RESOLUÇÃO DO ÓRGÃO ESPECIAL Nº 10/2023

Local de Publicação Tipo de Matéria Número do ato Data do Ato Disponibilizada em Situação
TRIBUNAL DE JUSTIÇA RESOLUÇÃO ÓRGÃO ESPECIAL 10 27/04/2023 27/04/2023 VIGENTE
Ementa

Estabelece e regulamenta o fluxo administrativo de recebimento, processamento e monitoramento de notícias de tortura ou de maus-tratos no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Ceará e dá outras providências. 

RESOLUÇÃO DO ÓRGÃO ESPECIAL Nº 10/2023

Estabelece e regulamenta o fluxo administrativo de recebimento, processamento e monitoramento de notícias de tortura ou de maus-tratos no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Ceará e outras providências. 

O ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ (TJCE), no uso de suas competências legais e regimentais, por decisão unânime de seus componentes presentes, em sessão realizada em 27 de abril de 2023, 

CONSIDERANDO os objetivos e princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos na Constituição Federal de 1988, especialmente o art. 5°, III, que estabelece que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, e o inciso XLIII, o qual determina que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, por ele respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, omitirem-se; 

CONSIDERANDO o disposto em tratados internacionais firmados pela República Federativa do Brasil sobre prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, em especial a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 5°), as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Nelson Mandela regras 1, 32 e 34, entre outras); o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 7°); a Convenção da ONU contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes e seu Protocolo Facultativo; o Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão (princípios 6, 24, 26 e 33), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica); e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura; 

CONSIDERANDO a Lei 9.455/1997, que define os crimes de tortura e outras providências, prevendo no ordenamento jurídico brasileiro tipo penal autônomo para a conduta, bem como a Lei 12.847/2013, que institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura a ser integrado pelos órgãos do Poder Judiciário (art. 2°, § 2°, II); 

CONSIDERANDO os parâmetros internacionais estabelecidos no Manual para investigação e documentação eficazes da tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (Protocolo de Istambul), aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2000; 

CONSIDERANDO o relatório produzido pelo Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU (CAT/OP/BRA/R.1, 2011), pelo Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU (A/HRC/27/48/Add.3, 2014), pelo Relator Especial da ONU sobre tortura em missão ao Brasil em 2015 (A/HRC/57/Add.4), pelo Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU em visita ao Brasil (CAT/OP/ BRA/3, 2017), assim como o Relatório sobre o Uso da Prisão Provisória nas Américas de 2013, da Organização dos Estados Americanos (OEA); 

CONSIDERANDO o Protocolo II da Resolução do Conselho Nacional de Justiça 213, de 15 de dezembro de 2015, que traz procedimentos para oitiva, coleta de informações, registro e encaminhamento de casos com indícios de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; 

CONSIDERANDO a Resolução do Conselho Nacional de Justiça 414, de 2 de setembro de 2021, a qual estabelece diretrizes e quesitos periciais para a realização dos exames de corpo de delito nos casos em que haja indícios de prática de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, conforme os parâmetros do Protocolo de Istambul, e outras providências; 

CONSIDERANDO as diretrizes técnicas e os parâmetros procedimentais da Coleção de Manuais Fortalecimento das Audiências de Custódia, do Conselho Nacional de Justiça, em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), especialmente o que dispõem o Manual de Prevenção e Combate à Tortura e Maus-Tratos para Audiência de Custódia; e o Manual sobre Algemas e Outros Instrumentos de Contenção em Audiências Judiciais: Orientações Práticas para Implementação da Súmula Vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal pela Magistratura e Tribunais; 

RESOLVE: 

CAPÍTULO I 

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS 

Art. Ficam estabelecidos os fluxos administrativos de recebimento, processamento e monitoramento de notícias de tortura ou de maus-tratos no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Ceará, nos termos do art. 7°, inciso I, da Resolução CNJ 414/2021, na forma dos fluxogramas que constituem anexos da presente Resolução. 

Art. Para os fins desta Resolução, considera-se: 

  1. tortura: os tipos penais previstos na Lei 9.455, de 7 de abril de 1997, respeitada a definição constante do Artigo da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 40, de 15 de fevereiro de 1991; 
  2. maus-tratos: substitutivo das condutas caracterizadas como outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes no âmbito do Direito Internacional, não se restringindo, portanto, ao tipo penal do art. 136 do Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940); e 
  3. estabelecimento de privação de liberdade: qualquer espaço destinado à restrição de liberdade, ainda que a título provisório, de pessoas que tenham sido presas em flagrante delito de crime ou por mandado judicial, em cumprimento de pena em qualquer regime ou que estejam submetidas à medida de segurança ou à internação provisória. 

Art. Toda pessoa física, instituição ou organização social poderá noticiar a quem de direito no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Ceará a ocorrência de prática de tortura ou de maus-tratos em estabelecimento de privação de liberdade ou quando da realização de prisão de qualquer natureza. 

Art. Diante da notícia ou da presença de indícios deprática de tortura ou maus-tratos, a autoridade judicial competente deverá adotar providências visando ao cumprimento dos seguintes objetivos: 

  1. documentar eficazmente os fatos, de modo a viabilizar o prosseguimento de medidas de responsabilização, reparação e proteção; 
  2. garantir o atendimento à saúde e à reabilitação da possível vítima de tortura ou maus-tratos; e 
  3. garantir proteção à possível vítima e a eventuais testemunhas dos fatos, de modo a minorar os riscos de possíveis represálias. 

Parágrafo único. A autoridade judiciária observará, além deste normativo, os dispositivos da Resolução CNJ 414/2021. 

Art. O Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (GMF/TJCE) é o órgão do Poder Judiciário do Estado do Ceará encarregado de acompanhar e monitorar os desdobramentos administrativos das notícias de prática de tortura ou maus-tratos de que tratam esta Resolução. 

Parágrafo único. O GMF/TJCE poderá, nos termos do art. 6°, inciso X, da Resolução CNJ 214/2015, receber, processar e encaminhar reclamações sobre possível ocorrência de tortura ou maus-tratos, utilizando-se, para tanto, dos seguintes canais de recebimento de notícias: 

  1. correio eletrônico de comunicação: gmf@tjce.jus.br; 
  2. atendimento telefônico; 
  3. protocolo físico de alegações escritas; 
  4. atendimento presencial, com redução a termo ou registro audiovisual das alegações, mediante anuência do noticiante; e 
  5. formulário online disponibilizado na página eletrônica do GMF no portal do TJCE.

CAPÍTULO II 

DO  PROCESSAMENTO  ADMINISTRATIVO  DE  NOTÍCIAS  DE  TORTURA  OU  MAUS-TRATOS  ORIUNDAS  DE ESTABELECIMENTOS DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE 

Art. Se a notícia de suposta tortura ou maus-tratos ocorrida em estabelecimento de privação de liberdade for comunicada diretamente ao GMF/TJCE, nos termos do art. desta Resolução, este deverá, inicialmente, adotar as seguintes providências:

  1. registrar a notícia no Formulário de Registro de Notícias de Tortura ou Maus-tratos, que constitui anexo da presente Resolução; 
  2. diligenciar para a abertura de procedimento administrativo no âmbito do TJCE; 
  3. encaminhar, via procedimento administrativo, Formulário de Registro de Notícias de Tortura ou Maus-tratos à autoridade judicial com poder correcional sobre o estabelecimento de privação de liberdade em que supostamente ocorreu o fato da notícia, para a adoção das providências elencadas nos arts. 9°, 10 e 11 desta Resolução; e 
  4. comunicar ao noticiante o número do procedimento administrativo, para fins de acompanhamento e transparência.

