Conteúdo da Notícia

EDITORIAL – Crianças à margem

Ouvir: EDITORIAL – Crianças à margem

12.10.2010 opinião
Comemorações assinalam, hoje, a passagem do Dia da Criança, enquanto, sob outro contrastante aspecto, fatos desabonadores do condigno tratamento que deveria ser dispensado aos menores constam da pauta de denúncias veiculada pela mídia brasileira. Somente no Ceará, foram registrados mais de dois mil casos de violação dos direitos de crianças e adolescentes, de janeiro a agosto deste ano.
São lamentáveis os atos de abusos cometidos, especialmente aqueles relacionados à violência física, que constituem a maioria das denúncias formuladas. Ao lado do abandono, da negligência e da exploração sexual, as brutais agressões a menores fazem parte do cotidiano, não raro, no próprio seio da família, com uma alta incidência que tende a levá-las ao perigoso terreno da banalização.
Outro desafio aos preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente é o crescente número de menores a perambular diuturnamente pelas ruas e praças de Fortaleza. Quase sempre reunidos em grupos durante o dia, com o objetivo de se protegerem mutuamente quando da consumação de furtos, ou até de assaltos, à noite, eles se recolhem sobre a marquise dos prédios e nos bancos das praças, como uma deprimente legião de abandonados. Soma-se a esse problema o acintoso e destruidor consumo de “crack”, já superando o anterior hábito de cheirar cola, às vezes, em frente de templos religiosos e de importantes instituições citadinas.
Entre pessoas menos informadas, momentaneamente surpresas pela visão de levas de crianças maltrapilhas e agressivas, podem escapar as verdadeiras razões que dão origem ao quadro tão desairoso, entre elas, a falta de acesso à educação, um mal que, em grande parte dos casos, vem transmitido de gerações anteriores.
Também funciona como agravante da situação a quase total falta de estrutura no campo da reeducação e recuperação de crianças e adolescentes marginalizados. Essa carência de adequada estrutura de apoio torna-se ainda mais lesiva pelo crescente poder corrosivo do tráfico e consumo de drogas, que inclusive utiliza os menores como veículo.
É imprescindível citar, em contraponto às características festivas às quais habitualmente se associa a data em homenagem à criança, a ausência da devida assistência familiar, omissão constatada não apenas nas camadas mais carentes, mas também existente nas classes média e alta, em que a dependência das drogas entre menores tem dado causa a fatos desoladores.
Por um desses paradoxos tão comuns na realidade brasileira, o Estatuto da Criança e do Adolescente é considerado uma das mais completas legislações no gênero em todo o mundo. Ocorre que as falhas em relação ao seu cumprimento tornam-lhe os resultados práticos muito aquém dos seus louváveis propósitos.
No Dia da Criança, transformado numa data comercial, destinada a difundir o consumismo com a finalidade de aferir lucros, a figura homenageada parece permanecer em plano secundário, como vítima de atentados à formação de sua personalidade, tudo pela subestimação de itens fundamentais à construção de um sistema no qual a dignidade prevaleça. O quadro precisa ser superado: a criança é o futuro da Nação.