Sensibilidade em cada processo de adoção
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- 28-05-2020
Francisco José Rosa
Jornalista
Em nome do interesse maior da criança e do adolescente, os processos de adoção são acompanhados com sensibilidade, responsabilidade e segurança. Nesta segunda reportagem, apresentamos outras histórias emocionantes sobre o assunto, a partir de casos compartilhados em grupo restrito de juízes da Infância e da Juventude no WhatsApp.
Em Canindé (Sertão Central do Ceará), a Justiça se viu diante do desafio da adoção de quatro irmãos. Em 2018, o Ministério Público do Estado promoveu ação de destituição do poder familiar, já concluída. Após processos de habilitação dos interessados, os quatro casais da cidade inseridos no Sistema Nacional de Adoção (SNA) apresentaram perfil compatível com um dos jovens.
Por se tratar de grupo de irmãos, incluindo adolescentes, foi pensada a melhor solução para não prejudicá-los. Considerando a excepcionalidade do caso, o extenso período de tempo em que eles permaneceram em acolhimento e a ínfima probabilidade de vinculação conjunta dos quatro por meio do SNA, a juíza da 3ª Vara de Canindé, Tássia Siqueira, autorizou o início do estágio de convivência dos jovens com os pretendentes.
A peculiaridade é que todos os casais são vizinhos, residem na mesma rua, o que permite que os irmãos mantenham o vínculo afetivo. Assim, podem continuar perto uns dos outros, sem perder os laços de sangue, mas ampliando os laços afetivos.
”É necessário um novo olhar para a adoção, como forma de privilegiar o direito de viver em uma entidade familiar. Há muito o vínculo paterno-filial não está mais atrelado à verdade biológica. Prestigia-se, prioritariamente, a socioafetividade como elemento identificador das relações familiares. A adoção é a verdadeira e mais pura expressão do amor ao próximo. Os vínculos afetivos precisam ser assegurados a quem tem o direito de ser amado como filho. Assim, permitiremos que nossas crianças e adolescentes encontrem seus lares e, por certo, evoluiremos enquanto sociedade, garantindo assim a formação de pessoas de forma humanizada, afetuosa e integral” – juíza Tássia Siqueira
ADOÇÃO É DEMOCRÁTICA
Homens e mulheres maiores de 18 anos, solteiros, casados ou viúvos podem adotar, desde que sejam capazes e cumpram os requisitos. R.O. e J.M., casadas há 12 anos, ampliaram a família por meio da adoção. Elas são mães de uma menina, hoje com cinco anos de idade, e de um garoto, com sete anos.
Elas trabalham na área da saúde e residem com os filhos em Fortaleza. A decisão surgiu sete anos atrás e o sonho foi concretizado na Capital, onde ocorreu a adoção do menino, e na Comarca de Paracuru, local de tramitação do processo da garota.
Sobre os filhos, R.O. afirma que são “super parceiros, com divergências normais de irmãos. Eles se ajudam muito e têm um sentimento de família consolidado pelos exemplos de nossos familiares e do cotidiano”. Quanto ao ato de ser mãe, ela explica que “trouxe mais sentido de completude, percepção de que sei e gosto de cuidar, necessidade de ser menos individualista, medo e receios de não dar conta, do futuro em relação a eles. Melhor compreensão sobre meus pais. Enfim, acho que me conectei mais com o outro”.
”A adoção se resume em uma palavra: amor. Em torno dela giram todas as pessoas envolvidas, pais, magistrados, promotores, assistentes sociais, psicólogos. Existe toda uma equipe multidisciplinar por trás do resultado final da adoção. É importante a gente não esquecer desses papéis, dessas figuras. Além dos casos de destituição do poder familiar por maus tratos e situação de risco da criança, há a possibilidade da adoção pela entrega voluntária dos pais. Mas a maneira correta não é a entrega direta a vizinho ou amigo, é a entrega ao Judiciário, para inclusão no Sistema Nacional de Adoção. No cenário atual, acredito que ainda temos longos passos a serem perseguidos, mas não é o cenário de dez anos atrás” – juíza Bruna Rodrigues, titular da Vara Única de Paracuru
MAIS FILHOS, MAIS AFETO
O casal de agricultores F.M. e F.H. já tinha dois filhos biológicos, hoje com 17 e 19 anos, mas alimentava o desejo de adotar. A mulher aceitaria duas crianças, desde que se tratassem de irmãos. A família mora em Limoeiro do Norte (Vale do Jaguaribe), mas as filhas do coração estavam cadastradas na Comarca de Quixeramobim (Sertão Central). O processo de adoção das meninas, hoje com 3 e 6 anos, foi finalizado em 2018.
“Aqui em casa, com a chegada delas, o que mudou foi a alegria, que aumentou. Desde a segunda visita, ainda no acolhimento, elas nos chamam de mãe e pai. Chamam o irmão mais velho de pai também. Elas dizem que têm dois: o pai e o papai”, conta a agricultora.
Também em Quixeramobim, o casal Ângela Duarte e Julião adotou duas irmãs, hoje com 18 e 16 anos. Ângela é assistente social e já era mãe de dois filhos biológicos e outro adotado. Mais de um ano após ampliar a família, ela relata a experiência com as adolescentes. “Adotá-las foi um momento único em nossas vidas e não me arrependo um único dia. A cada dia tentamos suprir aquele amor que elas não tiveram no passado e, graças a Deus, está dando tudo certo. Porque quando há amor, cuidado e respeito, qualquer barreira é superada.”
