Juiz com deficiência visual é exemplo de dedicação e de um Judiciário mais acessível a todos
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- 25-09-2020
Karine Holanda
Jornalista
Aprovado no último concurso para o cargo de juiz do Tribunal de Justiça do Ceará, Wallton de Souza Paiva assumiu neste mês de setembro a Vara Única de Pentecoste, a 95 km de Fortaleza. Personagem da quinta reportagem da série “Judiciário inclusivo: Nós também fazemos Justiça”, o magistrado é a prova de que o ser humano tem o poder de ser agente do próprio destino e que qualquer barreira pode ser superada com esforço e dedicação
Wallton Paiva é cego do olho esquerdo devido a uma doença congênita que o acompanha desde que nasceu. Enxerga apenas com o olho direito, com o auxílio de óculos. A visão monocular não o impediu de levar uma vida praticamente normal, apesar de algumas limitações, que ele fazia questão de contornar. “Quando criança, era difícil praticar algum esporte, por causa do problema de noção de profundidade. No vôlei, às vezes eu acertava a bola, às vezes não, mas eu jogava mesmo assim. Também dirijo normalmente. Minha esposa até prefere que eu assuma a condução”, conta.
Nascido em Natal, no Rio Grande do Norte, o juiz de 34 anos relata que já se sentiu vítima de preconceito não pela deficiência, mas pela origem nordestina. Para o magistrado, as experiências de vida mostraram que não é preciso uma visão perfeita para ter sensibilidade e que a verdadeira deficiência está na cegueira de caráter. Assim, uma pessoa pode até ter uma visão ocular excelente, mas é incapaz de enxergar a diversidade humana, por exemplo.
O ESTUDO COMO HOBBY
Nas horas vagas, Wallton Paiva participa das tarefas domésticas e gosta de tocar violão, revelando que é fã de música brega. Mas seu grande hobby é estudar. Ele, que possui graduação em Direito pela Universidade Federal da Paraíba e mestrado em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tem como próxima meta fazer um doutorado.
Horas de leitura provocam cansaço ainda maior em quem tem um campo de visão reduzido. Mas com força de vontade, o juiz vem superando os obstáculos e diz que o apoio da família foi fundamental para sua ascensão profissional. “Todos precisam de estabilidade emocional e de uma base sólida, que é a família”, afirma o magistrado que é casado com a advogada Soneli Fernandes.
Antes de entrar na magistratura, Wallton Paiva era professor da Universidade Federal do Semi-Árido (Ufersa), localizada em Mossoró (RN). A experiência como docente e o convívio com advogados e magistrados foi um estímulo para prestar concurso público para juiz.
Tomou posse na magistratura em fevereiro deste ano, após aprovação no concurso de 2018, em uma das três vagas destinadas a pessoa com deficiência. Depois de passar por curso de formação inicial obrigatório, assumiu neste mês de setembro a titularidade da Vara Única da Comarca de Pentecoste, além de responder pelas Comarcas Vinculadas de Apuiarés e General Sampaio.
JUIZ PRÓXIMO DO CIDADÃO
Desde que assumiu as funções, sua rotina tem sido intensa. O expediente começa às sete e meia da manhã e só termina às sete da noite. Diante dos novos desafios, ele prefere atuar presencialmente, apesar de o Conselho Nacional de Justiça garantir o TeleTrabalho para magistrados e servidores com deficiência. “São muitas atividades administrativas e há muito o que aprender, motivo pelo qual prefiro estar direto no Fórum, mesmo nesse período de pandemia. Quando prestei concurso, achava que a única função de um juiz seria julgar, mas descobri que é necessário principalmente ser um administrador, pois sem uma gestão eficiente não é possível exercer a atividade de forma satisfatória”. Assista ao vídeo.
O juiz conta que o Fórum possui alguns recursos de acessibilidade, como rampas, mas os avanços na estrutura precisam continuar, dando como exemplo a instalação de piso tátil. A maior parte do acervo está digitalizado ou em processo de digitalização e a expectativa é de que até novembro deste ano não exista mais processo físico na Comarca. “A tecnologia torna tudo mais acessível. Enquanto servidor público, estou aqui sempre presente para servir e atender às demandas da população. Acredito que minha principal função enquanto magistrado é estar acessível não só de forma física, mas enquanto ser humano. É preciso romper as barreiras que se impõem ao livre acesso à cidadania, sejam estas sociais, tecnológicas ou de comportamento, para oferecer às pessoas dignidade e a possibilidade de seguir seus próprios caminhos”.