esportivas internacionais previstas para os próximos anos no Brasil. Por isso, aprovaram proposta que torna crime a revenda de ingressos por preço maior, como a praticada por cambistas, e tipifica a fraude de resultado de competição esportiva. A revenda de ingressos por valor maior poderá render ao infrator pena de até dois anos. Já a fraude de resultado terá pena de dois a cinco anos de reclusão. “Esses atos no novo CP certamente trarão mais segurança aos eventos”, avaliou o presidente da comissão. O novo Código trará, ainda, a distinção de associação criminosa e organização criminosa. O CP atual fala apenas de formação de quadrilha ou bando.
Gilson Dipp chamou atenção para a importância da mudança, que equipara a legislação brasileira ao que estabelece a convenção das Nações Unidas sobre o tema. “É preciso haver tratamento diferente para grandes organizações, que têm lesividade social muito maior do que criminosos que eventualmente se associam para praticar um crime”, explicou. Observou que o posicionamento da comissão é no sentido de que organização criminosa não precisa ser, necessariamente, uma vantagem econômica, mas de qualquer natureza. A pena para essa conduta será de três a dez anos. Por enquanto, as poucas divergências são referentes à possibilidade de agravamento da pena para o consumidor de drogas. A proposta analisada sugere prisão para o consumidor, em substituição às penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa, constantes da legislação atual. Profissionais da área defendem o mesmo tipo penal para tráfico e consumo.
O grupo também já tratou dos crimes cibernéticos, de terrorismo e de trânsito. De acordo com o ministro, uma das alterações aprovadas resolve definitivamente os equívocos legislativos quanto ao crime de embriaguez ao volante. Com o novo texto, o polêmico índice de alcoolemia previsto na Lei Seca – de seis decigramas de álcool por litro de sangue – deixa de existir, bastando que o motorista esteja dirigindo sob efeito de álcool e expondo a dano potencial a segurança viária. A comprovação, segundo a proposta, pode se dar por qualquer meio de prova que não seja ilícito, incluindo a possibilidade de testemunhas comprovarem a embriaguez de um motorista ao volante.
Outro tema relevante trata da mudança de tipificação do jogo do bicho de contravenção penal para crime. A proposta é extinguir a Lei de Contravenções Penais e transformar todas as práticas descritas nela em crimes. A intenção é que a prática seja levada mais a sério pelas autoridades por estar ligada a outros crimes mais graves, como tráfico de drogas e homicídio. Gilson Dipp entende que, se antes esse tipo de contravenção não causava grandes distúrbios sociais, hoje são comandadas por “máfias” que brigam por território. Ele lembrou que também já foi aprovado o aumento da pena mínima para o tráfico internacional de armas de fogo. Atualmente, o Estatuto do Desarmamento prevê reclusão de quatro a oito anos. O novo intervalo poderá ser de cinco a oito anos.
Redução da maioridade penal para 10 anos, trabalho forçado para presos, aumento do tempo máximo da pena para 50 anos (hoje é de 30 anos), prisão perpétua para corruptos e castração química de estupradores. Estas são algumas das quase três mil sugestões populares destinadas ao endurecimento do novo Código Penal recebidas pela comissão. O maior volume trata da parte geral do Código, com ênfase para redução da maioridade penal e revisão da legislação especial aplicável aos menores infratores. Na parte especial, merecem destaque a criminalização da homofobia e o recrudescimento das penas, especialmente quanto aos crimes contra a administração pública (por exemplo, a corrupção). Na execução, as sugestões mais importantes são para modificar o sistema progressivo do cumprimento de penas.
Dados apresentados pelo ministro aos membros do Copedem indicam que 90% das sugestões são relativos ao endurecimento das leis. “Isso reflete o pensamento da sociedade sobre a segurança pública no Brasil”, assinalou Gilson Dipp. Ele vê na impunidade a causa desse sentimento social, mas ressalva que o endurecimento da lei não significará a diminuição da criminalidade. “Uma boa lei penal, condizente com a realidade do Brasil atual, é o ponto de partida, a base, a plataforma para que as entidades envolvidas na segurança pública, no sistema de prevenção e no sistema de penalização possam trabalhar adequadamente. Mas só a lei não basta”, afirmou, destacando a necessidade de uma mudança de mentalidade, maiores investimentos em polícia técnica, em remuneração e no combate à corrupção nos órgãos públicos. “Precisamos de um Ministério Público dedicado e aparelhado e, sobretudo, de um Judiciário engajado e envolvido em decisões justas e em tempo hábil”, argumentou o presidente da comissão.
O vice-diretor da Enfam garantiu que toda sugestão enviada é apreciada pela comissão e serve de parâmetro para que os membros da comissão saibam como pensa a sociedade. Lembrou que hoje pela manha os juristas debateram a possibilidade de ampliação do aborto legal para os casos específicos de perigo à saúde da gestante. “O Código está sendo feito nos dias de hoje, mas projetado para o futuro. Pensamos entregar uma lei clara, objetiva e, principalmente, capaz de materializar um país plural como é o Brasil”, concluiu o ministro Gilson Dipp.
Fonte: site da Enfam.