As irmãs Cícera Kaleanny e Maria Eduarda não escondem o afeto e a gratidão pelo casal e pela oportunidade de começarem uma nova história. “Estou muito feliz por ter um lar, irmãos, pessoas para me apoiar nos momentos bons e ruins”, diz Kaleanny, em vídeo com a irmã:
Já durante a pandemia, um adolescente conheceu os novos pais e irmãos por videochamada viabilizada com a atuação do Judiciário. Eles fortaleceram os vínculos de forma virtual e, em menos de um mês, tiveram a guarda deferida. O casal Ana Paula e Tadeu Pimentel era o único no SNA com perfil compatível ao do jovem de 13 anos, acolhido em Quixeramobim. Desde o dia 15 de maio, a família convive presencialmente.
“A atividade do magistrado envolve, além da avaliação legal e técnica, a emoção, o cuidado, a sensibilização com cada situação concreta, sabendo que ali, naquela demanda, muitas vezes se envolve o sonho e a dignidade de cada pessoa. A atuação na Justiça da Infância e da Juventude suscita os melhores sentimentos possíveis: há esperança, há amor. Nesse contexto, também compete à Justiça concretizar sonhos. É recíproco, não é somente uma criança ou adolescente que alcança seu direito à convivência familiar, com todo cuidado e respeito envolvido, mas também os pretendentes que descobrem e desenvolvem toda uma potencialidade de amar” – juíza Kathleen Nicola Kilian, titular da 1ª Vara de Quixeramobim
CONEXÃO PELO AMOR
Habilitados e vinculados no SNA, a pedagoga e psicóloga Andreliny Batista e o bancário Flávio Kildere estão em união estável há 18 anos e moram em Barbalha (no Cariri) e iniciaram a fase de manutenção de vínculo por videochamada com a filha, de quase três anos, que estava acolhida em Nova Russas, no Sertão dos Inhamuns.
Todos os contatos virtuais (de 26 de março a 22 de abril de 2020) tiveram acompanhamento de profissionais da Psicologia e do Serviço Social. Os pais enviavam fotos dos parentes, e a criança colocava o rosto no celular para receber beijos. Após um mês da primeira chamada, a equipe do acolhimento elaborou relatório comprovando a existência de vínculo. A Justiça concedeu a guarda provisória e eles foram buscar a menina em 22 deste mês.
“O trabalho de toda a equipe foi fundamental. Nas conversas virtuais, a gente usava um boneco e um cachorro feitos de pano. Quando a gente foi conhecer e buscar a nossa filha, levamos os dois bonecos. Ela nos reconheceu, nos acolheu, pegou nas nossas mãos e disse: ‘vamos para casa’. Aquilo foi lindo, maravilhoso. Aqui em casa ela nunca chorou. Está adaptada e, inclusive, matriculada, com aulas online. É como se sempre estivesse aqui. Eu recebo muito amor. É o que esperava há 18 anos. Tentei ser mãe biológica algumas vezes, não deu certo. Agora, temos nossa filha”, descreve Andreliny.
“O trabalho em varas com competência para atuação na Infância e Juventude reflete a experiência de sentimentos de dois lados diversos de uma mesma situação, a dor de destituir o poder familiar dos genitores biológicos, e a indescritível felicidade de inserir a criança dentro de uma nova família, que, muitas vezes, espera por anos pela tão sonhada oportunidade. E foi exatamente essa a situação, pois o casal adotante esperou por cinco anos no cadastro” – juíza Rafaela Benevides Caracas Pequeno, titular da 1ª Vara da Comarca de Nova Russas
O PAPEL DA ADOÇÃO
Para o casal Jean Duarte e Rafaela Aroeira, 26 de maio de 2020 será outra data especial. É o dia em que eles receberam a certidão de nascimento do filho adotivo, Lucas, de dois anos e dois meses. O documento, além dos nomes e sobrenomes, dá a criança todos os direitos como cidadão e oficializa a formação da família.
A Rafaela, que é engenheira civil, e o Jean, técnico-mecânico, são casados há seis anos e perceberam na adoção a forma de aumentar os laços afetivos. Habilitados no Sistema Nacional, os dois receberam a guarda provisória do menino em 1º de novembro de 2019. No dia 7 de maio deste ano, durante o distanciamento social por conta da Covid-19, participaram da audiência sobre o processo. Em meados deste mês, veio a sentença definitiva, da 3ª Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza.
Em 18 de maio, os pais enviaram, por e-mail, toda a documentação necessária ao Cartório de Registro Civil, para emissão da nova certidão de nascimento do filho. A mãe lembra de todas as datas e fases, principalmente das mudanças na vida do casal e na evolução do Lucas no novo lar. “Nossa convivência é muito intensa. Eu não sabia que ia ser algo tão especial. O nosso filho está totalmente adaptado à família. Nas primeiras duas semanas, ele não ria muito, tinha a cara fechada. Depois, ficou mais solto, feliz, pede colo o tempo todo. Se eu fico cinco minutos longe, já chora. Tudo mudou. Nossa vida é pautada para ele.”
Leia aqui a outra matéria com outras histórias de adoção.