Parágrafo único. As notícias de torturas e maus-tratos também podem ser feitas junto às Corregedorias de Presídios do Poder Judiciário, que as encaminharão ao GMF para a adoção das providências cabíveis, nos moldes do art. desta Resolução.

Art. Quando a autoridade judicial tomar ciência de notícia ou indícios de prática de tortura ou maus-tratos no momento de inspeção judicial realizada a estabelecimento de privação de liberdade, deverá adotar, de imediato, as providências elencadas nos arts. 9°, 10 e 11 desta Resolução, sempre que possíveis e necessárias à luz do caso concreto. 

Art. Quando a notícia de prática de tortura ou maus-tratos chegar ao conhecimento da autoridade judicial por meio do GMF, no momento de audiência judicial ou de outros atos processuais da jurisdição criminal e, estando o estabelecimento de privação de liberdade sob sua responsabilidade correcional, deverá adotar as providências elencadas nos arts. 9º, 10 e 11, avaliando a pertinência de sua visita in locu. 

Parágrafo único. A autoridade judicial que tiver ciência de notícia de prática de tortura ou maus-tratos em audiência ou em outros atos jurisdicionais deverá realizar comunicação ao GMF/TJCE, com as informações de que disponha, para a adoção das providências elencadas nesta Resolução. 

Art. Para a documentação eficaz da suposta prática de tortura ou maus-tratos ocorrida em estabelecimento de privação de liberdade, a autoridade judicial deverá adotar as seguintes providências: 

  1. ouvir e reduzir a termo as declarações da pessoa privada de liberdade que relata haver sofrido a prática de tortura ou maus-tratos; 
  2. ouvir e reduzir a termo as declarações de possíveis testemunhas do fato descrito, sejam estas pessoas também privadas de liberdade ou agentes públicos que prestam serviço no estabelecimento; 
  3. determinar a realização de exame de corpo de delito, observando a quesitação e demais disposições da Resolução CNJ 414/2021; 
  4. requisitar à direção do estabelecimento: 
    1. o livro de registro de ocorrências do dia do fato, bem como, se necessário, dos dias imediatamente anteriores e posteriores à ocorrência relatada; 
    2. o livro de registro da utilização de armamento, inclusive menos letal, e outros documentos que possam ser úteis à instrução do caso; 
    3. o livro de plantão dos policiais penais no dia da ocorrência relatada, bem como, se necessário, dos dias que o antecederam e sucederam; 
    4. os registros documentais a respeito de eventual ingresso de forças policiais no local, com a identificação dos agentes estatais e os procedimentos de uso da força realizados; 
    5. registros audiovisuais ou visuais de câmeras de circuito interno do estabelecimento de privação de liberdade, se houver; e 
    6. a listagem geral das pessoas que se encontravam no local dos fatos, incluindo pessoas privadas de liberdade, visitantes, funcionários, entre outros; 
  5. requisitar prontuário de saúde da pessoa privada de liberdade que relata haver sofrido tortura ou maus-tratos, além de outros documentos pessoais que possam ser úteis à compreensão do caso; 
  6. requisitar registros audiovisuais de câmeras corporais (bodycams), se houver; 
  7. verificar a situação processual da pessoa privada de liberdade que alega ter sido vítima de tortura ou maus-tratos; e 
  8. realizar outras diligências que entender cabíveis para a elucidação dos fatos descritos. 

Parágrafo único: A autoridade judicial, a partir da avaliação do caso concreto, acionará a Delegacia de Assuntos Internos (DAI) da Polícia Civil para a realização conjunta das providências elencadas nos incisos I e II, além de outras que entender necessárias. 

Art. 10. Para garantir a atenção à saúde e a reabilitação da pessoa que alega ser vítima de tortura ou maus-tratos, a autoridade judicial poderá adotar as seguintes providências: 

  1. determinar o imediato atendimento médico; 
  2. notificar o Centro de Referência e Atendimento a Vítimas de Violência (CRAVV), ou instituição congênere de proteção social, para as providências psicossociais cabíveis; 
  3. notificar o Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência do Ministério Público do Estado (NUAVV), para as providências cabíveis. 

Parágrafo único. Caso a oitiva da pessoa que alega ter sofrido tortura ou maus-tratos seja realizada pela autoridade judicial no estabelecimento de privação de liberdade, a equipe técnica do CRAVV, ou de instituição congênere de proteção social, poderá ser convidada para prestar suporte técnico e auxiliar o atendimento. 

Art. 11. Para garantir a proteção da pessoa que alega ter sido vítima de tortura ou maus-tratos e de eventuais testemunhas, a autoridade judicial poderá adotar as seguintes providências: 

  1. determinar, quando necessária escolta externa para a realização de exame de corpo de delito, que ela não seja integrada por servidores a quem a pessoa atribui participação na prática de tortura ou maus-tratos; 
  2. determinar que, durante a realização do exame de corpo de delito, não estejam presentes policiais penais ou outros agentes públicos que prestam serviço no estabelecimento em que supostamente se deram os fatos noticiados; 
  3. determinar o afastamento cautelar de servidor que supostamente tenha cometido ato de tortura ou maus-tratos; 
  4. determinar a transferência da pessoa privada de liberdade que possa ter sido vítima de tortura ou maus-tratos para outro estabelecimento, ouvida a pessoa presa, nos termos dos arts. 7º, I, e 10 da Resolução CNJ 404/2021; 
  5. proibir a aplicação de sanção disciplinar que implique em restrição do contato familiar, por qualquer via, à pessoa privada de liberdade que tenha relatado ser vítima de tortura ou maus-tratos, vedando sua incomunicabilidade; 
  6. determinar à direção do estabelecimento de privação de liberdade a garantia da integridade física e psicológica da possível vítima de tortura ou de maus-tratos e de outras pessoas privadas de liberdade que tenham prestado declaração como testemunha do fato descrito; 
  7. determinar à direção do estabelecimento de privação de liberdade a colocação da possível vítima de tortura ou maus- tratos em ala que disponha de equipamento de videomonitoramento, quando houver; 
  8. informar à direção do estabelecimento a realização de visitas de seguimento pelo GMF/ TJCE ou por outro órgão de monitoramento, sendo a primeira em até 15 (quinze) dias subsequentes à oitiva da suposta vítima, e daí a cada 3 (três) meses e sempre que necessário, enquanto persistir a possibilidade de retaliação do noticiante; 
  9. encaminhar ao Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas (PROVITA) possíveis vítimas, testemunhas e familiares, para avaliação sobre a necessidade de inclusão em programa de proteção, desde que não estejam privadas de liberdade. 

Art. 12. Após as providências para garantir a documentação dos fatos, a atenção à saúde e a proteção da possível vítima e de eventuais testemunhas, a autoridade judicial deverá adotar as seguintes medidas de seguimento: 

  1. encaminhar relatório sintético do caso, via procedimento administrativo, ao GMF/TJCE, com breve descrição dos fatos e das providências e determinações realizadas, anexando as documentações requisitadas e demais informações que reputar necessário; e 
  2. encaminhar relatório a que se refere o inciso anterior ao juízo criminal do processo de conhecimento, em se tratando de pessoa presa provisoriamente, para ciência e análise de possíveis reflexos na situação processual e na adoção de medidas cautelares. 

Parágrafo único. O relatório de que trata o caput terá caráter sigiloso, apenas devendo ser encaminhado para os órgãos expressamente indicados nesta Resolução. 

