Os juízes deveriam evitar o excesso de perícias requeridas quando os fatos são notórios
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- 25-06-2009
25.06.2009 Direito & Justiça Pág.: 05
Ao acentuar a finalidade da atuação médica, o pensador grego Hipócrates, considerado o ?Pai da Medicina?, utilizou-se do termo em latim ?primo non nocere?, que significa ?primeiro não prejudicar?. Ou seja, o médico deve antes de tudo primar pela integridade física de seu paciente; por isso, essa profissão requer muito cuidado e responsabilidade. Mas o que se percebe, principalmente depois da banalização das cirurgias plásticas e outros métodos que visam simplesmente o melhoramento estético, é que os erros médicos estão cada vez mais comuns.
Para saber como o Código Civil aborda esse tema, o caderno Direito e Justiça entrevistou o advogado especialista em Direito Público e Privado, André Studart, que tem vasta experiência no assunto. Dentre outras funções, André exerce a presidência da Associação de Vítimas de Erros Médicos e Saúde do Estado do Ceará (Aveme), além de presidir e ser fundador da Comissão de Saúde da Ordem dos Advogados do Ceará (OAB/CE).
[Direito & Justiça] O que pode ser considerado erro médico ou consequência de um tratamento ou cirurgia?
[André Studart] Erro médico, de um modo geral, é toda ação ou omissão originada de profissional de saúde que, agindo sem intenção própria de causar dano, porém desprovido de zelo, ocasiona prejuízo ao paciente sob seus cuidados. É a chamada ?culpa?, dividida em negligência, imprudência ou imperícia. Os casos de negligência são entendidos como uma conduta desidiosa, omissiva, na qual o profissional não adota as providências necessárias ao caso.
Por exemplo, atender tardiamente ao parto quando a bolsa d´água da mãe já rompeu, lesionando o nascituro. Já a imprudência entende-se como uma conduta impetuosa, onde há uma pressa desmedida no atendimento; por exemplo, prestar consulta ao paciente em poucos minutos, atestando virose quando o caso era de meningite, vindo o paciente a falecer. E, finalmente, a imperícia é quando o profissional exerce a função sem o devido preparo técnico, como o exemplo de um ortopedista realiza uma cirurgia cardíaca, sem ter especialidade para tal, como o cardiologista.
O erro médico, termo mais popular, deve ainda ser observado de modo mais amplo, para não englobar apenas os profissionais da medicina, há também os danos provocados por enfermeiros, dentistas, terapeutas, fisioterapeutas e todos aqueles que tem como profissão fornecer cuidados de saúde ao paciente. Por tal razão, em 1995 foi criada por mim e pela irmã de uma vítima, a Associação de Vítimas de Erros Médicos do Estado do Ceará – Aveme, a qual já atendeu centenas de famílias, às vezes mais preocupadas em simplesmente saber o que deu errado, já que grande parte dos médicos hesitam em assumir o seu erro, do que propriamente processar os profissionais faltosos..
[D. & J.] Como os tribunais vêm agindo quando se trata de um erro médico?
[A.S.] Há cerca de duas décadas, os magistrados que julgavam um caso de erro médico tinham muita dificuldade em analisá-lo. É que a defesa dos esculápios (médicos), intentando dificultar o discernimento do juiz, usavam e abusavam de termos técnicos para confundir a livre apreciação das provas. Entretanto, com o advento da Internet, a difusão dos jargões médicos nos meios de comunicação, o julgador hoje tem todo um aparato para melhor apreciar o processo que lhe chega às mãos. Assim, os tribunais vêm sendo bem mais sensíveis aos casos justamente por terem uma melhor compreensão.
O que se poderia sugerir para aprimorar tais julgamentos, destarte, seria evitar o excesso de perícias requeridas pelas defesas médicas quando os fatos forem notórios, comprovados. Também, como ações assim podem durar anos, que as tentativas de conciliação fossem mais insistentes, pois as vítimas é que penam, suportando todas as dores. A propósito, face à existência da Lei de Arbitragem, seria interessante também que tais casos fossem levados primeiro aos tribunais arbitrais existentes, mais rápidos no julgamento e onde, em se tratando de reparação de danos, sempre se chega a um acordo.
[D. & J.] Quando o paciente assina o termo de risco de vida ou danos, mesmo assim o médico pode ser julgado e condenado?
[A.S.] Com certeza. Encaro o termo de responsabilidade como um desprezo à vida humana. Ora, os profissionais de saúde em vez de empurrarem tais pactos aos frágeis pacientes, sequer tendo condições de entender o que está escrito, deveriam ? isso sim ? contratar seguradoras. Aí sim, ocorrendo erro médico, onde o primeiro condenado sempre é o paciente (a usar uma cadeira de rodas, a perder um membro do corpo), o seguro tanto tranquilizaria o profissional de saúde como ampararia a vítima, a qual suporta a morosidade do Judiciário. Isto posto, mesmo assinando o referido termo de risco, este pode ser sempre contestado, julgando-se e condenando-se exemplarmente o profissional faltoso.
[D. & J.] A relação entre médico e paciente pode ser amparada pelo Código de Defesa do Consumidor?
