Estudantes cegos de Fortaleza vivem dia histórico com júri simulado promovido pelo Tribunal de Justiça do Ceará
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- 24-10-2024
Luís Carlos Batista
“Essa experiência é muito importante! Ela agrega, pois faz a gente entender sobre o funcionamento do julgamento e a aplicação das leis no Tribunal. Pra mim, é enriquecedor… eu tenho me interessado cada vez mais por essa área e, provavelmente, vou fazer faculdade para me tornar um advogado”.
O relato que abre esta reportagem é de Pedro Sales Oliveira, um estudante de apenas 15 anos repleto de sonhos. Durante nossa breve conversa, ele vestia um uniforme com blusa na cor branca e uma calça, predominantemente, verde. Porém, o mais importante era a alegria facilmente atestada por seu sorriso.
Residente do bairro Henrique Jorge, em Fortaleza, Pedro é pessoa com baixa visão desde o seu nascimento. Esta condição decorre de um problema de saúde denominado de Retinopatia da Prematuridade (ROP), que comprometeu totalmente a visão de seu olho direito e parcialmente do esquerdo. No entanto, mesmo diante dos desafios, ele não considera desistir de seus objetivos. “Querendo ou não isso é uma pequena barreira, uma adversidade simples da vida. Mas precisamos contornar e pensar positivamente para poder conquistar aquilo que desejamos”, afirma o aluno com altivez.
Sua incontestável felicidade, para além de compartilhar seus anseios, era devido ao evento que ele e seus demais colegas estavam participando. Na manhã desta quinta-feira (24/10), o Tribunal de Justiça Ceará (TJCE) reuniu um magistrado e outros profissionais do Direito para fazer um Júri Simulado com os estudantes do Instituto Hélio Góes, da Sociedade de Assistência aos Cegos (SAC). Em sessão realizada na própria unidade educacional, os(as) alunos(as) vivenciaram a experiência de um julgamento, entendendo melhor o funcionamento do Judiciário.
Para o titular da 1ª Vara do Júri de Fortaleza e coordenador das Varas Criminais da Capital, juiz Edilberto Oliveira Lima, “a iniciativa é extremamente relevante e reforça como o TJCE está atento às oportunidades de se fazer presente na sociedade, afinal este é o nosso papel. Estamos reunidos com representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública para tentar apresentar aos jovens como funciona uma sessão plenária do júri e a importância da cidadania nesse processo”, disse o magistrado, vestindo um terno levemente escuro, uma gravata azul e visivelmente entusiasmado por participar do evento.
INCLUINDO PARA TRANSFORMAR
Embora o Judiciário tenha a premissa de operar sob a venda da imparcialidade, é imprescindível seu compromisso de manter os olhos completamente abertos às necessidades das populações, sobretudo, aquelas mais vulneráveis. O professor e coordenador de projetos culturais do Instituto, Paulo Roberto Cândido de Oliveira, avalia a participação dos alunos e pessoas em reabilitação no simulado como excepcional. “É histórico! Vai ficar na memória de todos que estiveram presentes e que irão refletir sobre como se dá um processo de julgamento, a interpretação hermenêutica dentro do Direito”, destaca o docente, usando uma blusa verde, calça jeans e com o coração cheio de gratidão pela atividade.
Paulo, que faz parte da instituição há 27 anos, ainda faz questão de agradecer o esforço do Judiciário cearense e reforça a importância de outras instituições públicas replicarem essas ações. “A gente espera que outras instituições sigam o exemplo do TJCE e possam fazer essas parcerias para que nossos alunos, nossos assistidos, possam ter esse entendimento, porque somente assim, conhecendo onde estão os elementos sociais, políticos, jurídicos, espirituais, religiosos, enfim, eles poderão sentir na pele, no coração, esse estímulo para trilhar esse caminho de chegar a ser um protagonista da sua própria vida”.
Durante o simulado, os estudantes desempenharam os papéis de juiz, promotor, defensor, réu e dos sete jurados, proporcionando uma visão prática e dinâmica das diversas funções e responsabilidades em um julgamento do júri. Antes de começar, os estudantes foram instruídos pelo juiz, promotor e defensora e, no decorrer da sessão, foram acompanhados por esses profissionais da Justiça. O caso simulado envolvia uma tentativa de homicídio motivada por ciúmes. Ao final, os presentes puderam tirar outras dúvidas ligadas ao Direito e ao cotidiano do Judiciário.
A iniciativa teve como intuito não apenas a educação e conscientização, mas, primordialmente, a inclusão social, demonstrando que as limitações visuais não podem ser barreiras para o entendimento e a participação efetiva no universo jurídico. Além do magistrado, estiveram presentes a representante da Defensoria Pública do Estado, a defensora Renata Emili Leite Mota Pinheiro, e o representante do Ministério Público, o promotor Rafael Matos de Freitas Morais.
JUSTIÇA DE OLHOS ABERTOS
O Júri Simulado integra o projeto “Justiça de Olhos Abertos”, desenvolvido pelo TJCE por meio da Assessoria de Comunicação, que reforça o compromisso integral da Justiça Estadual na criação de estratégias voltadas à criação de uma sociedade melhor e mais inclusiva. Em março deste ano, o esforço foi reconhecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como referência, vencendo o prêmio Responsabilidade Social do Poder Judiciário e Promoção da Dignidade.
Para o jornalista do Tribunal e idealizador do projeto, Edson Viana Gomes, todo esse movimento é “muito especial. Nós estamos verdadeiramente promovendo acessibilidade, inclusão do Poder Judiciário para crianças cegas ou com baixa visão. Hoje, eles estão tendo a oportunidade de ser protagonistas de uma sessão simulada de Júri. Mas quem sabe, no futuro, eles poderão seguir carreira na Justiça e desempenhar essas funções como operadores do Direito em casos reais”.
O “Justiça de Olhos Abertos” integra os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que recomenda aos tribunais a promoção da acessibilidade e da inclusão da pessoa com deficiência.