Art. 13. Após o recebimento do relatório sintético da autoridade judicial, deverá o GMF/TJCE adotar as providências com vistas à apuração de responsabilidade de agente público pela prática de tortura ou maus-tratos, encaminhando notícia do fato e documentação correlata: 

  1. ao Ministério Público Estadual, por intermédio da Secretaria Executiva Criminal da Comarca respectiva, para instauração de procedimento visando à apuração na esfera criminal; 
  2. à Delegacia de Assuntos Internos da Polícia Civil, para a apuração de infrações penais, excetuando-se as tipicamente de natureza militar, caso ainda não tenha sido acionada na hipótese do parágrafo único do artigo 9º; 
  3. à Controladoria-Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), para instauração de procedimento visando à apuração na esfera administrativa; e 
  4. à Defensoria Pública do Estado, em especial ao seu Núcleo de Direitos Humanos, para assistência jurídica e eventual responsabilização civil. 

§ 1° Deverá ser registrado, no procedimento administrativo aberto relativo à notícia de origem sobre a prática de tortura ou maus-tratos, o número de protocolo de cada uma das comunicações realizadas para apuração criminal e administrativa, de modo a viabilizar o seu monitoramento, nos termos do Capítulo IV desta Resolução.

§ 2° O GMF/TJCE deverá comunicar as medidas adotadas à pessoa física ou à instituição noticiante dos fatos objeto da apuração, para fins de acompanhamento e transparência.

CAPÍTULO III 

DO PROCESSAMENTO ADMINISTRATIVO DE NOTÍCIAS DE TORTURA OU MAUS-TRATOS ORIUNDAS DE AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA E DEMAIS AUDIÊNCIAS JUDICIAIS 

Art. 14. A audiência de custódia tem como uma de suas finalidades identificar e materializar indícios de possível prática de tortura ou maus-tratos, de modo a viabilizar providências eficazes de responsabilização de eventuais agressores, possibilitar o controle de legalidade da prisão realizada e garantir a reabilitação e proteção de possíveis vítimas e testemunhas. 

§ 1° Para a identificação, o registro e os encaminhamentos administrativos referentes a indícios da prática de tortura ou de maus-tratos de pessoa presa que será submetida à audiência de custódia, devem ser observados o Protocolo II da Resolução CNJ 213/2015, os dispositivos da Resolução CNJ 414/2021 e o Manual de Prevenção e Combate à Tortura e Maus-tratos para Audiência de Custódia do CNJ.

§ 2° Aplica-se o disposto neste Capítulo, no que couber, a todas as audiências judiciais da jurisdição criminal do Poder Judiciário do Estado do Ceará.

Art. 15. Para que a audiência de custódia se realize em condições adequadas para o eventual relato de prática de tortura ou de maus-tratos, a autoridade judicial deve, inicialmente: 

  1. verificar se à pessoa apresentada foram asseguradas condições adequadas, no que concerne à alimentação, à hidratação, ao vestuário e ao atendimento à saúde, garantindo-se a coleta e o registro de indícios eventualmente presentes no corpo e na roupa utilizada; 
  2. garantir que a pessoa não esteja algemada durante a audiência, somente se admitindo o uso de instrumento de contenção nos termos restritivos da Súmula Vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal e no disposto no Manual sobre Algemas e Outros Instrumentos de Contenção em Audiências Judiciais do CNJ; 
  3. assegurar que a pessoa custodiada esteja sempre acompanhada de advogado ou defensor público, assegurando-lhe entrevista prévia sigilosa, sem a presença de agente policial e em local reservado, de modo a lhe garantir efetiva assistência judiciária; e 
  4. garantir que o agente público responsável pela custódia, prisão ou investigação do crime imputado não estará presente durante a audiência. 

Art. 16. Para a coleta idônea e eficaz de informações relacionadas à possível prática de tortura ou maus-tratos, a autoridade judicial deve: 

  1. informar à pessoa custodiada que a tortura é expressamente proibida, independentemente dos fatos que lhes forem imputados por ocasião da prisão, ressaltando que eventual notícia de tortura ou de maus-tratos será prontamente encaminhada às autoridades competentes; 
  2. informar à pessoa custodiada a finalidade da audiência, referindo-se expressamente às medidas de proteção que poderão ser adotadas para garantia de sua segurança e de terceiros; 
  3. assegurar a indicação de testemunhas ou outras fontes de informação que possam corroborar a veracidade do relato de tortura ou de maus-tratos, com garantia de sigilo; 
  4. solicitar suporte de equipe de proteção social em casos de grave expressão de sofrimento físico ou mental da pessoa custodiada, para acolhimento e orientação quanto à melhor abordagem ou encaminhamento imediato do caso; e 
  5. questionar a pessoa custodiada sobre o tratamento recebido desde a sua prisão, em todos os locais e órgãos por onde foi conduzida, mantendo-se atento a relatos e sinais que possam indicar a ocorrência de tortura ou maus-tratos. 

Art. 17. A autoridade judicial deverá observar as orientações técnicas do Manual de Prevenção e Combate à Tortura e Maus-tratos para Audiência de Custódia, do CNJ, quanto a perguntas específicas sobre a ocorrência de tortura ou de maus- tratos, garantindo sempre que a pergunta inicial seja aberta e que haja perguntas de seguimento em linguagem acessível e objetiva, contemplando aspectos como método utilizado, finalidade da prática, atos discriminatórios em razão da raça, gênero ou orientação sexual, local, data e horários aproximados dos fatos alegados, identificação de autores ou de elementos que viabilizem sua identificação e necessidade da adoção de medidas de proteção. 

Parágrafo único. A autoridade judicial deve informar à pessoa custodiada, no ato da audiência, de modo objetivo e em linguagem acessível, as providências que serão adotadas para a possível responsabilização criminal e administrativa dos agentes públicos envolvidos, bem como as providências para a reabilitação e a proteção da vítima e das eventuais testemunhas.

Art. 18. As informações extraídas da oitiva da pessoa custodiada devem ser cotejadas com os registros documentais disponíveis à autoridade judicial na audiência de custódia, em especial com o relatório médico ou laudo de exame pericial e com registros documentais do auto de prisão em flagrante, de modo a permitir a reunião do máximo de indícios sobre a possível ocorrência da prática de tortura ou maus-tratos. 

§ 1° Caso os registros sejam considerados inadequados ou insuficientes, poderá a autoridade judicial realizar registro audiovisual da oitiva, registro fotográfico de possível lesão macroscópica e determinar a elaboração de novo exame pericial, a ser realizado nos termos da Resolução CNJ 414/2021.

§ 2° A autoridade judicial deverá requisitar a realização de novo exame pericial, nos seguintes casos:

  1. quando este não tiver sido realizado;
  2. quando os registros se mostrarem insuficientes quanto à descrição dos fatos e das lesões; 
  3. quando a alegação de tortura e maus-tratos se referir a momento posterior ao exame realizado; ou 
  4. quando o exame tiver sido realizado na presença de agente policial. 

§ 3° A autoridade judicial deverá diligenciar para que o resultado do novo exame pericial seja juntado, o mais brevemente possível, ao processo de conhecimento em que a possível vítima figura como acusada, por meio de envio de senha de acesso ao órgão pericial ou outra diligência com o mesmo efeito prático.

Art. 19. Diante da presença de indícios da prática de tortura ou maus-tratos, deverá ser elaborado Relatório Sintético da Oitiva de Tortura, o qual conterá as seguintes informações: 

  1. a dinâmica e o método de inflição de dor ou sofrimento; 
  2. os resultados causados, do ponto de vista médico-legal; 
  3. a identificação dos agressores ou informações úteis para a sua identificação; 
  4. o local, a data e o horário aproximados dos fatos; 
  5. a indicação de outros meios de prova mencionados; e 
  6. os encaminhamentos realizados durante a audiência. 

