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10 anos de Oficina Pais e Filhos: O diálogo como forma de fortalecer laços familiares

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Reportagem: Josielle Falcão
Estagiária de Jornalismo da Assessoria de Comunicação do TJCE

A separação de um casal muitas vezes é rodeada de conflitos que, em alguns casos, acabam impactando a vida dos filhos. Foi o que ocorreu com Analiria Franklin, que percebeu mudanças no comportamento dos quatro filhos quando decidiu terminar a relação com Francisco Regilucio.

Ao iniciar o processo de divórcio, ela recebeu o convite do Centro Judiciário de Soluções de Conflitos (Cejusc) da Comarca de Fortaleza para participar da Oficina Pais e Filhos, criada há dez anos para proporcionar um relacionamento saudável das famílias, independente de conflitos conjugais. A princípio, Analiria não acreditava na eficácia da ação.

“Eu até falei mal da oficina, sem nem ao menos conhecer de fato, porque eu não queria ir, achava uma bobagem. Mas, no fim, acabei passando o convite para o pai dos meus filhos, já que ele seria o primeiro a ir, ele se mostrou interessado e foi com as crianças”, relembra.

E não demorou para Analiria mudar de opinião. Depois da participação de Francisco Regilucio, ela percebeu a importância da Oficina Pais e Filhos. “Ele me pareceu muito impactado e muito comovido com o fato de que nossa separação estaria causando mais mal para as crianças do que para nós diretamente”. Foi aí que Analiria aceitou participar dos encontros e, aberta ao diálogo, até resolveu reatar o relacionamento.

 

Analiria compartilhou a vivência durante programação de 10 anos da Oficina

 

“Nós decidimos que iríamos realinhar nosso comportamento, que íamos agir diferente, e foi assim que, aos poucos, fomos mudando. Transformamos nossas brigas em momentos de diálogo e fomos redescobrindo nosso amor, restaurando os laços com nossos filhos, fomos experimentando o novo”, destaca.

Após essa experiência, Analíria agora deseja estar do outro lado: o de expositora, para contribuir com outras famílias ainda estão em situação conflituosa. “Tenho um grande interesse em fazer o curso, a minha expectativa, pretendo alcançar as pessoas que realmente querem ser ajudadas, independente de que decidam o divórcio ou não, meu foco é ajudar os pais a entenderem e a perceberem o sofrimento dos filhos. Eles serão os maus ou bons cidadãos do futuro e isso também depende um pouco dos pais”, reflete.

A partir de 2023, o Dia dos Pais passou a ser mais importante para Regilucio. “Por incrível que pareça, essa era uma data que pouco importava, porém esse é o segundo maior e melhor ‘Dia dos Pais’, é um dia cheio de muitas surpresas dedicadas a mim, e me sinto muito feliz e realizado como pai. A oficina foi tão importante nessa restauração, foi a partir dela que eu percebi que ainda havia tempo para mudar o roteiro da história e essa data vai ser comemorada de uma forma toda especial”, garante.

A EXPERIÊNCIA DE UMA FILHA
Outra beneficiária da Oficina Pais e Filhos é Thais Mindêllo que, quando adolescente, conheceu a iniciativa. Na época, a família tinha dificuldades para estabelecer uma comunicação. “O processo foi intenso e desafiador, mas também transformador. Eu senti um misto de emoções, desde insegurança e medo até alívio e compreensão. As atividades me ajudaram a entender melhor os sentimentos e os conflitos que estavam acontecendo na minha família. O suporte emocional que recebi foi fundamental para que eu me sentisse segura e amparada, permitindo-me expressar o que estava guardado dentro de mim”, explica.

Filha de advogado, ela conta que, ao entrar na faculdade, encontrou sua aspiração na psicologia jurídica. “Na adolescência, comecei a me interessar por psicanálise e li ‘A Interpretação dos Sonhos’, de Freud. Foi um momento decisivo, quando percebi que queria explorar as profundezas do que motiva e move as pessoas. Foi assim que a Psicologia se tornou minha escolha e quando entrei na faculdade, me encantei pela psicologia jurídica”.

Atualmente, Thais divide sua graduação em Psicologia com o estágio na Oficina, atuando diretamente no acolhimento de pais e filhos. “Eu vejo meu trabalho como estagiária de Psicologia como uma oportunidade valiosa de impactar positivamente as famílias e fortalecer relações parentais. Busco sempre inovar, personalizar as abordagens durante as oficinas, integrar técnicas de mediação familiar e suporte emocional para atender melhor às necessidades dos participantes, ajudando a promover harmonia e compreensão nas relações familiares”.

O INÍCIO
Quem trouxe a ideia de promover a Oficina no Judiciário cearense foi a juíza Natália Almino Gondim, agora à frente da 14ª Vara de Família da Capital. Em visita a Brasília, no ano de 2013, época em que atuava no Cejusc, a magistrada conheceu o projeto, idealizado pela juíza Vanessa Aufiero da Rocha, da 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de São Vicente, do Tribunal de Justiça de São Paulo. A juíza falou sobre o assunto durante evento realizado, nessa terça-feira (06/08), na Escola Superior da Magistratura do Ceará (Esmec).

“Me chamou muita atenção, sabe? Era algo que me parecia certo, eu encontrei ali algo que fazia sentido para mim. Ao assistir a Oficina, eu fiquei encantada. E eu, naquela oportunidade, tinha uma pessoa tão sonhadora como eu e, quando nós voltamos, nós sentamos e apresentamos esse projeto a outros voluntários”, lembra Natália.

