Justiça pela Mulher: Quando o sorriso volta a brilhar
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- 16-08-2021
Por Pamela Lemos
Jornalista
Na quarta reportagem da série “Justiça pela Mulher – O Judiciário e Você contra a Violência Doméstica”, trazemos o projeto “O Direito de Sorrir”, que tem resgatado a autoestima de mulheres por meio do tratamento odontológico. Os atendimentos são feitos através de convênio entre o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) e o Centro Universitário Fametro (Unifametro)
“Cheguei bastante debilitada, sem conseguir abrir a boca e com muitas dores”. O relato é da cuidadora de idosos Maria*, vítima de violência doméstica em agosto de 2019. Depois de ser agredida pelo ex-marido a facadas, ela procurou o 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Fortaleza, que a encaminhou para tratamento no Complexo Odontológico da Unifametro.
A vida de Maria melhorou a partir daquele momento. Inicialmente, ela precisou usar medicamentos para tratar as lesões e fazer exercícios para recuperar os movimentos da mandíbula. Dois anos depois, já passou por serviços de limpeza, canal, cirurgia e prótese dentária.
“Comecei a acreditar mais em mim e sempre passo isso para minhas amigas. Trabalho, faço meus cursos e divido as responsabilidades de casa com meu ex-marido, que ficou seis meses preso e agora é monitorado por tornozeleira eletrônica. Ele também mudou, está cuidando dos nossos três filhos, me respeita e diz que sou uma nova mulher, determinada”.
O tratamento é acompanhado de perto por Fabíola Andrade, ex-aluna da Faculdade e que atualmente trabalha na coordenação do projeto “O Direito de Sorrir”. “Ela já tinha alguns problemas odontológicos que nunca havia tratado e, em decorrência do incidente, piorou”, lembra.
COMO É FEITO
Fabíola Andrade acrescenta que, antes de qualquer intervenção odontológica, a equipe realiza um trabalho de acolhimento, para tentar compreender a história das vítimas de violência doméstica. “Fornecemos o diagnóstico, o laudo que será anexado ao processo e o tratamento, mas primeiro fazemos esse acolhimento para tentar estreitar a relação. Todas essas mulheres passaram por momentos difíceis, então tem um contexto por trás do fato que realmente levou cada uma delas até a clínica”.
Desde fevereiro de 2019, quando começaram os atendimentos, até o dia 13 de agosto deste ano, 88 mulheres foram beneficiadas pelo projeto. “Em virtude da pandemia e de o Complexo Odontológico trabalhar com contato íntimo, com foco de infecção, foi suspensa a adesão às novas pacientes. As que estavam no cadastro e em atendimento, estão sendo contatadas e voltando, de acordo com suas possibilidades. O retorno do projeto é um desejo de todos, estamos ansiosos por esse momento, que será feito respeitando as normas de segurança e técnicas”, explica o professor Paulo André Carvalho, coordenador do Curso de Odontologia da Unifametro.
Para a juíza Rosa Mendonça, titular do 1º Juizado da Mulher de Fortaleza, ver as vítimas recuperando o sorriso é a maior conquista do convênio entre Judiciário e Unifametro. “É de suma importância o encaminhamento pois é um resgate da autoestima dessas mulheres que já estão em grande sofrimento, por conta da violência sofrida. Na maioria das vezes, elas são agredidas exatamente no rosto e muitas não têm condições de arcar com um tratamento dentário. Esse atendimento diferenciado e especializado na Unifametro tem sido fundamental para o início de uma nova jornada de vida”.
Jornada da qual Maria muito se orgulha de estar construindo aos 40 anos. “Espero que todas as mulheres consigam se impor e tenham coragem, que não se calem perante qualquer tipo de violência. Vamos à luta! Nós merecemos receber carinho e amor”.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Ao elaborar o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), Fabíola Andrade não pensou duas vezes sobre o tema. A apresentação ocorreu em junho do ano passado, por videoconferência. A juíza Rosa Mendonça fez parte da banca examinadora, com os professores Paulo André Carvalho e Jandenilson Brígido. Com nota máxima, além do título de odontóloga, ela ganhou uma experiência muito valiosa para sua profissão e sua vida, por isso resolveu continuar envolvida com a iniciativa.
“Escrever sobre o projeto ‘O Direito de Sorrir’, pela relevância social que ele tem e pelo fato de eu estar na coordenação, foi desafiador. Pude expressar meu olhar mais crítico sobre essa experiência, que foi muito rica para mim. Aprendi muito com as histórias e a força dessas mulheres que têm vontade de sair daquele ciclo negativo de violência”.
*Nome fictício