Parágrafo único. O Relatório de que trata o caput terá caráter sigiloso, apenas devendo ser encaminhado para os órgãos expressamente indicados nesta Resolução. 

Art. 20. Em havendo indícios da ocorrência da prática de tortura ou maus-tratos, a autoridade judicial que preside a audiência de custódia adotará as providências com vistas à instauração de procedimento visando à responsabilização de agente público, devendo encaminhar a notícia do fato e documentação correlata: 

  1. ao órgão do Ministério Público Estadual responsável pelo controle externo da atividade policial; 
  2. à Delegacia de Assuntos Internos da Polícia Civil, para a apuração de infrações penais, sendo o agente membro das polícias militar, civil ou penal; 
  3. à Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), em sendo o agente membro das polícias militar, civil ou penal; ou 
  4. às corregedorias municipais competentes, em sendo o agente membro de guarda municipal; e 
  5. à Defensoria Pública do Estado, em especial ao seu Núcleo de Direitos Humanos, para assistência jurídica e eventual responsabilização civil. 

Parágrafo único. A autoridade judicial que preside a audiência de custódia deverá notificar os órgãos de controles interno e externo de que tratam este artigo, para que comuniquem o desdobramento da apuração do possível caso de tortura ou maus- tratos ao juízo do conhecimento. 

Art. 21. A documentação correlata de que trata o art. 20 desta Resolução, a ser encaminhada aos órgãos responsáveis pela apuração criminal e administrativa dos fatos, deve conter: 

  1. ofício de encaminhamento; 
  2. cópia da ata de audiência de custódia; 
  3. cópia do Relatório Sintético da Oitiva de Tortura; 
  4. cópia da mídia da gravação da audiência de custódia; 
  5. registros fotográficos realizados em audiência, em havendo; e 
  6. cópia do laudo pericial. 

Art. 22. Para garantir a atenção à saúde e a reabilitação da possível vítima, a autoridade judicial que preside a audiência de custódia deverá adotar as seguintes providências: 

  1. determinar o imediato atendimento médico, sempre que necessário; 
  2. solicitar suporte imediato da equipe de proteção social, em havendo; 
  3. notificar o Centro de Referência e Atendimento a Vítimas de Violência (CRAVV) ou instituição de proteção social congênere, para as providências cabíveis; e 
  4. notificar o Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência do Ministério Público do Estado (NUAVV), para as providências cabíveis. 

Art. 23. Para garantir a proteção da possível vítima e de eventuais testemunhas, a autoridade judicial que preside a audiência de custódia deve, se considerar adequado, encaminhar o caso para o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas (PROVITA), para a avaliação sobre a inclusão ou não em programa de proteção. 

Art. 24. A autoridade judicial que presidea audiência de custódia deverá comunicar, por meio da ata de audiência, a verificação de indícios de possível prática de tortura ou maus-tratos ao juízo de conhecimento ao qual o processo foi distribuído. 

Parágrafo único. Na ata de audiência de que trata o caput deverá constar os órgãos de controle interno e externo para quem foi enviada a notícia de possível prática de tortura ou maus-tratos, bem como o registro de que fora encaminhada ao GMF/TJCE, para fins de monitoramento. 

Art. 25. A autoridade judicial que preside a audiência de custódia comunicará ao GMF/TJCE toda e qualquer notícia de indícios de tortura ou maus-tratos verificados em audiência, de modo a viabilizar o monitoramento administrativo de que trata o Capítulo IV desta Resolução. 

Parágrafo único. A autoridade judicial fornecerá ao GMF/TJCE as informações necessárias à devida padronização do monitoramento das notícias de tortura ou maus-tratos advindos do Poder Judiciário do Estado do Ceará, inclusive as informações que constam da documentação elencada no art. 21 desta Resolução. 

CAPÍTULO IV 

DO MONITORAMENTO DE NOTÍCIAS DE TORTURA OU MAUS-TRATOS POR PARTE DO GMF/TJCE 

Art. 26. O GMF/TJCE será o órgão do Poder Judiciário do Estado do Ceará responsável por monitorar administrativamente o andamento das apurações e das medidas de proteção às supostas vítimas e às eventuais testemunhas das notícias de tortura ou maus-tratos de que trata esta Resolução. 

§ 1° O GMF/TJCE disporá de Formulário de Registro de Notícias de Tortura ou Maus-tratos, preferencialmente em formato eletrônico, para o registro padronizado de notícias de prática de tortura ou maus-tratos, sejam elas advindas de comunicações diretas, nos termos do art. desta Resolução, sejam elas oriundas de inspeções judiciais, de audiências de custódia ou de demais atos processuais da jurisdição criminal.

§ 2° A equipe técnica do GMF/TJCE receberá capacitação permanente sobre o recebimento de notícias de tortura ou maus- tratos e sobre o acolhimento a vítimas de violência.

Art. 27. O GMF/TJCE realizará o monitoramento administrativo periódico das notícias de tortura ou maus-tratos advindas do Poder Judiciário do Estado do Ceará do seguinte modo: 

  1. a cada 3 (três) meses, atualizará o status das informações sobre cada caso monitorado junto aos órgãos competentes; 
  2. a cada 6 (seis) meses, elaborará relatório quantitativo de monitoramento de todos os casos acompanhados, o qual deverá ser encaminhado aos órgãos de acompanhamento da temática da prevenção e do combate à tortura no âmbito estadual, tais como, a título exemplificativo, o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (CEPCT), a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará e a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Ceará; 
  3. anualmente, elaborará relatório quantitativo e qualitativo de suas ações desenvolvidas no tema da prevenção e do combate à tortura, o qual será público e disponibilizado em sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. 

Parágrafo único. O GMF/TJCE encaminhará os relatórios de monitoramento de que trata este artigo ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Execução das Medidas Socioeducativas do CNJ. 

Art. 28. O acompanhamento do cumprimento da presente Resolução será realizado pela Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará e contará com o apoio técnico do GMF/TJCE. 

Parágrafo único. Para a realização das providências constantes desta Resolução, o Tribunal de Justiça buscará dotar o GMF/TJCE de recursos materiais e humanos, em consonância com a Resolução CNJ n° 214/2015. 

Art. 29. A presente Resolução entrará em vigor 90 (noventa) dias após a sua publicação.  

 

REGISTRE-SE, PUBLIQUE-SE E CUMPRA-SE. 

ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ, em Fortaleza, aos 27 de abril de 2023. 

Des. Antônio Abelardo Benevides Moraes Presidente

Des. Fernando Luiz Ximenes Rocha 

Des. Emanuel Leite Albuquerque

Des. Paulo Francisco Banhos Ponte

Des. Durval Aires Filho 

Des. Francisco Darival Beserra Primo

Des. Francisco Bezerra Cavalcante 

Desa. Lígia Andrade de Alencar Magalhães

Des. Heráclito Vieira de Sousa Neto 

Des. Francisco Mauro Ferreira Liberato

Des. Francisco Luciano Lima Rodrigues

Des. José Ricardo Vidal Patrocínio

Desa. Andréa Mendes Bezerra Delfino 

Des. Francisco Eduardo Torquato Scorsafava 

 

ANEXOS DA RESOLUÇÃO DO ÓRGÃO ESPECIAL 10 /2023

 

Anexo I Formulário de Registro de Notícias de Tortura ou Maus-tratos

 

Anexos II, III e IV Fluxogramas de tratamento de notícias de tortura ou maus-tratos

 https://esaj.tjce.jus.br/cdje/consultaSimples.do?cdVolume=13&nuDiario=3064&cdCaderno=1&nuSeqpagina=2

 

 

 

 

 

 

 

Texto Original

Estabelece e regulamenta o fluxo administrativo de recebimento, processamento e monitoramento de notícias de tortura ou de maus-tratos no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Ceará e outras providências. 

O ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ (TJCE), no uso de suas competências legais e regimentais, por decisão unânime de seus componentes presentes, em sessão realizada em 27 de abril de 2023, 

CONSIDERANDO os objetivos e princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos na Constituição Federal de 1988, especialmente o art. 5°, III, que estabelece que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, e o inciso XLIII, o qual determina que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, por ele respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, omitirem-se; 

CONSIDERANDO o disposto em tratados internacionais firmados pela República Federativa do Brasil sobre prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, em especial a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 5°), as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Nelson Mandela regras 1, 32 e 34, entre outras); o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 7°); a Convenção da ONU contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes e seu Protocolo Facultativo; o Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão (princípios 6, 24, 26 e 33), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica); e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura; 

CONSIDERANDO a Lei 9.455/1997, que define os crimes de tortura e outras providências, prevendo no ordenamento jurídico brasileiro tipo penal autônomo para a conduta, bem como a Lei 12.847/2013, que institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura a ser integrado pelos órgãos do Poder Judiciário (art. 2°, § 2°, II); 

CONSIDERANDO os parâmetros internacionais estabelecidos no Manual para investigação e documentação eficazes da tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (Protocolo de Istambul), aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2000; 

CONSIDERANDO o relatório produzido pelo Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU (CAT/OP/BRA/R.1, 2011), pelo Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU (A/HRC/27/48/Add.3, 2014), pelo Relator Especial da ONU sobre tortura em missão ao Brasil em 2015 (A/HRC/57/Add.4), pelo Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU em visita ao Brasil (CAT/OP/ BRA/3, 2017), assim como o Relatório sobre o Uso da Prisão Provisória nas Américas de 2013, da Organização dos Estados Americanos (OEA); 

CONSIDERANDO o Protocolo II da Resolução do Conselho Nacional de Justiça 213, de 15 de dezembro de 2015, que traz procedimentos para oitiva, coleta de informações, registro e encaminhamento de casos com indícios de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; 

CONSIDERANDO a Resolução do Conselho Nacional de Justiça 414, de 2 de setembro de 2021, a qual estabelece diretrizes e quesitos periciais para a realização dos exames de corpo de delito nos casos em que haja indícios de prática de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, conforme os parâmetros do Protocolo de Istambul, e outras providências; 

CONSIDERANDO as diretrizes técnicas e os parâmetros procedimentais da Coleção de Manuais Fortalecimento das Audiências de Custódia, do Conselho Nacional de Justiça, em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), especialmente o que dispõem o Manual de Prevenção e Combate à Tortura e Maus-Tratos para Audiência de Custódia; e o Manual sobre Algemas e Outros Instrumentos de Contenção em Audiências Judiciais: Orientações Práticas para Implementação da Súmula Vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal pela Magistratura e Tribunais; 

RESOLVE: 

CAPÍTULO I 

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS 

Art. Ficam estabelecidos os fluxos administrativos de recebimento, processamento e monitoramento de notícias de tortura ou de maus-tratos no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Ceará, nos termos do art. 7°, inciso I, da Resolução CNJ 414/2021, na forma dos fluxogramas que constituem anexos da presente Resolução. 

Art. Para os fins desta Resolução, considera-se: 

  1. tortura: os tipos penais previstos na Lei 9.455, de 7 de abril de 1997, respeitada a definição constante do Artigo da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 40, de 15 de fevereiro de 1991; 
  2. maus-tratos: substitutivo das condutas caracterizadas como outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes no âmbito do Direito Internacional, não se restringindo, portanto, ao tipo penal do art. 136 do Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940); e 
  3. estabelecimento de privação de liberdade: qualquer espaço destinado à restrição de liberdade, ainda que a título provisório, de pessoas que tenham sido presas em flagrante delito de crime ou por mandado judicial, em cumprimento de pena em qualquer regime ou que estejam submetidas à medida de segurança ou à internação provisória. 

Art. Toda pessoa física, instituição ou organização social poderá noticiar a quem de direito no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Ceará a ocorrência de prática de tortura ou de maus-tratos em estabelecimento de privação de liberdade ou quando da realização de prisão de qualquer natureza. 

Art. Diante da notícia ou da presença de indícios de prática de tortura ou maus-tratos, a autoridade judicial competente deverá adotar providências visando ao cumprimento dos seguintes objetivos: 

  1. documentar eficazmente os fatos, de modo a viabilizar o prosseguimento de medidas de responsabilização, reparação e proteção; 
  2. garantir o atendimento à saúde e à reabilitação da possível vítima de tortura ou maus-tratos; e 
  3. garantir proteção à possível vítima e a eventuais testemunhas dos fatos, de modo a minorar os riscos de possíveis represálias. 

Parágrafo único. A autoridade judiciária observará, além deste normativo, os dispositivos da Resolução CNJ 414/2021. 

Art. O Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (GMF/TJCE) é o órgão do Poder Judiciário do Estado do Ceará encarregado de acompanhar e monitorar os desdobramentos administrativos das notícias de prática de tortura ou maus-tratos de que tratam esta Resolução. 

Parágrafo único. O GMF/TJCE poderá, nos termos do art. 6°, inciso X, da Resolução CNJ 214/2015, receber, processar e encaminhar reclamações sobre possível ocorrência de tortura ou maus-tratos, utilizando-se, para tanto, dos seguintes canais de recebimento de notícias: 

  1. correio eletrônico de comunicação: gmf@tjce.jus.br; 
  2. atendimento telefônico; 
  3. protocolo físico de alegações escritas; 
  4. atendimento presencial, com redução a termo ou registro audiovisual das alegações, mediante anuência do noticiante; e 
  5. formulário online disponibilizado na página eletrônica do GMF no portal do TJCE.

CAPÍTULO II 

DO  PROCESSAMENTO  ADMINISTRATIVO  DE  NOTÍCIAS  DE  TORTURA  OU  MAUS-TRATOS  ORIUNDAS  DE ESTABELECIMENTOS DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE 

Art. Se a notícia de suposta tortura ou maus-tratos ocorrida em estabelecimento de privação de liberdade for comunicada diretamente ao GMF/TJCE, nos termos do art. desta Resolução, este deverá, inicialmente, adotar as seguintes providências:

  1. registrar a notícia no Formulário de Registro de Notícias de Tortura ou Maus-tratos, que constitui anexo da presente Resolução; 
  2. diligenciar para a abertura de procedimento administrativo no âmbito do TJCE; 
  3. encaminhar, via procedimento administrativo, Formulário de Registro de Notícias de Tortura ou Maus-tratos à autoridade judicial com poder correcional sobre o estabelecimento de privação de liberdade em que supostamente ocorreu o fato da notícia, para a adoção das providências elencadas nos arts. 9°, 10 e 11 desta Resolução; e 
  4. comunicar ao noticiante o número do procedimento administrativo, para fins de acompanhamento e transparência.

Parágrafo único. As notícias de torturas e maus-tratos também podem ser feitas junto às Corregedorias de Presídios do Poder Judiciário, que as encaminharão ao GMF para a adoção das providências cabíveis, nos moldes do art. desta Resolução.