 

Juíza Natália Almino iniciou a Oficina no Ceará

 

A outra sonhadora era a psicóloga Gleiciane Van Dam, que coordenou as Oficinas até o ano de 2018. Juntamente com a juíza e um grupo de voluntárias, ela trabalhou para que a iniciativa fosse consolidada. “Voltamos de Brasília saltitando e, apesar dos desafios da implementação, as coisas foram caminhando. Caminharam de forma tão plena que se consolidou, e hoje estamos aqui”, comemora a psicóloga.

Gleiciane Van Dam acrescenta que as Oficinas logo passaram a proporcionar uma grande evolução emocional para aquelas famílias. “Trabalhar com pais, trabalhar com filhos, crianças e adolescentes, estar com aquele público ali, era pensar sobre acolhê-los, falar sobre situações, refletir que momento é esse, o que é eles estão vivendo, para que, posteriormente, eles fossem para as mediações, para as conciliações. Nós pontuamos na consciência emocional de cada um e aquilo ali é um poder transformador”.

FORMAÇÃO DE EXPOSITORES
A Oficina conta com a colaboração de voluntários que atuam para facilitar o diálogo de pais e filhos, são os chamados expositores. A primeira pessoa certificada da equipe foi Maria das Graças Teixeira, que está temporariamente afastada, por motivo de saúde, mas reafirma o desejo de voltar às atividades. “Eu tenho este projeto como uma meta para minha melhoria pessoal e sinto muita falta de não poder vir. Expresso aqui o meu desejo de voltar, pois, por mais que o plantio pareça fatigante e repleto de desafios, oficina após oficina superamos com competência e vontade que tudo seja bem e que os cidadãos sejam os maiores beneficiados”.

A III Turma de Formação de Expositores foi realizada esta semana, dentro da programação dos 10 anos da Oficina Pais e Filhos. “Acredito e recomendo, por saber que o projeto muito contribuiu e continuará contribuindo na efetiva conscientização e reflexão de pais e filhos em conflitos. Nossa jornada é árdua e os desafios rotineiros nos impõem situações adversas, com as quais precisamos caminhar e seguir em frente, mas também precisamos ser reconhecidos. O nosso jardim foi e continua sendo regado com a sensação de estarmos contribuindo para a melhoria das relações familiares, e a colheita é realizada e recebida com muita emoção, gratidão e humildade”, assegura Maria das Graças.

 

Maria das Graças na programação de 10 anos da Oficina de Pais e Filhos

 

PANDEMIA
Durante o período de pandemia, em 2020, o Cejusc inovou ao adaptar os encontros para o formato virtual, mantendo o benefício proporcionado pelas Oficinas de Pais e Filhos, que são realizadas antes das audiências. Para os filhos, a temática divórcio foi modificada para “Oficinas das Emoções”. A ideia surgiu da necessidade dos filhos terem um lugar para falar das suas emoções naquele momento de isolamento. Esses encontros virtuais tornaram-se essenciais à pacificação social, e puderam colaborar nas reflexões dos filhos em vários contextos vividos nesse período.

DIAS DE HOJE
Coordenado pela juíza Ana Carolina Montenegro Cavalcanti, que está à frente do Cejusc de Fortaleza, o projeto segue com números admiráveis. A Oficina ocorre quinzenalmente e atende, em média, 120 famílias por mês, com palestras, jogos educativos e dinâmicas de grupo.

Os avós de alguns participantes já foram incluídos na programação, com a realização de uma oficina temática, em outubro de 2023. Os dez avós convidados estavam envolvidos em demandas processuais relacionadas a obtenção de guarda e alimento. Outro objetivo foi intermediar a convivência com os netos.

Segundo a psicóloga Mônica Sant’Ana, que passou a ser responsável pela Oficina em maio de 2018, mas atuava como mediadora judicial e instrutora voluntária do Cejusc desde 2014, o momento foi vital para “fortalecer o lugar dos avós, principalmente quando estes também figurarem como cuidadores ou responsáveis da criança ou do adolescente”.

Para o futuro, a Oficina Pais e Filhos planeja expandir suas atividades, alcançando ainda mais famílias e adaptando suas abordagens para atender às necessidades emergentes da sociedade. Além de ampliar as turmas de expositores para voluntários também do Interior do Estado.

A celebração dos 10 anos da Oficina Pais e Filhos no Poder Judiciário cearense é um marco de grande importância. Este projeto, que começou com a visão de fortalecer as famílias, tornou-se uma fonte de transformação e união para muitas pessoas.

 

Programação especial reuniu participantes da Oficina Pais e Filhos

 

REGULAMENTAÇÃO
Nessa quinta-feira (08/08), o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), por meio do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), regulamentou a Oficina de Divórcio e Parentalidade, conhecida como Oficina de Pais e Filhos. Os detalhes estão na Portaria nº 03/2024, publicada no Diário da Justiça Eletrônico Administrativo (DJEA).

A finalidade é assegurar a padronização do programa educacional, multidisciplinar e preventivo, que deve ser executado pelos Centros Judiciários instalados nas comarcas da Capital e do Interior ou em locais aptos, a critério do(a) juiz(a) coordenador. O trabalho segue as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

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