[A.S.] O profissional de saúde pública tem como anteparo de seus atos o Código Civil, o ente federal, estadual ou municipal no qual presta serviços. Entretanto, ingressando com ação reparatória de danos contra algum destes, em caso de sucesso na demanda, podem voltar-se contra seu empregado, na ação chamada regressiva. Quanto aos profissionais particulares, que atendem em suas clínica, ou por intermédio de planos de saúde privados, o Código de Defesa do Consumidor é bastante claro que responderão pessoalmente por seus atos. Ou seja, serão os profissionais e planos diretamente acionados, podendo e devendo ser invocado o CDC.
[D. & J.] Nos hospitais públicos, onde existe a escassez tanto de profissionais como de material, aparelhos, estrutura física, enfim, onde as condições não permitem que o médico realize a sua função com uma segurança relativa, ainda assim esse médico, que trabalha nessas condições, pode ser julgado e culpado?
[A.S.] Como foi dito, em termos de responsabilidade civil, o médico não será acionado diretamente, mas sim a fazenda (federal, estadual ou municipal) onde trabalha. Esta sim, que deveria dispor mais recursos para aparelhar suas secretarias e entidades de saúde, deve responder e ser condenada pelo mau serviço prestado à população, vez que na própria Constituição Federal de 1988 está insculpido que ?a saúde é direito de todos e dever do Estado?.
Quanto aos profissionais que trabalham em tais condições, hão de continuar seus protestos por um melhor ambiente de lavor, de trabalho. Entretanto, no aspecto penal, estes não se eximirão de suas culpas alegando o péssimo aparelhamento estatal. Eles respondem criminalmente como todo cidadão, haja vista que poderiam se recusar a atender seres humanos em verdadeiros depósitos de vítimas, como o são muitos hospitais públicos.
[A.S.] Quais as penas existentes para o médico considerado culpado?
[E. B.O.] Na esfera penal, o médico pode ser condenado por imprudência, negligência ou imperícia, cf. o art. 121, §3o e §4o (homicídio culposo), e 129, § 6o do Código Penal Brasileiro, em penas de até 3 anos de detenção. No mesmo código, podem ainda incorrerem nos artigos 132 (perigo para a vida ou saúde de outrem) e 135 (omissão de socorro), dentre outros. Já para ingressar com denúncia no Conselho Regional de Medicina – Cremec ou no conselho a que outro profissional esteja vinculado, a fim de ser instaurado processo ético-disciplinar, sempre é aconselhável contratar advogados especializados .
O que observamos hoje em dia é que, embora ainda exista muito corporativismo em tais entidades, seus dirigentes estão mais conscientes das más atitudes de seus profissionais, os quais podem ser condenados administrativamente, desde simples censura até a perda de seu ofício.
[D. & J.] Qual a legislação existente que trata sobre esse assunto?
[A.S.] Quanto ao aspecto da responsabilidade civil, o Código Civil prevê reparação dos danos nos artigos 186 e 927. Já com relação ao ilícito criminal, podem ser apenados os profissionais de saúde nas tenazes do Código Penal. Finalmente, temos a legislação contida no Código de Ética Médica, que prevê as punições disciplinares, e a legislação correlata.
[D. & J.] Mesmo sem ser responsabilizado na esfera civil, o médico pode ser condenado em outro meio jurídico, como por exemplo, pelo Conselho Federal de Medicina?
[A.S.] Com certeza. Porém, para que as sanções por negligência, imperícia ou imprudência cometidas contra o paciente não sejam esquecidas, servindo de exemplo aos seus pares, imprescindível é a reparação civil (a pesar no bolso) e a penal (a pesar na liberdade).
[D. & J.] Se o dano causado for em detrimento de uma medicação que não correspondeu com o que o fabricante propôs, o médico pode ser responsabilizado?
[A.S.] Neste caso, se o defeito for da medicação, caso seja administrada de boa fé pelo profissional de saúde, o Código de Defesa do Consumidor prevê que o fabricante é quem deve ser responsabilizado
[D. & J.] Como provar um erro médico? qual o procedimento?
[A.S.] Preliminarmente, tomando como exemplo a associação de vítimas de erros médicos acima mencionada, despropositada em denegrir os profissionais de saúde, seria uma tremenda insensatez ingressar em aventuras jurídicas somente para alcançar valores econômicos indenizatórios. É que a mesma está aberta inclusive para consultas e aconselhamento aos próprios laboradores da Medicina ou áreas afins.
O que vale é evitar ou reparar o erro. Voltando à pergunta, provar um erro médico é possível sim: primeiro, sugere-se juntar toda a documentação relativa ao procedimento que culminou no dito erro (prontuários, receitas, etc.); depois, consultar um advogado de extrema confiança, preferencialmente especializado na matéria; contatado o defensor, aconselha-se ao mesmo ingressar, conjuntamente com a ação indenizatória cabível (onde poderá pleitear mais documentos), denunciar junto ao Conselho Regional de Medicina ou onde outro profissional seja inscrito, bem como agilizar o procedimento penal pertinente, acompanhando como assistente do Ministério Público. Depois, vale a pena tentar uma conciliação em cada etapa dos procedimentos, pois as ações são bem complexas.
Enfim, espera-se que os profissionais de saúde, diuturnamente atendendo nossa população, tanto quanto os profissionais do Direito, que sejam mais criteriosos e responsáveis em suas decisões. A vida humana não tem preço!