Art. Quando a autoridade judicial tomar ciência de notícia ou indícios de prática de tortura ou maus-tratos no momento de inspeção judicial realizada a estabelecimento de privação de liberdade, deverá adotar, de imediato, as providências elencadas nos arts. 9°, 10 e 11 desta Resolução, sempre que possíveis e necessárias à luz do caso concreto. 

Art. Quando a notícia de prática de tortura ou maus-tratos chegar ao conhecimento da autoridade judicial por meio do GMF, no momento de audiência judicial ou de outros atos processuais da jurisdição criminal e, estando o estabelecimento de privação de liberdade sob sua responsabilidade correcional, deverá adotar as providências elencadas nos arts. 9º, 10 e 11, avaliando a pertinência de sua visita in locu. 

Parágrafo único. A autoridade judicial que tiver ciência de notícia de prática de tortura ou maus-tratos em audiência ou em outros atos jurisdicionais deverá realizar comunicação ao GMF/TJCE, com as informações de que disponha, para a adoção das providências elencadas nesta Resolução. 

Art. Para a documentação eficaz da suposta prática de tortura ou maus-tratos ocorrida em estabelecimento de privação de liberdade, a autoridade judicial deverá adotar as seguintes providências: 

  1. ouvir e reduzir a termo as declarações da pessoa privada de liberdade que relata haver sofrido a prática de tortura ou maus-tratos; 
  2. ouvir e reduzir a termo as declarações de possíveis testemunhas do fato descrito, sejam estas pessoas também privadas de liberdade ou agentes públicos que prestam serviço no estabelecimento; 
  3. determinar a realização de exame de corpo de delito, observando a quesitação e demais disposições da Resolução CNJ 414/2021; 
  4. requisitar à direção do estabelecimento: 
    1. o livro de registro de ocorrências do dia do fato, bem como, se necessário, dos dias imediatamente anteriores e posteriores à ocorrência relatada; 
    2. o livro de registro da utilização de armamento, inclusive menos letal, e outros documentos que possam ser úteis à instrução do caso; 
    3. o livro de plantão dos policiais penais no dia da ocorrência relatada, bem como, se necessário, dos dias que o antecederam e sucederam; 
    4. os registros documentais a respeito de eventual ingresso de forças policiais no local, com a identificação dos agentes estatais e os procedimentos de uso da força realizados; 
    5. registros audiovisuais ou visuais de câmeras de circuito interno do estabelecimento de privação de liberdade, se houver; e 
    6. a listagem geral das pessoas que se encontravam no local dos fatos, incluindo pessoas privadas de liberdade, visitantes, funcionários, entre outros; 
  5. requisitar prontuário de saúde da pessoa privada de liberdade que relata haver sofrido tortura ou maus-tratos, além de outros documentos pessoais que possam ser úteis à compreensão do caso; 
  6. requisitar registros audiovisuais de câmeras corporais (bodycams), se houver; 
  7. verificar a situação processual da pessoa privada de liberdade que alega ter sido vítima de tortura ou maus-tratos; e 
  8. realizar outras diligências que entender cabíveis para a elucidação dos fatos descritos. 

Parágrafo único: A autoridade judicial, a partir da avaliação do caso concreto, acionará a Delegacia de Assuntos Internos (DAI) da Polícia Civil para a realização conjunta das providências elencadas nos incisos I e II, além de outras que entender necessárias. 

Art. 10. Para garantir a atenção à saúde e a reabilitação da pessoa que alega ser vítima de tortura ou maus-tratos, a autoridade judicial poderá adotar as seguintes providências: 

  1. determinar o imediato atendimento médico; 
  2. notificar o Centro de Referência e Atendimento a Vítimas de Violência (CRAVV), ou instituição congênere de proteção social, para as providências psicossociais cabíveis; 
  3. notificar o Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência do Ministério Público do Estado (NUAVV), para as providências cabíveis. 

Parágrafo único. Caso a oitiva da pessoa que alega ter sofrido tortura ou maus-tratos seja realizada pela autoridade judicial no estabelecimento de privação de liberdade, a equipe técnica do CRAVV, ou de instituição congênere de proteção social, poderá ser convidada para prestar suporte técnico e auxiliar o atendimento. 

Art. 11. Para garantir a proteção da pessoa que alega ter sido vítima de tortura ou maus-tratos e de eventuais testemunhas, a autoridade judicial poderá adotar as seguintes providências: 

  1. determinar, quando necessária escolta externa para a realização de exame de corpo de delito, que ela não seja integrada por servidores a quem a pessoa atribui participação na prática de tortura ou maus-tratos; 
  2. determinar que, durante a realização do exame de corpo de delito, não estejam presentes policiais penais ou outros agentes públicos que prestam serviço no estabelecimento em que supostamente se deram os fatos noticiados; 
  3. determinar o afastamento cautelar de servidor que supostamente tenha cometido ato de tortura ou maus-tratos; 
  4. determinar a transferência da pessoa privada de liberdade que possa ter sido vítima de tortura ou maus-tratos para outro estabelecimento, ouvida a pessoa presa, nos termos dos arts. 7º, I, e 10 da Resolução CNJ 404/2021; 
  5. proibir a aplicação de sanção disciplinar que implique em restrição do contato familiar, por qualquer via, à pessoa privada de liberdade que tenha relatado ser vítima de tortura ou maus-tratos, vedando sua incomunicabilidade; 
  6. determinar à direção do estabelecimento de privação de liberdade a garantia da integridade física e psicológica da possível vítima de tortura ou de maus-tratos e de outras pessoas privadas de liberdade que tenham prestado declaração como testemunha do fato descrito; 
  7. determinar à direção do estabelecimento de privação de liberdade a colocação da possível vítima de tortura ou maus- tratos em ala que disponha de equipamento de videomonitoramento, quando houver; 
  8. informar à direção do estabelecimento a realização de visitas de seguimento pelo GMF/ TJCE ou por outro órgão de monitoramento, sendo a primeira em até 15 (quinze) dias subsequentes à oitiva da suposta vítima, e daí a cada 3 (três) meses e sempre que necessário, enquanto persistir a possibilidade de retaliação do noticiante; 
  9. encaminhar ao Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas (PROVITA) possíveis vítimas, testemunhas e familiares, para avaliação sobre a necessidade de inclusão em programa de proteção, desde que não estejam privadas de liberdade. 

Art. 12. Após as providências para garantir a documentação dos fatos, a atenção à saúde e a proteção da possível vítima e de eventuais testemunhas, a autoridade judicial deverá adotar as seguintes medidas de seguimento: 

  1. encaminhar relatório sintético do caso, via procedimento administrativo, ao GMF/TJCE, com breve descrição dos fatos e das providências e determinações realizadas, anexando as documentações requisitadas e demais informações que reputar necessário; e 
  2. encaminhar relatório a que se refere o inciso anterior ao juízo criminal do processo de conhecimento, em se tratando de pessoa presa provisoriamente, para ciência e análise de possíveis reflexos na situação processual e na adoção de medidas cautelares. 

Parágrafo único. O relatório de que trata o caput terá caráter sigiloso, apenas devendo ser encaminhado para os órgãos expressamente indicados nesta Resolução. 

Art. 13. Após o recebimento do relatório sintético da autoridade judicial, deverá o GMF/TJCE adotar as providências com vistas à apuração de responsabilidade de agente público pela prática de tortura ou maus-tratos, encaminhando notícia do fato e documentação correlata: 

  1. ao Ministério Público Estadual, por intermédio da Secretaria Executiva Criminal da Comarca respectiva, para instauração de procedimento visando à apuração na esfera criminal; 
  2. à Delegacia de Assuntos Internos da Polícia Civil, para a apuração de infrações penais, excetuando-se as tipicamente de natureza militar, caso ainda não tenha sido acionada na hipótese do parágrafo único do artigo 9º; 
  3. à Controladoria-Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), para instauração de procedimento visando à apuração na esfera administrativa; e 
  4. à Defensoria Pública do Estado, em especial ao seu Núcleo de Direitos Humanos, para assistência jurídica e eventual responsabilização civil. 

§ 1° Deverá ser registrado, no procedimento administrativo aberto relativo à notícia de origem sobre a prática de tortura ou maus-tratos, o número de protocolo de cada uma das comunicações realizadas para apuração criminal e administrativa, de modo a viabilizar o seu monitoramento, nos termos do Capítulo IV desta Resolução.

§ 2° O GMF/TJCE deverá comunicar as medidas adotadas à pessoa física ou à instituição noticiante dos fatos objeto da apuração, para fins de acompanhamento e transparência.

CAPÍTULO III 

DO PROCESSAMENTO ADMINISTRATIVO DE NOTÍCIAS DE TORTURA OU MAUS-TRATOS ORIUNDAS DE AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA E DEMAIS AUDIÊNCIAS JUDICIAIS 

Art. 14. A audiência de custódia tem como uma de suas finalidades identificar e materializar indícios de possível prática de tortura ou maus-tratos, de modo a viabilizar providências eficazes de responsabilização de eventuais agressores, possibilitar o controle de legalidade da prisão realizada e garantir a reabilitação e proteção de possíveis vítimas e testemunhas. 

§ 1° Para a identificação, o registro e os encaminhamentos administrativos referentes a indícios da prática de tortura ou de maus-tratos de pessoa presa que será submetida à audiência de custódia, devem ser observados o Protocolo II da Resolução CNJ 213/2015, os dispositivos da Resolução CNJ 414/2021 e o Manual de Prevenção e Combate à Tortura e Maus-tratos para Audiência de Custódia do CNJ.

§ 2° Aplica-se o disposto neste Capítulo, no que couber, a todas as audiências judiciais da jurisdição criminal do Poder Judiciário do Estado do Ceará.

Art. 15. Para que a audiência de custódia se realize em condições adequadas para o eventual relato de prática de tortura ou de maus-tratos, a autoridade judicial deve, inicialmente: 

  1. verificar se à pessoa apresentada foram asseguradas condições adequadas, no que concerne à alimentação, à hidratação, ao vestuário e ao atendimento à saúde, garantindo-se a coleta e o registro de indícios eventualmente presentes no corpo e na roupa utilizada; 
  2. garantir que a pessoa não esteja algemada durante a audiência, somente se admitindo o uso de instrumento de contenção nos termos restritivos da Súmula Vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal e no disposto no Manual sobre Algemas e Outros Instrumentos de Contenção em Audiências Judiciais do CNJ; 
  3. assegurar que a pessoa custodiada esteja sempre acompanhada de advogado ou defensor público, assegurando-lhe entrevista prévia sigilosa, sem a presença de agente policial e em local reservado, de modo a lhe garantir efetiva assistência judiciária; e 
  4. garantir que o agente público responsável pela custódia, prisão ou investigação do crime imputado não estará presente durante a audiência. 

Art. 16. Para a coleta idônea e eficaz de informações relacionadas à possível prática de tortura ou maus-tratos, a autoridade judicial deve: 

  1. informar à pessoa custodiada que a tortura é expressamente proibida, independentemente dos fatos que lhes forem imputados por ocasião da prisão, ressaltando que eventual notícia de tortura ou de maus-tratos será prontamente encaminhada às autoridades competentes; 
  2. informar à pessoa custodiada a finalidade da audiência, referindo-se expressamente às medidas de proteção que poderão ser adotadas para garantia de sua segurança e de terceiros; 
  3. assegurar a indicação de testemunhas ou outras fontes de informação que possam corroborar a veracidade do relato de tortura ou de maus-tratos, com garantia de sigilo; 
  4. solicitar suporte de equipe de proteção social em casos de grave expressão de sofrimento físico ou mental da pessoa custodiada, para acolhimento e orientação quanto à melhor abordagem ou encaminhamento imediato do caso; e 
  5. questionar a pessoa custodiada sobre o tratamento recebido desde a sua prisão, em todos os locais e órgãos por onde foi conduzida, mantendo-se atento a relatos e sinais que possam indicar a ocorrência de tortura ou maus-tratos. 

Art. 17. A autoridade judicial deverá observar as orientações técnicas do Manual de Prevenção e Combate à Tortura e Maus-tratos para Audiência de Custódia, do CNJ, quanto a perguntas específicas sobre a ocorrência de tortura ou de maus- tratos, garantindo sempre que a pergunta inicial seja aberta e que haja perguntas de seguimento em linguagem acessível e objetiva, contemplando aspectos como método utilizado, finalidade da prática, atos discriminatórios em razão da raça, gênero ou orientação sexual, local, data e horários aproximados dos fatos alegados, identificação de autores ou de elementos que viabilizem sua identificação e necessidade da adoção de medidas de proteção. 

Parágrafo único. A autoridade judicial deve informar à pessoa custodiada, no ato da audiência, de modo objetivo e em linguagem acessível, as providências que serão adotadas para a possível responsabilização criminal e administrativa dos agentes públicos envolvidos, bem como as providências para a reabilitação e a proteção da vítima e das eventuais testemunhas.

Art. 18. As informações extraídas da oitiva da pessoa custodiada devem ser cotejadas com os registros documentais disponíveis à autoridade judicial na audiência de custódia, em especial com o relatório médico ou laudo de exame pericial e com registros documentais do auto de prisão em flagrante, de modo a permitir a reunião do máximo de indícios sobre a possível ocorrência da prática de tortura ou maus-tratos. 

§ 1° Caso os registros sejam considerados inadequados ou insuficientes, poderá a autoridade judicial realizar registro audiovisual da oitiva, registro fotográfico de possível lesão macroscópica e determinar a elaboração de novo exame pericial, a ser realizado nos termos da Resolução CNJ 414/2021.

§ 2° A autoridade judicial deverá requisitar a realização de novo exame pericial, nos seguintes casos:

  1. quando este não tiver sido realizado;
  2. quando os registros se mostrarem insuficientes quanto à descrição dos fatos e das lesões; 
  3. quando a alegação de tortura e maus-tratos se referir a momento posterior ao exame realizado; ou 
  4. quando o exame tiver sido realizado na presença de agente policial. 

§ 3° A autoridade judicial deverá diligenciar para que o resultado do novo exame pericial seja juntado, o mais brevemente possível, ao processo de conhecimento em que a possível vítima figura como acusada, por meio de envio de senha de acesso ao órgão pericial ou outra diligência com o mesmo efeito prático.

Art. 19. Diante da presença de indícios da prática de tortura ou maus-tratos, deverá ser elaborado Relatório Sintético da Oitiva de Tortura, o qual conterá as seguintes informações: 

  1. a dinâmica e o método de inflição de dor ou sofrimento; 
  2. os resultados causados, do ponto de vista médico-legal; 
  3. a identificação dos agressores ou informações úteis para a sua identificação; 
  4. o local, a data e o horário aproximados dos fatos; 
  5. a indicação de outros meios de prova mencionados; e 
  6. os encaminhamentos realizados durante a audiência. 

Parágrafo único. O Relatório de que trata o caput terá caráter sigiloso, apenas devendo ser encaminhado para os órgãos expressamente indicados nesta Resolução. 

Art. 20. Em havendo indícios da ocorrência da prática de tortura ou maus-tratos, a autoridade judicial que preside a audiência de custódia adotará as providências com vistas à instauração de procedimento visando à responsabilização de agente público, devendo encaminhar a notícia do fato e documentação correlata: 

  1. ao órgão do Ministério Público Estadual responsável pelo controle externo da atividade policial; 
  2. à Delegacia de Assuntos Internos da Polícia Civil, para a apuração de infrações penais, sendo o agente membro das polícias militar, civil ou penal; 
  3. à Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), em sendo o agente membro das polícias militar, civil ou penal; ou 
  4. às corregedorias municipais competentes, em sendo o agente membro de guarda municipal; e 
  5. à Defensoria Pública do Estado, em especial ao seu Núcleo de Direitos Humanos, para assistência jurídica e eventual responsabilização civil. 

Parágrafo único. A autoridade judicial que preside a audiência de custódia deverá notificar os órgãos de controles interno e externo de que tratam este artigo, para que comuniquem o desdobramento da apuração do possível caso de tortura ou maus- tratos ao juízo do conhecimento. 

Art. 21. A documentação correlata de que trata o art. 20 desta Resolução, a ser encaminhada aos órgãos responsáveis pela apuração criminal e administrativa dos fatos, deve conter: 

  1. ofício de encaminhamento; 
  2. cópia da ata de audiência de custódia; 
  3. cópia do Relatório Sintético da Oitiva de Tortura; 
  4. cópia da mídia da gravação da audiência de custódia; 
  5. registros fotográficos realizados em audiência, em havendo; e 
  6. cópia do laudo pericial. 

Art. 22. Para garantir a atenção à saúde e a reabilitação da possível vítima, a autoridade judicial que preside a audiência de custódia deverá adotar as seguintes providências: 

  1. determinar o imediato atendimento médico, sempre que necessário; 
  2. solicitar suporte imediato da equipe de proteção social, em havendo; 
  3. notificar o Centro de Referência e Atendimento a Vítimas de Violência (CRAVV) ou instituição de proteção social congênere, para as providências cabíveis; e 
  4. notificar o Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência do Ministério Público do Estado (NUAVV), para as providências cabíveis. 

Art. 23. Para garantir a proteção da possível vítima e de eventuais testemunhas, a autoridade judicial que preside a audiência de custódia deve, se considerar adequado, encaminhar o caso para o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas (PROVITA), para a avaliação sobre a inclusão ou não em programa de proteção. 

Art. 24. A autoridade judicial que preside a audiência de custódia deverá comunicar, por meio da ata de audiência, a verificação de indícios de possível prática de tortura ou maus-tratos ao juízo de conhecimento ao qual o processo foi distribuído. 

Parágrafo único. Na ata de audiência de que trata o caput deverá constar os órgãos de controle interno e externo para quem foi enviada a notícia de possível prática de tortura ou maus-tratos, bem como o registro de que fora encaminhada ao GMF/TJCE, para fins de monitoramento. 

Art. 25. A autoridade judicial que preside a audiência de custódia comunicará ao GMF/TJCE toda e qualquer notícia de indícios de tortura ou maus-tratos verificados em audiência, de modo a viabilizar o monitoramento administrativo de que trata o Capítulo IV desta Resolução. 

Parágrafo único. A autoridade judicial fornecerá ao GMF/TJCE as informações necessárias à devida padronização do monitoramento das notícias de tortura ou maus-tratos advindos do Poder Judiciário do Estado do Ceará, inclusive as informações que constam da documentação elencada no art. 21 desta Resolução. 

CAPÍTULO IV 

DO MONITORAMENTO DE NOTÍCIAS DE TORTURA OU MAUS-TRATOS POR PARTE DO GMF/TJCE 

Art. 26. O GMF/TJCE será o órgão do Poder Judiciário do Estado do Ceará responsável por monitorar administrativamente o andamento das apurações e das medidas de proteção às supostas vítimas e às eventuais testemunhas das notícias de tortura ou maus-tratos de que trata esta Resolução. 

§ 1° O GMF/TJCE disporá de Formulário de Registro de Notícias de Tortura ou Maus-tratos, preferencialmente em formato eletrônico, para o registro padronizado de notícias de prática de tortura ou maus-tratos, sejam elas advindas de comunicações diretas, nos termos do art. desta Resolução, sejam elas oriundas de inspeções judiciais, de audiências de custódia ou de demais atos processuais da jurisdição criminal.

§ 2° A equipe técnica do GMF/TJCE receberá capacitação permanente sobre o recebimento de notícias de tortura ou maus- tratos e sobre o acolhimento a vítimas de violência.

Art. 27. O GMF/TJCE realizará o monitoramento administrativo periódico das notícias de tortura ou maus-tratos advindas do Poder Judiciário do Estado do Ceará do seguinte modo: 

  1. a cada 3 (três) meses, atualizará o status das informações sobre cada caso monitorado junto aos órgãos competentes; 
  2. a cada 6 (seis) meses, elaborará relatório quantitativo de monitoramento de todos os casos acompanhados, o qual deverá ser encaminhado aos órgãos de acompanhamento da temática da prevenção e do combate à tortura no âmbito estadual, tais como, a título exemplificativo, o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (CEPCT), a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará e a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Ceará; 
  3. anualmente, elaborará relatório quantitativo e qualitativo de suas ações desenvolvidas no tema da prevenção e do combate à tortura, o qual será público e disponibilizado em sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. 

Parágrafo único. O GMF/TJCE encaminhará os relatórios de monitoramento de que trata este artigo ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Execução das Medidas Socioeducativas do CNJ. 

Art. 28. O acompanhamento do cumprimento da presente Resolução será realizado pela Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará e contará com o apoio técnico do GMF/TJCE. 

Parágrafo único. Para a realização das providências constantes desta Resolução, o Tribunal de Justiça buscará dotar o GMF/TJCE de recursos materiais e humanos, em consonância com a Resolução CNJ n° 214/2015. 

Art. 29. A presente Resolução entrará em vigor 90 (noventa) dias após a sua publicação.  

 

REGISTRE-SE, PUBLIQUE-SE E CUMPRA-SE. 

ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ, em Fortaleza, aos 27 de abril de 2023. 

Des. Antônio Abelardo Benevides Moraes Presidente

Des. Fernando Luiz Ximenes Rocha 

Des. Emanuel Leite Albuquerque

Des. Paulo Francisco Banhos Ponte

Des. Durval Aires Filho 

Des. Francisco Darival Beserra Primo

Des. Francisco Bezerra Cavalcante 

Desa. Lígia Andrade de Alencar Magalhães

Des. Heráclito Vieira de Sousa Neto 

Des. Francisco Mauro Ferreira Liberato

Des. Francisco Luciano Lima Rodrigues

Des. José Ricardo Vidal Patrocínio

Desa. Andréa Mendes Bezerra Delfino 

Des. Francisco Eduardo Torquato Scorsafava 

 

ANEXOS DA RESOLUÇÃO DO ÓRGÃO ESPECIAL 10 /2023

 

Anexo I Formulário de Registro de Notícias de Tortura ou Maus-tratos

 

Anexos II, III e IV Fluxogramas de tratamento de notícias de tortura ou maus-tratos

 https://esaj.tjce.jus.br/cdje/consultaSimples.do?cdVolume=13&nuDiario=3064&cdCaderno=1&nuSeqpagina=2